Ancestral do milho que conhecemos é encontrado em caverna mineira

Pesquisa revela que material encontrado tem diversas características em comum com a planta que originou o milho no México, 9 mil anos atrás, e a que chegou no sudoeste da Amazônia, 6 mil anos atrás

O milho, atualmente, é um dos grãos mais produzidos no mundo. Apesar de sabermos o quanto o milho foi melhorado ao longo do tempo, muitos se perguntam: qual a sua origem e quando ele começou a ser cultivado? O milho é a planta comercial originária das Américas mais importante no cenário agrícola. A origem do milho ainda é muito discutida, já que a gramínea pode ter surgido tanto do Paraguai até a Colômbia, quanto da Guatemala até o México.

De acordo com as evidências, é possível que seja originária do México. Isso porque é uma espécie pertencente à família Gramineae/Poaceae, cujo parente mais próximo, acredita-se ser o Teosinto (Zea mays spp. parviglumis), e seu registro restringe-se ao Vale Central de Balsas, no México.

No Brasil, o milho já era cultivo pelas tribos indígenas antes da chegada dos portugueses. Com a colonização, há mais de 500 anos, o consumo teve grande aumento, tonando-se um hábito alimentar.

Os índios tinham em sua alimentação o milho como um dos principais alimentos, principalmente as tribos guaranis. Com a chegada dos novos povos, o grão se tornou fonte de outras atividades sendo incorporado como formas diversas de cozimento e como farinha, por exemplo.

Tipos de milhos originários / Fonte: Flaviane Malaquias Costa, USP
Tipos de milhos originários / Fonte: Flaviane Malaquias Costa, USP

Nova descoberta

Amostras de milho ainda não totalmente domesticado encontradas em cavernas no Vale do Peruaçu, em Minas Gerais, foram determinadas como as mais distantes já encontradas do centro de origem da planta, o México. Os resultados foram divulgados ontem (04/09) na revista Science Advances, em trabalho liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

As amostras de milho semidomesticado foram encontradas enterradas dentro de cestos, nas cavernas do Vale do Peruaçu (foto: Fábio de Oliveira Freitas)
As amostras de milho semidomesticado foram encontradas enterradas dentro de cestos, nas cavernas do Vale do Peruaçu (foto: Fábio de Oliveira Freitas)

A descoberta reforça achados do grupo publicados em 2018, na revista Science, que mostrava evidências genéticas, em plantas atuais, de que o milho poderia ter finalizado sua domesticação também na América do Sul.

Faltava encontrar amostras de indivíduos semidomesticados no continente, que se revelaram em espigas, palha e grãos encontrados em escavações arqueológicas realizadas no Vale do Peruaçu em 1994, por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A princípio, essas amostras foram consideradas apenas exemplares de milho domesticado que não cresceram o suficiente. A partir da evidência genética de que o processo final de domesticação poderia ter ocorrido na América do Sul, reavaliamos o material e encontramos diversas características em comum com a planta que originou o milho no México, 9 mil anos atrás, e a que chegou no sudoeste da Amazônia, 6 mil anos atrás”, explica Flaviane Malaquias Costa, primeira autora do estudo, realizado durante doutorado e pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, este último com bolsa da FAPESP.

A distância do México para o Vale do Peruaçu é de cerca de 7.150 quilômetros, enquanto do sudoeste da Amazônia, atuais Rondônia e Acre, em torno de 2.300 quilômetros. As amostras, portanto, são as mais distantes do centro de origem da planta já encontradas com essas características primitivas.

Cavernas do Vale do Peruaçu são algumas das poucas no mundo com pinturas rupestres de espécies cultivadas e manejadas. Nas fotos, o milho e a palmeira buriti (foto: Fábio de Oliveira Freitas)
Cavernas do Vale do Peruaçu são algumas das poucas no mundo com pinturas rupestres de espécies cultivadas e manejadas. Nas fotos, o milho e a palmeira buriti (foto: Fábio de Oliveira Freitas)

Embora as evidências arqueológicas registrem entre 10 mil e 9 mil anos atrás a presença de populações humanas no Vale do Peruaçu, o milho parece ter chegado à região apenas cerca de 1.500 anos atrás. As amostras da planta semidomesticada encontradas no local vão de 1.010 até cerca de 500 anos atrás, quando os europeus aportaram no continente.

Isso mostra a importância das populações indígenas do passado, que selecionaram, manejaram e fixaram características que deram origem às raças de milho atuais da América do Sul. Seus descendentes continuam realizando esse trabalho ainda hoje, contribuindo para mantermos nossos recursos genéticos”, conta Fábio de Oliveira Freitas, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, coautor do estudo.

A partir da análise de diversas características do milho encontrado nas cavernas no Peruaçu, os pesquisadores determinaram um parentesco com a raça brasileira Entrelaçado, presente nos Estados do Acre e de Rondônia.

“Esta foi uma das raças que se originaram na América do Sul a partir da seleção de outras populações, cujas variedades atuais encontramos durante nosso projeto de pesquisa. Nele, rastreamos milhos em vários locais do Brasil e Uruguai”, lembra Elizabeth Ann Veasey, professora da Esalq-USP que orientou o doutorado de Costa e coordenou projeto apoiado pela FAPESP.

Pesquisadora faz caracterização morfológica das amostras de teosinto no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos  (foto: Flaviane Malaquias Costa)
Pesquisadora faz caracterização morfológica das amostras de teosinto no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos (foto: Flaviane Malaquias Costa)

As cavernas do Vale do Peruaçu são algumas das poucas no mundo com pinturas rupestres de espécies cultivadas. Além de ilustrado nas paredes, o milho foi encontrado em cestos enterrados, provavelmente como oferenda aos mortos sepultados naqueles sítios.

A descoberta também tem um desdobramento geopolítico. Uma vez que se estabelece que raças de milho terminaram o processo de domesticação aqui no Brasil, esses recursos genéticos podem ser considerados não mais exóticos, o que implica a necessidade de esforços para sua conservação e direitos em tratados internacionais sobre o tema.

Com informações de André Julião da Agência FAPESP

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