Uso de biotecnologias reprodutivas para aumentar a eficiência da cria

Neste artigo, abordaremos diferentes métodos para potencializar a eficiência reprodutiva, destacando a aplicação de protocolos de IATF.

O sistema de cria é um dos principais setores da bovinocultura, com impactos diretos na produtividade da cadeia da carne e leite. No artigo anterior, vimos como a quantidade e qualidade dos bezerros produzidos por matrizes, influenciam diretamente a eficiência do setor. As biotecnologias da reprodução, com destaque para a inseminação artificial em tempo fixo (IATF), têm colaborado significativamente para o desenvolvimento de um sistema de produção mais eficiente e sustentável. Assim, compreender os mecanismos biológicos envolvidos na reprodução de fêmeas bovinas é um diferencial para definir as melhores estratégias no planejamento da estação de monta. Neste artigo, abordaremos diferentes métodos para potencializar a eficiência reprodutiva, destacando a aplicação de protocolos de IATF.

Contextualizando, o ciclo estral bovino possui duração média de 21 dias e é caracterizado pelo desenvolvimento do folículo ovariano (que contém o óvulo) e ovulação, com posterior formação do corpo lúteo. Esta estrutura, formada após a ruptura do folículo, produz progesterona, que é o hormônio responsável pela manutenção da gestação. Se o óvulo for fertilizado, o corpo lúteo será mantido, caso contrário, ocorrerá a regressão do corpo lúteo e haverá o início de um novo ciclo.

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Basicamente, o ciclo é regulado pela interação dos hormônios GnRH (Hormônio liberador de gonadotrofinas), FSH (Hormônio folículo estimulante), LH (Hormônio luteinizante), estradiol e progesterona. O GnRH é produzido pelo hipotálamo – órgão localizado na base do cérebro – e regula a liberação de FSH e LH. Por sua vez, o FSH e o LH atuam no desenvolvimento folicular e ovulação. Os hormônios estradiol e progesterona são produzidos pelo ovário – pelo folículo e corpo lúteo, respectivamente – e estão ligados à manifestação do cio e manutenção da gestação. A regressão do corpo lúteo ocorre em resposta à ação do hormônio prostaglandina-2-alfa (PGF2α).

Após o parto, as vacas de corte passam por um período de anestro, quando não manifestam cio. Entretanto, quando esse período é prolongado, a oportunidade das vacas se tornarem gestantes no início do período pós-parto é significativamente reduzida. Estima-se que 80,0% das variações na fertilidade ocorram devido a fatores ambientais, dos quais mais de 50,0% são associados à nutrição. Dessa forma, as vacas de corte que parem magras e perdem muito peso nos primeiros meses após o parto, entram em prolongado período anestro. Essa característica impacta diretamente a eficiência reprodutiva, e consequentemente, a lucratividade da propriedade.

Como comentamos, altas taxas de prenhez no início da temporada de reprodução são críticas para a rentabilidade do sistema de cria. Assim, diversas pesquisas foram realizadas com o objetivo de comparar o desempenho de diferentes programas reprodutivos que utilizam a monta natural, ou a detecção do cio seguida de inseminação artificial (IA), com os programas que empregam o protocolo de sincronização da ovulação para IATF em bovinos. Os resultados desses estudos científicos evidenciaram que os hormônios produzidos pela vaca durante o ciclo estral podem ser administrados em doses fisiológicas para induzirem a ciclicidade e para sincronizarem com precisão o crescimento folicular, o cio e a ovulação.

Sabendo disso, existem controles farmacológicos importantes para o sucesso da manipulação do ciclo estral e aplicação da IATF:

1) sincronização da emergência folicular,
2) controle da regressão do corpo lúteo,
3) indução de crescimento folicular e
4) indução da ovulação.

Assim, as estratégias de sincronização, além de permitirem uma abordagem organizada e prática para o uso da IATF, são consistentes para serem utilizadas visando superar os transtornos causados pelo anestro pós-parto e otimizar a eficiência reprodutiva, genética e produtiva dos rebanhos. Hoje vamos discutir sobre os protocolos para aplicação da IATF, amplamente estudados e facilmente aplicados nas condições brasileiras de manejo, com abordagem especial para as matrizes.

O primeiro protocolo de IATF desenvolvido foi denominado Ovsynch (1995) e consiste na administração de uma dose de GnRH – com o objetivo de induzir a ovulação e promover o surgimento de uma nova onda folicular – 7 dias depois, uma dose de prostaglandina – para regressão do corpo lúteo – e 48 horas depois, uma segunda dose de GnRH – para sincronizar a ovulação. Esse protocolo ainda é amplamente utilizado em vacas leiteiras, porém, para obter resultados satisfatórios é necessária uma alta taxa de ovulação no primeiro GnRH.

Figura 1.
Modelo de protocolo de sincronização da ovulação para IATF à base de GnRH.

