A tropicalização do trigo, que antes era produzido apenas na região Sul, é um exemplo claro da importância da pesquisa e da inovação na agropecuária
Com potencial de expansão da área plantada para pelo menos 20 mil hectares nos próximos anos com o uso de tecnologias de manejo e de variedades atuais, a triticultura no Oeste da Bahia pode contribuir na busca pela autossuficiência do Brasil no cereal. Das cerca de 12,5 milhões de toneladas consumidas internamente, apenas 6,81 milhões de toneladas deverão ser produzidas no país em 2020, segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O Oeste baiano faz parte do Matopiba, grande fronteira agrícola nacional da atualidade que integra o Cerrado do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia, sendo responsável por grande parte da produção nacional de grãos como soja e milho, e de fibras como o algodão.
Na região, o trigo é plantado em sistema irrigado, em rotação com a soja, o milho ou o algodão sob pivô, cultivos voltados à produção de sementes ou plumas, respectivamente. Nesses sistemas, o trigo atua quebrando ciclos de pragas e doenças, além de reduzir a infestação de plantas daninhas e de deixar, após a colheita, uma palhada de boa qualidade. Já o trigo em sistema de sequeiro, apesar de ser pontualmente testado por alguns produtores, praticamente não é cultivado devido ao maior risco representado pelos solos arenosos da região, que têm menor capacidade de retenção de água.
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Estimativas da Conab apontam que a área plantada com trigo na Bahia neste ano – quase a totalidade na região Oeste – ainda é pequena, de cerca de 3 mil hectares, mas pesquisadores acreditam que possa alcançar rapidamente 20 mil hectares nos próximos anos. A produção estimada para 2020 é de cerca de 17 mil toneladas, o equivalente a uma produtividade média de 5,66 ton/ha (ou 94,4 sc/ha), bem superior à média nacional de 2,9 ton/ha (ou 48,3 sc/ha) projetada para o ano. “Mas há produtores que chegam a produzir 7 ton/ha (116,6 sc/ha) seguindo as recomendações de manejo e plantando variedades mais modernas”, aponta o pesquisador Julio Albrecht, da Embrapa Cerrados (DF).
Ele lembra que a Embrapa atua com o trigo na região desde meados da década de 1980, com o plantio de ensaios de valor de cultivo e uso (VCU) em áreas de produtores. Exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), os ensaios de VCU são realizados para comprovar, em condições de cultivo, o valor agronômico de linhagens candidatas a cultivares, segundo normas elaboradas pelo próprio ministério.
A Embrapa tem atualmente conduzido e avaliado experimentos com novas variedades e linhagens de trigo na região. As variedades também são avaliadas pelos produtores em campos experimentais e lavouras comerciais, observando as recomendações de manejo prescritas pela pesquisa científica. “Na medida em que fomos lançando novas variedades, a área cultivada foi aumentando, sobretudo de 2005 para cá”, diz Albrecht.
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As condições climáticas e geográficas favoráveis ao cultivo do trigo irrigado no Oeste baiano são semelhantes às do Brasil Central (Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais), local onde foram selecionadas as cultivares da Embrapa para o Bioma Cerrado. Temperaturas elevadas durante o dia e amenas à noite, dias com alta luminosidade e altitudes que variam de 600 a 1.000 metros são fatores que influenciam positivamente na produtividade e na qualidade industrial dos grãos, considerada uma das melhores do mundo.
As recomendações de plantio, de manejo e de controle de pragas e doenças da cultura para a região se assemelham às preconizadas para o Brasil Central, sendo também a brusone a doença mais recorrente. “Com os mesmos cuidados preventivos e recomendações, os produtores têm conseguido escapar da doença ou minimizar os seus efeitos”, afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados.
Segundo o diretor de Inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Cleber Soares, a tropicalização do trigo, por meio do processo de inovação, é um exemplo claro da importância da pesquisa e da inovação na agropecuária.
“O trigo, que é uma cultura originalmente de clima temperado, que há décadas passadas era produzido quase exclusivamente na região Sul do Brasil, hoje graças à inovação agropecuária brasileira é possível cultivar no cerrado brasileiro, inclusive no Nordeste e em parte da região da caatinga. Isso mostra, a exemplo de outras culturas como a soja, que com inovação é possível expandir a produção agropecuária e, sobretudo, ofertar mais alimento na mesa do consumidor e do cidadão brasileiro”, diz o diretor, lembrando a recente colheita de trigo no estado do Ceará.
Para Soares, a expansão do cultivo poderá tornar o Brasil um grande produtor mundial de trigo. “A nossa perspectiva é de que, com o avanço do trigo tropical na região do Cerrado e no Nordeste Brasileiro, esperamos em um horizonte de tempo de curto prazo, quem sabe até em dois anos deixarmos de importar trigo e, por que não, pensarmos até em exportar trigo para o mundo”, afirma o diretor do Mapa.
O presidente da Embrapa, Celso Moretti diz que, depois de “tropicalizar” diversos tipos de plantas e animais nas últimas décadas, o Brasil agora trabalha para a “tropicalização” do trigo. “Estamos trazendo trigo para os trópicos. No entorno do DF, já temos trigo de alta qualidade. E tivemos a satisfação da primeira colheita no Ceará”.