Pecuarista faz sutiã e casaco para vacas, aumenta o bem-estar do animal e melhora a qualidade do leite; Confira abaixo as imagens e informações!
Uma fazenda sempre guarda surpresas agradáveis para os visitantes, mas em Serranos, na região sul de Minas Gerais, quem chega à Fazenda Zuniga se depara com cenas inusitadas: as vacas leiteiras da propriedade, cerca de 200, podem estar brincando de bola, usando trajes diferentes, ou até uma vassourinha para coçar as costas e aliviar o estresse.
Esses diferenciais fazem parte da rotina de manejo adotada pela pecuarista e médica veterinária Eveline Zuniga, de 37 anos. “O bem estar animal proporcionado pelo enriquecimento ambiental faz muita diferença na produção leiteira e na sanidade do rebanho”, afirmou.
Eveline começou a pensar no manejo diferente após uma viagem à Islândia, em 2019, em que visitou fazendas leiteiras. Lá, viu que os animais usavam roupas, acessórios e até uma espécie de rede que sustentava o úbere das vacas. “Achei interessante e fui perguntar o que era. A proprietária foi direta: é um sutiã”, riu, explicando, detalhadamente, que se tratava de um sustentador de úbere que conferia mais conforto às lactantes.
Desde sua viagem, muita coisa mudou na Fazenda Zuniga e na vida da veterinária. Ao chegar ao Brasil, Eveline descobriu estar grávida, mas aos oito meses de gestação perdeu o bebê. Algumas semanas depois, ela perdeu seu cachorrinho. “Quando a gente vive uma situação tão triste, não há escolhas. Ou você se entrega à depressão ou renasce. Foi o que fiz.”
Para superar o luto, ela se jogou nos negócios e criou, em fevereiro deste ano, uma linha de itens que promovem conforto e previnem problemas de saúde nos animais. O nome? Cowforto!
Bezerrinhos quentinhos
A pecuarista conta que, vivendo dias difíceis devido à perda da filha e do cachorro, focava no novo negócio. “Comecei a fuçar em tudo sobre como fazer algo diferente, que fosse útil para a pecuária leiteira e de baixo custo para os criadores”, disse. Ela achou, em São Paulo, uma confecção que topou produzir as peças. “Mas eu tinha que entregar tudo pronto, elas apenas costurariam. E eu, sem a mínima noção de como fazer um molde ou de quais materiais usar, comecei a testar tecidos, forros, fivelas, ia para a fazenda e testava nas vacas com a ajuda dos peões, que mediam o resultado no dia a dia e o desenvolvimento dos animais.”
Dos testes à finalização do primeiro protótipo, ela chegou a tirar fivelas das próprias bolsas e testava a durabilidade das peças na própria varanda. “Tinha dia que a varanda estava repleta de roupas para vacas. Umas no sol, outras na água, mas foi assim que consegui achar o material ideal e durável para atender à necessidade dos animais.”
A primeira peça produzida em escala foi uma roupa térmica para bezerros, um tipo de colete ajustável ao corpo do bichinho que o protege das baixas temperaturas. Na pecuária leiteira, os bezerros são separados da mãe após o nascimento, e a roupa ajuda a evitar o estresse da separação e deixa o animal confortável.
Ao utilizar a roupa térmica nos primeiros dias de vida, o bezerrinho tem mais condições de absorver anticorpos do leite, ele não fica sem defesas imunológicas pela separação da mãe, e há casos em que o acessório foi um aliado na recuperação de problemas respiratórios. A roupa, segundo ela, deve ser usada até cinco ou seis meses de vida, em dias mais frios.
O que a vaca faria
Por ser separado da mãe nos primeiros dias de vida, o bezerro deve receber cuidados essenciais, segundo a recomendação da medicina veterinária. “Temos que fazer o que a vaca faria”, diz a médica veterinária especialista em bezerros, Mariana Marcondes. “Após o nascimento, vale enxugar o bezerro com toalhas de algodão e fazer massagens para estimular o organismo”, disse ela, que é autônoma e tem um perfil em uma rede social só sobre cuidados com bezerros. “O corpinho dele é molhado, imagine que é a mesma coisa que a gente sair de uma piscina e ficar ao vento.”
Mariana explicou que os cuidados básicos, como oferecer local protegido, abrigado de vento e frio e cama de feno ou serragem proporcionam bem-estar ao bezerro e, consequentemente, diminuem as chances do animal se estressar ou se adoentar. Calor, frio, excesso de umidade são itens que debilitam a imunidade dos bezerros e podem provocar problemas respiratórios, diarreia e outros.
“Bezerros nascem com deficiência de termorregulação, por isso precisam de proteção nos primeiros dias. Quebram a gordura marrom [fonte de energia nos recém-nascidos] para se aquecer quando não protegidos, e isso pode atrapalhar na absorção do colostro”.
