Entenda o mito que se criou sobre a produção de eucalipto e o consumo de água; a questão não é apenas técnica, física ou biológica, mas, sim, de manejo e gestão dos recursos.
O mito sobre a produção de eucalipto e o consumo de água ainda persiste. Historicamente, surgiu devido à maneira como eram cultivadas espécies de rápido crescimento no País e, com a falta de divulgação, tanto em relação ao manejo florestal quanto a fatores que interferem na absorção de água pela florestal, o tema se alastrou.
Porém, nos últimos anos, muitos esforços foram desprendidos para demonstrar que o consumo de água pelo cultivo de eucalipto não é diferente do de outras espécies florestais.
O consumo de água pela vegetação depende do clima e da área total das folhas da floresta (o chamado índice de área foliar) e mantém uma relação direta com o processo de fotossíntese, a forma como é feito o manejo florestal e a região de produção das espécies.
Alguns trabalhos científicos demonstram que as plantações de eucalipto se comparam à floresta nativa (Mata Atlântica) quanto à evapotranspiração (conjunto de todas as perdas de água por evaporação) anual e ao uso de água no solo (Almeida e Soares, 2003). Considerando o ciclo de crescimento do eucalipto para a produção de celulose, o uso de água pela plantação de eucalipto pode ser inferior ao da floresta nativa, principalmente no início do ciclo.
Alguns dados, como os apresentados na Tabela 1 mostram que as plantações de eucalipto consomem uma quantidade relativamente menor de água que as florestas nativas.
Como todas as formações florestais, o consumo de água pelas florestas plantadas aumenta na época das chuvas, quando o volume hídrico no solo é elevado e suficiente para suprir os mananciais. Contudo, nos períodos mais secos a perda de água por evapotranspiração das árvores diminui consideravelmente.
A folhagem do eucalipto também retém menos água das chuvas que as árvores de florestas naturais tropicais, que possuem copas mais amplas (maior índice de área foliar). Por isso, nas áreas de plantio de eucalipto, parte do volume pluviométrico escoa diretamente pelos troncos e atinge o solo, ao passo que, em florestas naturais tropicais, um volume maior é retido nas copas e posteriormente evapora.
Além da similaridade entre o consumo de água entre as diversas espécies florestais e o eucalipto, estudos também demonstram que, comparativamente a outras culturas agrícolas, o eucalipto não se destaca no ranking de consumo hídrico. A Tabela 2 compara o consumo de água de eucalipto com outras culturas. É possível notar que o deste se equipara ao consumo hídrico do café, também uma espécie arbórea, e é inferior ao da cana de açúcar, por exemplo.
O consumo de água deve ser sempre analisado de duas maneiras:
- em termos do consumo total anual, como já demonstrado nas tabelas acima;
- em relação à eficiência do uso desse total de água, em termos da quantidade de madeira/produto produzida por unidade de água consumida na transpiração, na qual o eucalipto leva até ligeira vantagem. Ou seja, usa a água disponível de forma mais eficiente.
A Tabela 3 mostra a eficiência de consumo de água do eucalipto comparativamente a outras culturas agrícolas.
Trabalho realizado pela UPM Nordland Paper Mill, a fim de calcular a pegada hídrica da produção de seus papéis, demonstra que a pegada de água verde – indicador que representa a água que vem da chuva e se acumula no solo, que tem uma relação principalmente com as plantas e é retirada via evaporação e transpiração − de plantações de eucalipto equivale a quase metade da pegada hídrica de florestas boreais com espécies de folhas largas (ex: bétula).
Embora a produção de eucalipto em área tropicais e subtropicais tenha uma taxa de evapotranspiração triplamente maior, a produção de madeira por hectare chega a ser cinco vezes a produzida em áreas de florestas boreais. Isso confere ao eucalipto, uma pegada por m3 colhido bem menor que outras formações florestais utilizadas para fins comerciais.
A despeito dos dados demonstrados, o debate no que concerne à relação entre a produção de eucalipto e os recursos hídricos ainda persiste. Em algumas áreas, é realmente possível notar degradação de microbacias e solos mais secos. Isso pode ser atribuído a vários fatores em diferentes escalas. Em uma escala macro, pode estar relacionado às mudanças climáticas. Modelos complexos demonstram que o acúmulo de gases do efeito estufa e o gradativo aumento de temperatura podem estar exercendo influência sobre os recursos hídricos.
Em uma escala menor, devemos considerar que as condições climáticas que governam a disponibilidade (ou o suprimento) natural de água para os mais diversos usos variam de região para região. Regiões mais áridas, como o “polígono das secas”, a evapotranspiração é mais elevada e o total anual de chuvas é normalmente baixo, por isso sobra pouca água para recarregar os aquíferos e o solo. Por outro lado, em regiões de alta precipitação média, a quantidade total anual de chuva é maior que a evapotranspiração, o que permite que a vazão dos cursos d´água sejam alimentadas o ano todo. Entre esses dois extremos, existe uma grande variação entre esse balanço de chuvas e perdas por evapotranspiração.
Assim, conhecer a disponibilidade de água é fundamental. Qualquer alteração no ecossistema natural, principalmente em regiões mais secas, pode resultar num aumento do consumo de água. O zoneamento ecológico econômico deve levar em conta essas variações de disponibilidade natural de água.
Considerando-se uma escala mais micro, é nas propriedades rurais, onde estão as ações de manejo florestal e as microbacias hidrográficas, que devem se concentrar as ações de gestão dos recursos hídricos, protegendo, assim, suas áreas críticas e sua resiliência, ou seja, sua capacidade de resistir às alterações sem se degradar irreversivelmente.
Um dos fatores mais importantes para a permanência dessa capacidade é a integridade das matas ciliares protegendo toda a cabeceira de drenagem, as margens dos cursos de água e os terrenos mais saturados. Por isso, essas áreas são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APPs) pelo Código Florestal, pois sua preservação proporciona serviços ambientais importantes, sendo a manutenção da quantidade e qualidade do fluxo hídrico o maior deles. Quando essas áreas perdem tais características, elas se tornam vulneráveis a perturbações, que de outra forma seriam naturalmente absorvidas. Assim, pode-se dizer que a perda da resiliência das matas ciliares é o fator principal da diminuição e degradação dos recursos hídricos, do secamento do solo e da “morte” de córregos e riachos.
Conclusões
As informações acima mencionadas e os inúmeros estudos experimentais demonstram que o eucalipto não é o “vilão” em relação ao fluxo hídrico, e que a controvérsia não é fundamentada. A questão não é apenas técnica, física ou biológica, mas, sim, de manejo e gestão dos recursos. Neste sentido, o setor de celulose e papel entende que, mais do que saber qual é o consumo de água pelo eucalipto, a nova ordem social e ambiental exige saber como ocorre esse consumo.
Por este motivo, muitas empresas têm se comprometido com o monitoramento de bacias hidrográficas, para saber se a disponibilidade da água dá condições para a produção florestal na região e se esse fluxo é suficiente para atender às demais demandas, inclusive as ambientais e sociais, como preceitua o conceito de manejo sustentável e de integridade dos ecossistemas.
As informações aqui apresentadas foram extraídas de revisão de literatura de artigos de especialistas do tema, como Walter de Paula Lima, Maria José Brito Zakia e Ian R. Calder, além de publicações de organizações como o Diálogo Florestal e o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
Fonte: Natália Canova é engenheira florestal e responsável pela Área Florestal da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa).
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