Dona da maior produtora de leite orgânico do Brasil, Pedro Paulo Diniz, abriu mão de uma das maiores fortunas do país, mudou de vida e sumiu do mapa
Basta olhar em volta para ver o quanto andamos deslumbrados. A valorização excessiva de fama, velocidade e superexposição, o caráter estupidamente competitivo de tudo, a obsessão doentia pela acumulação de dinheiro na ilusão obtusa de não depender de nada nem ninguém são coisas tristemente associadas pela maioria da população à noção de sucesso. O diabo é que, quando esse quase consenso equivocado da era Big Brother vem à mesa de debates, dificilmente quem o questiona conhece o outro lado de fato.
Senão, vejamos: que filósofo ou pensador herdou parte de um dos maiores grupos empresariais do mundo, tem assento no conselho da maior empresa de varejo da América Latina e patrimônio na casa de alguns bilhões de reais? Se houver algum, teria ele vivido em palácios ao lado de príncipes e supermodelos? OK, então aponte um que tenha guiado um carro de Fórmula 1 durante cinco anos e, não contente, experimentado chocar um deles contra um muro a mais de 250 km/h.
Pra finalizar, seu candidato tem estampa suficiente para ser contratado como modelo de uma tradicional marca de relógios suíços, numa campanha publicitária que dividiu com ninguém menos que Audrey Hepburn?
Evidententemente, Pedro Paulo Diniz sempre esteve mais pra Kart que pra Kant, mas digamos que pode falar com propriedade sobre o que é ser, nas palavras dele mesmo, “um playboy Fórmula 1”, uma espécie de arquétipo do mundo movido a celebridades. Bem mais que isso, conquistou o que o mundo do dinheirismo, do consumo, da competição e da fama entende como o topo da montanha.
E quis descer
Há cerca de dez anos, PPD trocou altas octanagens, rotações por minuto e níveis de aceleração atômicos (de todos os tipos) por um longo e aparentemente definitivo pit stop. Parou de correr e resolveu chegar a algum lugar.
E recuperar o anonimato lhe parecia uma condição essencial
Antes figura repetida em colunas sociais e revistas de famosos, Pedro literalmente casou e mudou. Com a colega de aulas de ioga Tatiane Floresti (depois de um namoro com algumas idas e vindas enquanto ambos tentavam processar o que estava acontecendo em suas vidas), constituiu família e sumiu dos holofotes dizendo não a todos os convites, propostas e xavecos de quilates variados.
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Tiveram dois filhos, hoje com 5 e 3 anos, mudaram-se para uma fazenda no interior do estado de São Paulo e juntos puseram-se a prestar atenção nas lições que a natureza ensina todos os dias, mas que nossas vidas tão “espertas, agitadas e produtivas” nos têm feito incapazes de enxergar. Primeiro construíram uma escola para que seus dois filhos e os filhos das famílias que vivem na propriedade pudessem ter educação de boa qualidade, por meio de um mix de técnicas da pedagogia de Rudolf Steiner com outras correntes tão interessantes quanto a própria antroposofia.
O segundo passo foi pensar em aproveitar o enorme território para iniciar o plantio e a produção de frutas orgânicas. Logo nos primeiros estudos sobre a tal agricultura orgânica, uma primeira lição: a lógica da interdependência.
Traduzindo, para cultivar frutas sem usar venenos, é preciso pensar nos animais, em matéria orgânica capaz de adubar o solo, na lua e numa porção de outras coisas que formam um círculo perfeito que termina (ou começa, como o leitor preferir) exatamente na qualidade da escola de quem vai colher o morango.
A ideia era fincar a primeira estaca de um projeto brasileiro de agricultura orgânica sustentável, perene e de larga escala. O conceito passava por alguns dados tão simples quanto contundentes. No Brasil, apenas cerca de 0,6% dos alimentos vendidos e consumidos são os chamados orgânicos, livres de pesticidas, agrotóxicos e “outros bichos”.
Na Europa este número chega a 17%. Por aqui, orgânicos são hoje sinônimo de preços inalcançáveis à maioria da população, basicamente porque a produção é mínima e não há escala.
