Venda de parte da Fazenda Santa Elisa ameaça o “maior banco genético de cafés do mundo”

A Faesp, pediu ao governador Tarcísio de Freitas que reconsidere a proposta de venda de parte da Fazenda Santa Elisa, alertando que isso ameaça o patrimônio genético do café e as pesquisas em andamento, impactando a sustentabilidade e competitividade da cafeicultura brasileira.

A possível venda de parte da Fazenda Santa Elisa, pertencente ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), gerou grande preocupação entre os setores ligados à pesquisa agrícola e cafeicultura no Brasil. A fazenda, que abriga o maior banco de germoplasma de café do país, desempenha um papel vital no desenvolvimento e preservação de variedades de café, muitas das quais são responsáveis por 90% do café cultivado no Brasil. A proposta do Governo do Estado de São Paulo de vender parte do terreno está sendo duramente criticada por especialistas, legisladores e entidades do agronegócio.

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), por meio de seu presidente Tirso de Salles Meirelles, enviou um ofício ao governador Tarcísio de Freitas solicitando que a proposta seja revista. Meirelles destaca que a venda da área representa uma “ameaça direta ao patrimônio genético do café e às pesquisas em andamento”, colocando em risco a sustentabilidade e a competitividade da cafeicultura brasileira.

Meirelles afirmou que o IAC tem um trabalho de décadas, responsável pelo desenvolvimento de variedades de café que não apenas sustentam a produção nacional, mas também influenciam o mercado global. Ele citou o exemplo do café colombiano, que se beneficiou diretamente das pesquisas desenvolvidas na Fazenda Santa Elisa. A Faesp também ressaltou que a transferência das pesquisas para outra localidade seria demorada e onerosa, comprometendo os avanços científicos.

Importância da Fazenda Santa Elisa

A Fazenda Santa Elisa é amplamente reconhecida por abrigar o maior banco genético de café do mundo, com cerca de cinco mil acessos, incluindo plantas raras e variedades ameaçadas de extinção. Criado na década de 1930, esse banco tem sido crucial para o desenvolvimento de variedades mais resistentes a pragas, doenças, e mudanças climáticas, como aquelas que toleram a seca e o calor.

Nos últimos anos, a fazenda também desenvolveu variedades resistentes à ferrugem e ao bicho mineiro, pragas que afetam a produção de café em várias regiões do Brasil. Além disso, há pesquisas em andamento para a criação de variedades de café arábica sem cafeína, que podem representar uma inovação significativa no mercado.

Contexto e Possíveis Impactos

A proposta do governo envolve a venda de uma pequena porção da fazenda, cerca de 7 hectares de uma área total de 692 hectares. No entanto, essa área específica, conhecida como gleba São José, contém exemplares únicos de espécies de café, incluindo a população mais antiga de cafeeiros arábica clonados por cultura de tecidos, resultado de mais de 20 anos de pesquisas. Helena Dutra Lutgens, presidente da Associação Paulista de Pesquisadores Científicos (APqC), criticou a medida, chamando-a de “interesse financeiro imediatista” que coloca em risco a preservação de áreas científicas e ambientais.

Além do impacto na pesquisa, há preocupações ambientais. A Fazenda Santa Elisa é coberta em 35% por matas nativas, incluindo matas ciliares, cerrados, várzeas e áreas de proteção de nascentes que alimentam o Ribeirão Quilombo, importante para a bacia hidrográfica do Rio Piracicaba.

Posicionamento do Governo

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), responsável pela gestão da área, afirmou que o estudo sobre a viabilidade de venda ainda está em andamento e que decisões finais serão tomadas em conjunto com a direção dos institutos estaduais. A Secretaria garantiu que “áreas com pesquisas em andamento e bancos de germoplasma não serão afetadas”, mas não descartou totalmente a venda da gleba São José, o que continua a gerar incertezas.

Manifestação Legislativa

Parlamentares também expressaram sua oposição à proposta. O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) criticou duramente o governo, afirmando que “o governador não pode virar um corretor de imóveis e privatizar tudo”. Ele também destacou que a venda de outros patrimônios públicos, como prédios do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe), segue a mesma lógica de alienação de bens valiosos. Giannazi protocolou um pedido na Assembleia Legislativa para convocar o secretário de Agricultura, Guilherme Piai Filizzola, para prestar esclarecimentos.

No nível municipal, o vereador Gustavo Petta (PCdoB), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara de Campinas, marcou uma reunião para discutir o caso com representantes do governo, do IAC e de entidades ligadas à pesquisa agrícola.

O Futuro da Pesquisa e do Café Brasileiro

A possível venda de parte da Fazenda Santa Elisa não é apenas uma questão de alienação de terras públicas. Trata-se de uma decisão que pode ter impactos profundos na ciência agrícola, na preservação ambiental e no desenvolvimento econômico do Brasil. A cafeicultura, uma das principais atividades econômicas do país, depende diretamente das pesquisas realizadas no IAC, e qualquer mudança estrutural pode comprometer os avanços conquistados ao longo de décadas.

Os setores envolvidos esperam que o governo paulista reconsidere essa proposta, preservando o papel central da fazenda na sustentabilidade da produção de café e, consequentemente, na economia brasileira.

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