Alternativas podem parecer, ter o sabor e até mesmo sangrar como a carne, mas os pecuaristas querem ter certeza de que a nova concorrência não possa usar a palavra carne no rótulo.
Os criadores de gado e os departamentos agrícolas da América não vão desistir da palavra carne sem lutar.
Desde o começo de 2019, grupos da indústria de carne bovina persuadiram legisladores em mais de uma dúzia de Estados americanos a adotar leis que tornariam ilegal o uso da palavra carne para descrever hambúrgueres e embutidos que são criados a partir de ingredientes vegetais ou cultivados em laboratórios.
Essas alternativas à carne podem parecer, ter o sabor e até mesmo sangrar como a carne, mas os pecuaristas querem ter certeza de que a nova concorrência não possa usar a palavra carne no rótulo. “A palavra carne, para mim, deve significar um produto vindo de um animal vivo”, disse Jim Dinklage, fazendeiro e presidente da Independent Cattlemen of Nebraska (produtores de gado independentes do Nebraska, em tradução literal), que testemunhou em apoio à legislação de rotulagem de carne em seu estado.
A pressão por leis estaduais de rotulagem é um reflexo da rapidez com que startups como a Beyond Meat e a Impossible Foods, que produzem hambúrgueres a partir de ingredientes à base de legume, cresceram no seu desafio à a indústria tradicional de carnes. As vendas de substitutos de carne à base de vegetais aumentaram 22%, para US$ 1,5 bilhão no ano passado, de acordo com a Euromonitor International, uma empresa de pesquisa de mercado.
Outras startups estão cada vez mais perto de terem condições de criar nuggets de frango e linguiça a partir de células verdadeiras de carne, cultivadas em laboratório. Mesmo que ainda não seja comercialmente viável, os produtores tradicionais de carne temem que a carne cultivada em laboratório possa se tornar uma alternativa de baixo custo, e com pouca supervisão regulatória.“Cerca de um ano e meio atrás, isso não estava no meu radar”, disse Mark Dopp, diretor de assuntos regulatórios da North American Meat Association. “De repente, isso está cada vez mais perto. É provável que aconteça em futuro próximo, e precisamos ter um sistema regulatório montado, para lidar com isso. ”
Os produtores de carne dizem que não querem perder o controle sobre rotulagem, como a indústria de laticínios, que perdeu sua batalha para impedir os produtores de amêndoa e soja de usarem a palavra leite em suas bebidas. Ovos e até mesmo os produtores de maionese enfrentaram lutas semelhantes.“As amêndoas não produzem leite”, disse Bill Pigott, um republicano do Mississippi que escreveu a legislação no Estado.
Ele é dono de uma fazenda que produz produtos lácteos e carne bovina. Mas suas preocupações foram além da amêndoa e o líquido de soja que estão sendo rotulados como leite. “A carne falsa produzida em laboratório é um assunto meio de ficção científica que me preocupa mais”, disse Pigott. Ele apresentou seu projeto de lei em janeiro depois que a associação local de pecuaristas entrou em contato com ele. Conseguiu aprovação na Câmara do Estado e aguarda debate no Senado estadual. Os vários esforços legislativos provavelmente enfrentarão desafios difíceis – e não só dos vegetarianos.
Um projeto de lei na Virgínia foi rejeitado depois que os legisladores receberam uma carta da National Grocers Association, da Grocery Manufacturers Association e da Plant Based Foods Association, que defendiam produtos cada vez mais populares. Segundo se afirmou, exigir “embalagens novas e desconhecidas só confundiria os consumidores e frustraria os varejistas em um momento em que a demanda por tais opções está em sua maior demanda”, crescendo 23% ao ano.
A proposta mais restritiva, no estado de Washington, tornaria crime vender carne cultivada em laboratório e impedir que fundos do Estado sejam usados para pesquisas na área porque alguns legisladores dizem que não se sabe o suficiente sobre o assunto para considerá-lo seguro. O projeto de lei ainda não foi votado.
Coalizões surpreendentes estão se formando em torno do futuro da carne cultivada em laboratório. A North American Meat Association disse querer que a carne cultivada em laboratório seja mencionada como carne para garantir que os novos produtos não sejam capazes de evitar qualquer regulamentação aplicada à carne tradicional. E a maioria das grandes empresas de carnes ficou de fora do debate. Alguns deles, incluindo a Tyson e a Cargill, fizeram investimentos em startups de carnes cultivadas em laboratório.
Em Nebraska, um projeto de rotulagem de carne foi escrito por Carol Blood, senadora democrata de Omaha. Apesar de seu sobrenome, Blood tem sido vegana há anos. Ela disse que decidiu seguir seu projeto de lei depois de escutar duas mulheres no supermercado local Fresh Thyme, confusas sobre se um pacote de hambúrgueres da Beyond Meat continha carne animal.
“Eu não me importo se está dito que é hambúrguer – eu me importo se diz que é carne”, disse Blood. “Eu tenho essa coisa que não me cai bem, quando as pessoas estão tentando enganar.” Os produtos da Beyond Meat não são, de fato, produzidos com qualquer tipo de carne. Ele recebe a sua aparência sangrenta a partir de suco de beterraba.
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“Fornecemos ao consumidor carne produzida a partir de plantas e acreditamos que é razoável para o consumidor e para nós nos referirmos aos nossos produtos ‘como carnes de origem vegetal’”, disse o presidente executivo da Beyond Meat, Ethan Brown, em um e-mail. No ano passado, o Missouri aprovou a primeira lei que impedia as empresas de “apresentar erroneamente um produto como carne, que não seja derivada da produção de gado ou de aves”.
Essa lei foi contestada em juízo pela empresa Tofurky, especializada em tofu e outros alimentos à base de soja, assim como pela filial local da American Civil Liberties Union e outros grupos. Sarah Sorscher, que trabalha em assuntos sobre regulamentação no Centro para a Ciência no Interesse Público, disse que há poucas evidências de que os consumidores ficaram confusos com a rotulagem de empresas de carnes alternativas.
“Achamos que se eles usam um termo como carne é uma variável para essa questão maior, que é o fato de a indústria da carne estar preocupada com a concorrência desses produtos”, disse Sorscher. “Os projetos de lei não parecem direcionados para a solução de um problema no mercado. Referem-se a uma luta contra a concorrência”.
Fonte: Estadão