Na gestação da vaca, não há passagem de anticorpos pela placenta e isso ocorre com a ingestão do colostro, que é o primeiro leite ejetado pela vaca e que leva energia para os animais. “Os anticorpos, gorduras, vitaminas e minerais e as bactérias benéficas entram pela boca do bezerrinho para se alojar no intestino.”
Abandonada pela mãe
As vacas da fazenda já eram as modelos oficiais de Eveline quando, no meio do caminho, apareceu uma bezerrinha recém-nascida, abandonada pela mãe e sofrendo com problemas respiratórios e hipotermia. “Uma vizinha encontrou a bezerrinha abandonada na moita com espinhos, morrendo de frio. Já estava bem gelada e eu enviei uma roupa térmica para ela experimentar”, afirmou. “A danadinha se recuperou e está se desenvolvendo bem.”
Enquanto conversava com a reportagem, por telefone, Eveline contou que estava finalizando uma encomenda que seguirá diretamente para o Rio Grande do Sul, região que faz muito frio, e tem sido o principal destino das encomendas da Cowforto nos últimos meses.
De acordo com a pecuarista, as roupas térmicas são mais úteis em regiões frias, onde as temperaturas durante a noite caem bruscamente. O acessório deve ser colocado nos bezerros quando os termômetros marcam abaixo de 20°C, e retirados durante o dia, para o animal não passar calor.
Produção em escala
Eveline quer lançar outros produtos, como o suporte de úbere, ainda neste ano. Ela criou quatro tamanhos para a peça, mas a dificuldade é baixar o custo de produção. “A pecuária leiteira está vivendo um momento difícil, com altos custos. O desafio para produzir a peça é identificar materiais resistentes, que cumpram o objetivo, com baixo custo para o pecuarista.”
O mesmo vale para outros acessórios, como pulseira e colar que identificam as vacas usam que estão em tratamento ou precisam de um manejo especial – quando uma vaca está recebendo medicamentos, o leite dela não pode ser comercializado e misturado ao leite de outros animais. Ela também está desenvolvendo bolas para o enriquecimento ambiental – terapia comportamental comum na veterinária e que deixa o ambiente mais rico e interessante.
Outra empresa desse segmento é a Agrozootec, que fica em Itu (SP). A empresa foi criada há 16 anos e produz acessórios para facilitar o manejo de cavalos, porcos, aves, caprinos, ovinos e bovinos, em larga escala. Hoje, a companhia produz 2.500 itens com essa finalidade.
“Os acessórios auxiliam na gestão da fazenda. O pecuarista anota ocorrências e informações dos animais e, com isso pode fazer tratamentos, rastreabilidade ou programas de acasalamento”, disse a médica veterinária Joana Meireiles, técnica da empresa. “São itens que não machucam o animal, diferente de identificação como a marcação a fogo.”
A marcação a fogo era utilizada antigamente para marcar o couro do boi. Hoje, é desaconselhada, pois provoca sofrimento, estresse e ferimentos. “Existem pulseiras, colares para identificar o animal, desde a propriedade ao manejo especial. O sofrimento tem que acabar”, afirmou a médica.
Bem-estar animal
O bem-estar animal é um conceito que busca a melhor adaptação dos animais no ambiente em que vivem, garantindo-lhes condições dignas e confortáveis, e traz benefícios ao criador. Ao receber certos cuidados, como o sustentador de úbere ou a roupinha, o animal tem menos problemas de saúde, o que resulta em um leite de melhor qualidade.
“Dependendo da região onde está o rebanho, é fundamental oferecer instalações especiais para evitar o estresse pelo frio ou pelo calor”, disse Mateus Paranhos, zootecnista e pesquisador em etologia animal (comportamento animal) na Unesp, em Jaboticabal (SP). “Na região sul, Argentina ou Uruguai, onde tem muitas ovelhas tosquiadas, os pecuaristas lançam mão destes recursos.”
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“Nós, humanos, precisamos achar soluções para problemas que criamos: a vaca produz muito leite e, para ordenhar apenas duas vezes por dia, seu úbere fica grande, pode causar o afrouxamento do ligamento, arrastar na vegetação, sofrer pisões”, disse. “Imagina como é andar por aí com um peso de 40 quilos pendurado em você?”
O especialista ressaltou que o sustentador de úbere, quando bem adaptado ao corpo do animal, distribui o peso pelo dorso e evita acidentes e problemas como mastite ou mamite, que, se evitados, não geram a necessidade de tratamentos com antibióticos. “O bem-estar animal entra em todos os pilares da sustentabilidade, com reflexos econômicos, sociais, ambientais e éticos”, disse. “Um animal desconfortável não produz bem, gera impacto econômico negativo.”
Com informações da UOL