Com o aproveitamento dos bezerros de origem leiteira, a abertura de novas áreas para produção de carne bovina poderia ser diminuída.
Os bezerros machos de origem de rebanho de leite são considerados como um problema na grande maioria das propriedades brasileiras. Normalmente são descartados ou sacrificados após o nascimento. Essa situação se contrasta com a realidade mundial que busca nesses animais uma saída para ampliar a oferta de carne, agregar renda à atividade leiteira e atender exigências legais sobre bem estar animal.
O número de vacas da raça Holandesa e seus cruzamentos é expressivo no Brasil. Segundo o IBGE (2020) foram ordenhadas 16,1 milhões de vacas em 2020. Considerando-se que 50% de suas crias são machos, com taxa de sobrevivência de 90%, estima-se que aproximadamente 7,2 milhões de bezerros de origem leiteira estariam disponíveis para a produção de carne durante o ano.
Assumindo que esses seriam abatidos com 450 kg (15 arrobas), estima-se uma produção anual de 108 milhões de arrobas que seriam agregadas à produção, a partir de um programa de aproveitamento de machos de origem leiteira. Considerando o preço da arroba de R$ 320,00 a R$345,00 (CEPEA – Abril, 2022), dependendo da região, hipoteticamente, o volume anual de capital gerado seria de R$ 34,5 a R$ 37,2 bilhões.
Com o aproveitamento dos bezerros de origem leiteira, a abertura de novas áreas para produção de carne bovina poderia ser diminuída. Como a produtividade média da pecuária de corte no Brasil de 2013 a 2017 foi de 5,57 arrobas por hectare/ano (CNA, 2018), se forem aproveitados todos os machos de origem leiteira teríamos a produção de carne equivalente ao que se produz, aproximadamente, em 30 milhões de hectares.
Além do mais, com o aproveitamento dos machos de origem leiteira, haveria ainda efeito mitigador na emissão de metano, decorrente da menor demanda de vacas de corte para produção de bezerros. Estima-se que para a geração de 7,2 milhões de bezerros, seriam necessárias em torno de 10,8 milhões de vacas de corte.
Assumindo-se que uma vaca produza anualmente de 70 a 100 kg de metano, dependendo da idade, quantidade e qualidade do alimento, raça, manejo, clima, etc, estima-se redução na emissão do gás de efeito estufa (GEE) de 864 mil toneladas por ano.
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Os sistemas intensivos de produção de carne, onde se utilizam dietas com alta porcentagem de grãos ou mesmo dietas exclusivas de grãos, a emissão de metano entérico é reduzida, tanto pelo efeito da alimentação, quanto pela redução na idade de abate dos animais. Esses, quando abatidos precocemente, passariam menos tempo emitindo metano para o meio ambiente.
Por exemplo, se trabalhar com a produção do vitelo na idade de 10 meses e abate com 10 arrobas ou mais de carcaça, dependendo do plano nutricional adotado, enquanto que em criação extensiva a pasto, normalmente, levaria pelo menos 20 meses para atingir esse peso. São considerados modelos de produção mais sustentáveis tanto do ponto de vista ambiental, quanto na eficiência alimentar energética e proteica.
Nos Estados Unidos e Canadá, assim como na maioria dos países europeus, praticamente 100% dos machos provenientes de rebanhos leiteiros são criados adotando a tecnologia de produção de vitelos para carne. Parte das fêmeas da raça Holandesa são acasaladas com reprodutores da raça Angus ou outros (“Beef on dairy”) e são alimentados com dietas praticamente a base de grãos (90%).
Normalmente utilizam sucedâneos de leite até aos 60 dias, depois um modelo de alimentação denominado V/C:10/90, volumoso (10%), utilizando palhadas ou fenos, dependendo da fase de crescimento e grãos (90%) , para ganhos próximos ou superiores a 1,5 kg/dia, até atingirem 20 a 22 arrobas.
Como a pecuária leiteira demanda oferta de bezerros ao longo do ano, esse problema seria resolvido, com significativa redução da estacionalidade de produção. Ter oferta frequente de animais precoces com carne de qualidade é o grande gargalo nacional para consolidar mercados externos exigentes.
No entanto, o maior custo de produção de carne via aproveitamento de machos de origem leiteira com base em dietas à base de grãos, apresenta-se como fator limitante para sua expansão e consolidação como tecnologia de aplicação prática e imediata no Brasil. Desta forma, há que se avaliar, além do aspecto ambiental, o aspecto econômico para a produção de carne a partir de machos de rebanhos de leite.
Outro ponto relevante e decisivo para reter os machos leiteiros na propriedade, além da viabilidade econômica, é a aceitação do mercado consumidor nacional. Por isso é imperativo que essas questões sejam esclarecidas para que a técnica possa ser melhor difundida entre os nossos produtores rurais e conscientizar os frigoríficos que o rendimento de carcaça é tão eficiente quanto os machos especializados de corte, com garantia de qualidade da carcaça.
Como opções no aproveitamento dos machos de origem leiteira, com importância na geração de renda, agregação de valor à produção de carne de qualidade e estímulo à mitigação de gases de efeito estufa na pecuária nacional, pode-se considerar os seguintes sistemas:
- Confinamento, após um período de alimentação líquida suplementar e abate aos 10 meses com 10 arrobas, como vitelo, carne branca, para atender nichos de mercado próximos aos grandes centros consumidores;
- Confinamento, utilizando tecnologia de produção de vitelos para carne por meio de reprodutores de raças europeias (Angus e outros) em vacas da raça Holandesa em parte do rebanho (“Beef on dairy”), obtidos após um período próximo a um ano de alimentação a base de grãos (V/C:10/90);
- Confinamento, alimentando todos os machos de origem leiteira a base de grãos (V/V:0/100) após os 60 dias de idade, abatendo-os com 10 a 11 meses de idade com 15 arrobas (“Baby Beef”) ou com 20 a 22 arrobas (“Dairy – Beef”) – sistema americano;
- Sistema de cruzamento de machos de corte em parte do rebanho, que não sejam fêmeas de reposição, abatendo os machos e as fêmeas, os quais podem ser terminados em pasto ou em confinamento para abate;
Nesse contexto, é importante que se aprofunde estudos em condições brasileiras sobre estratégias de produção e o aproveitamento de machos para corte provenientes de rebanhos leiteiros. É com esse objetivo que a Embrapa Gado de Leite e a ABRALEITE, propõem realizar nos dias 25 e 26 de maio de 2022 um círculo de palestras gratuitas via web, com especialistas, apresentando as experiências dos Estados Unidos, Canadá e Brasil, que comprovem a viabilidade técnica e econômica de produzir e aproveitar machos para corte em rebanhos de leite.
Além de palestrantes de renome nacional e internacional, o evento contará com a participação especial do ex-ministro Allisson Paulinelli – pecuarista e agricultor, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Diretor da Verde AgriTeck, assim como, serão convidados para trazer suas experiências e falar sobre o tema, o produtor Marco Aurélio Pereira, Fazenda Elias, MG; a visão da indústria, na palavra de Paulo Mustefaga – Presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos – ABRAFRIGO e Antônio Jorge Camardelli – Presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes – ABIEC. As inscrições, gratuitas, já podem ser feitas, para ambos os dias, pelo link. Os participantes receberão certificados de participação eletronicamente.
Autores: Duarte Vilela e Rui da Silva Verneque – Pesquisadores da Embrapa