Fonte: Scot Consultoria

Anos depois, com o objetivo de melhorar a resposta final ao protocolo de sincronização da ovulação, foi proposto um protocolo baseado na associação dos hormônios progesterona (P4) e estradiol (E2) – sendo atualmente o protocolo mais utilizado no Brasil. Esse modelo se baseia na inserção de um dispositivo intravaginal revestido com P4 simultaneamente à administração de E2 (benzoato de estradiol), que induz a sincronização do surgimento de uma nova onda folicular em 3 a 4 dias. O período de permanência do dispositivo de P4 controla o crescimento folicular e a ovulação. Após a retirada desse dispositivo, outro tratamento hormonal é utilizado para sincronizar a ovulação (E2 e/ou GnRH). Quando utilizado o cipionato de estradiol, a IATF é realizada 48 horas após a remoção do dispositivo de P4. Além disso, o uso de gonadotrofina coriônica equina (eCG) no momento da remoção do dispositivo de P4 demonstrou aumento do crescimento folicular final e efeitos positivos na prenhez à IATF especialmente em rebanhos com vacas em anestro e escore de condição corporal inadequado (<2,75 em uma escala de 1 a 5).

Hoje existem diversos protocolos disponíveis, com variações no tempo de permanência do dispositivo de P4 (5 a 9 dias) e quanto ao número de manejos necessários para realizar a sincronização para IATF (3 ou 4 manejos). De forma geral, o objetivo do manejo adicional é administrar prostaglandina (PGF2α), antecipando a luteólise, e reduzindo as concentrações de P4 ao final do protocolo em vacas cíclicas (com presença de corpo lúteo) e aumentado a taxa de crescimento do folículo dominante. A escolha do protocolo reprodutivo deverá considerar as particularidades e objetivos do sistema de produção. Através de assistência especializada é possível identificar a melhor estratégia conforme a raça, categoria animal, ciclicidade, escore de condição corporal, sêmen e até mesmo o treinamento da equipe responsável pela execução operacional dos manejos.

Figura 2.
Modelo de protocolo de sincronização da ovulação para IATF à base de progesterona e estradiol com três manejos (vacas).

Fonte: Baruselli, 2009

Devido aos vários benefícios proporcionados pela adoção da IATF, aumentou-se o interesse na utilização dessa ferramenta em vacas de corte, utilizando programas de pré-sincronização e ressincronização. Recentemente, tem sido estudado o efeito da administração de P4 injetável (P4i) 10 dias antes do protocolo de IATF na eficiência reprodutiva de vacas paridas. Foi observado que o tratamento com a P4i aumentou o diâmetro folicular no início do protocolo de IATF e no dia da remoção do dispositivo de P4. Além disso, as vacas que receberam P4i tiveram 1,7 vezes mais probabilidade de ficar gestante após a IATF quando comparado às vacas que não receberam P4i.

Figura 3.
Modelo de protocolo de pré-sincronização da ovulação para IATF (vacas paridas).

Fonte: Scot Consultoria

Para alcançar melhores ganhos genéticos e de produção, as estratégias reprodutivas devem focar na melhoria das taxas de serviço e redução do intervalo entre inseminações, sem comprometer a viabilidade da gestação então estabelecida. Dessa maneira, foram desenvolvidos protocolos de ressincronização da ovulação das fêmeas que não se tornaram gestantes. A ressincronização convencional é iniciada no momento do diagnóstico de gestação (28 a 32 dias após a IATF). Com esse método é possível realizar três inseminações com intervalo de 80 dias.

Posteriormente, foi desenvolvida a ressincronização precoce, a qual é iniciada em todas as fêmeas (independentemente do diagnóstico de gestação) 22 dias após a IATF. No dia 30 todas as fêmeas são submetidas a diagnostico de gestação e somente as vazias seguem no protocolo de IATF, sendo inseminadas no dia 32. Com este método é possível realizar três inseminações com intervalo de 64 dias.

Recentemente foi desenvolvida a ressincronização superprecoce, na qual é possível realizar três inseminações em 48 dias – o modelo que mais se aproxima da duração média do ciclo estral, como vimos no início desse artigo. Esta ressincronização tem início em todas as fêmeas 14 dias após a IATF. No dia 22, todas as fêmeas vazias são diagnosticadas através da ultrassonografia Doppler, analisando-se a presença e o fluxo vascular do corpo lúteo. Diferentemente das outras propostas, na ressincronização superprecoce é avaliado o ovário e não o útero. Essa ressincronização se baseia no uso de P4 injetável no momento da colocação do dispositivo de P4 (14 após a IATF) para induzir a emergência de uma nova onda de crescimento folicular sem prejudicar a gestação estabelecida na IATF anterior.

Adicionalmente, estudos recentes relataram que novilhas Nelore (16 a 18 meses) ressincronizadas superprecocemente com benzoato de estradiol (1 mg no dia 14) apresentaram antecipação da luteólise, entretanto sem redução na taxa de concepção da primeira IATF. Essa informação é indicativa de que existem resultados científicos conflitantes e justificam que novos estudos devem ser realizados para avaliar o efeito do tratamento com estradiol no início do protocolo de ressincronização superprecoce.

Figura 4.
Esquema sobre: (1) Ressincronização convencional, (2) Ressincronização precoce, (3) Ressincronização superproce

Fonte: Baruselli et al., 2013 

Nos próximos artigos da nossa série, discutiremos sobre a aplicação de protocolos para sincronizar a ovulação em novilhas. Vamos explorar como essas práticas podem aumentar a eficiência reprodutiva e agregar valor à IATF – aguarde. Até a próxima e grande abraço!

Referências

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Fonte: Scot Consultoria

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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