Assim, entendendo que seria necessário buscar muito conhecimento para planejar o que poderá vir a ser a maior produtora de alimentos orgânicos do Brasil, Pedro mergulhou fundo na pesquisa sobre técnicas de rotação de pastos, homeopatia veterinária, fitoterapia, ciclo de vida dos carrapatos, biodiversidade, biodinâmica, agrofloresta e outros conceitos que ainda parecem estranhos e até exóticos à maioria de nós, mas que há anos estão na pauta de países mais avançados, que entendem não só a importância de rever o que ingerimos, mas a economia gigantesca que esse tipo de alimento carrega quando se calculam as despesas com o tratamento das centenas de tipos de câncer e outras doenças causadas pela alimentação envenenada que ingerimos todos os dias.
E o número se multiplica indefinidamente se pusermos na conta a possível reversão do quadro de degradação ambiental que as culturas envenenadas e obtusas têm gerado ao longo dos séculos.
A experiência parece estar dando certo. A Fazenda da Toca, marca do projeto que já conta quatro anos de vida, é hoje a maior produtora de leite orgânico do Brasil e uma respeitável produtora de laticínios como queijos e iogurtes, ovos orgânicos e algumas frutas.
Filho de Abilio Diniz uma das mais bem-sucedidas e discutidas figuras do cenário empresarial brasileiro, Pedro Paulo diz que quer transformar o que tem em um bem maior para todo mundo.
As 50 famílias que trabalham no empreendimento estão se acostumando a ver não só as evoluções nítidas na quantidade e diversidade dos animais do ecossistema da fazenda, mas a transformação clara do patrão que, agora sim, parece ter encontrado a linha de chegada.
Quais são suas memórias mais antigas de infância?
Não tenho tantas recordações de infância. As primeiras são da mudança para a casa na avenida Cidade Jardim, eu tinha uns 3 anos. Eu não queria ficar lá nem a pau, esperneava. Era uma casa enorme, e eu estava acostumado com a casinha que a gente tinha. Eu fui um moleque mais fechado.
Não curtia a escola. Foi algo imposto, e eu não me encaixava, tinha dificuldade de aprender. Em coisas que me interessavam, como matemática, uma coisa mais exata, eu até ia bem. Mas português, eu pensava “para quê? Já sei falar, sei escrever…”. Com certeza, uma escola mais construtivista teria me fisgado melhor. Porque eu gostava de inventar. Desmontar as coisas em casa, liquidificador, aspirador, fazia carrinho. Eu tinha bastante criatividade, mas realmente minha relação com a escola era difícil.
Cobravam muito você por isso?
Em relação à educação, meu pai sempre foi duro. Eu, que não ia bem, passei por várias escolas. Com uns 13 anos, fiquei de recuperação, tinha que passar de ano, fiquei as férias todas trancado no quarto estudando, aquilo pra mim foi um martírio. Ele era muito rígido. Nossa relação só melhorou quando eu fiz 15 anos, depois que ele se separou da minha mãe. Sempre digo que ele não estava bem naquele relacionamento, então também não conseguia estar bem com a gente.
Seu pai é uma figura muito forte, associada à ideia de dedicação exclusiva ao trabalho, À força de produção. Ao mesmo tempo que é muito admirado, também é criticado por isso. Como é ser filho do Abilio, principalmente quando criança?
Acho que quando a gente é criança não percebe muito essa coisa, mas meu pai sempre foi uma figura dominadora. Depois, mais adolescente, vai caindo a ficha. Logicamente a gente vivia uma vida que não era normal. Meu pai já tinha bastante dinheiro, então a gente morava numa supercasa, tinha motorista, segurança. Mas meu pai sempre foi bem caxias na educação, de querer dar para a gente uma realidade mais parecida com a de todo mundo.
Um amigo me contou que não tem nenhuma memória dele brincando com o pai, beijando, abraçando. Como era a sua relação com o seu pai?
Era um outro tipo de afeto, porque talvez ele também não tenha tido isso. Era uma relação um pouco mais fria. Não tinha isso de pegar, abraçar, como eu tenho com meu filho hoje ou como meu pai tem com os filhos mais novos, do último casamento. Acho que era algo da época também, mais formal. Ele foi muito rígido, mas agradeço muito porque ele nos ensinou valores bem legais.
Você tem três irmãos do primeiro casamento do Abilio. A adriana sempre foi mais reservada e nunca trabalhou com a família. Já a Ana Maria é tida como o braço direito do seu pai na empresa. O João Paulo também trabalhou no grupo, e sempre foi muito mais forte nos esportes, o que seu pai valoriza. E você, o caçula, vendo isso, se sentia o patinho feio?
Não é consciente isso, de se sentir patinho feio. Mas, por ser o caçula, acho que peguei uma fase muito ruim do relacionamento dos meus pais, tive um pouco menos de atenção deles. Não tinha tanta competição, porque a diferença de idade é muito grande. A Ana eu até falo que é minha segunda mãe, dez anos mais velha. Quando surgiu a coisa de correr de kart me deu aquela luz.
Como isso apareceu na sua vida?
Eu sempre fui ligado em motor, desde moleque. Vinha aqui pra fazenda, ficava na motinho o tempo inteiro. Quando tinha 15 anos, um amigo me chamou para dar uma volta de kart em Interlagos. De primeira, vi que levava jeito pra coisa. E pensei: “Pô, que legal, um negócio que eu sei fazer!”. Me fez muito bem, aumentou minha autoestima. Meu pai falou: “Melhor você correr na pista do que na Marginal”.
E me incentivou, me deu um kart, comecei a correr e mudou minha vida, me encontrei. Eu também era superdesregrado, aí comecei a querer fazer esporte, estar bem fisicamente pra correr. Eu era um moleque sem rumo, e isso me deu um.
Como foi sua carreira no kart?
Ganhei algumas corridas, segui as categorias, não ganhei nenhum campeonato… Mas dava pra ver que tinha talento. Eu fazia pole pra cacete, mas era um puta porra-louca, batia na corrida. E era esforçado na parte mecânica, gostava de entender como funcionava.
A grana fez muita diferença no seu processo no automobilismo comparado com alguém sem esse dinheiro todo?
Fez, né? O automobilismo é muito movido a grana. Se você tem equipamento bom, faz diferença. Eu tive essa condição, mas corri atrás porque meu pai não dava nada de mão beijada. Logicamente ele me abriu várias portas, mas, quando passei pra Fórmula Ford, fui atrás, fiz apresentação em empresa, consegui patrocínio. Claro que com as portas que ele me abriu, com o Pão de Açúcar, facilitou a história toda.
O que seus irmãos achavam disso?
A gente nunca conversou muito sobre isso, mas eu sentia que principalmente o João tinha certo incômodo, do tipo “esse moleque não faz nada, só fica brincando de correr de carro”. Acho que meu pai sempre pensava que era meio brincadeira, mas via que eu estava mais focado, então apoiava. Mas, quando falei que ia morar na Inglaterra para correr, aí ele não gostou. “E faculdade? Vai ficar brincando desse negócio pra sempre?” Ele não achou graça e foi dificultando as coisas.
Como?
Não me dava muita grana, tive que ir lá, garimpar uma equipe. Depois de seis meses eu estava vivendo numa bibocazinha, totalmente diferente do que eu tinha aqui, na mordomia da casa da mãe, com empregado. Mas foi muito legal porque tive que aprender a me virar. Eu tava com 19, 20 anos. Arranjei a equipe sozinho, aprendi inglês, que eu não sabia.
E como foi esse começo de carreira?
Meu sonho era correr na Fórmula 1. Mas na Inglaterra era difícil, porque eu saí daqui sem grandes resultados. Nos primeiros meses, meu pai não queria que eu fosse, mas depois viu que eu ia ficar e começou a ajudar mais. Mudei para um lugar mais bacana, comprei um carro. Mas foi ficando pesado porque eu vi que não tinha aquele talento natural que eu imaginava. Isso era foda, porque um moleque de 20 anos se acha super-herói. E nessas categorias, Fórmula 3, Fórmula 3000, foram resultados medianos.
Seu pai teve uma carreira no automobilismo, chegou a ganhar algumas corridas, como as 24 Horas de Interlagos… isso pode ter alguma relação, você queria mostrar que podia ser melhor do que ele?
Com certeza, tinha muito o negócio de se afirmar, mas nem tanto pela ligação dele com o automobilismo. Isso foi algo curto e eu não vivi. Era mais pra falar: “Eu sou legal, olha o que eu sei fazer”. E era pauleira. Por mais que meu pai tivesse grana e ajudado a conseguir patrocínio, ali é você e o carro.
Fonte: Revista Trip