A preparação de um bom churrasco funciona como a construção da identidade de uma seleção de futebol. Cada país possui sua escola e explora o campo – ou a brasa – de seu jeito.
Entre as nações participantes da Copa do Mundo da Rússia, é possível identificar diversas técnicas de se cozinhar com o fogo.
Os primeiros três países que vêm à cabeça são Brasil, Argentina e Uruguai, que formam uma tríplice fronteira e pensam o churrasco de forma parecida. Com nove títulos mundiais no futebol, o trio sul-americano também se destaca no campo gastronômico, devido à qualidade dos cortes que produzem no próprio quintal e à execução no braseiro.
Apesar disso, países com estruturas culturais bem diferentes das nossas também possuem versões aclamadas do prato. Os asiáticos Japão e Coreia do Sul, que não carregam tanta tradição no futebol, apostam nos molhos e temperos apimentados para dar personalidade às carnes e aos vegetais levados à grelha.
Já os Estados Unidos, que deram vexame no futebol e estão fora do Mundial da Rússia, não decepcionam quando o assunto é churrasco (ou barbecue, como chamam a técnica por lá). Em algumas regiões do país eles utilizam o pit, uma churrasqueira a bafo onde a carne não tem contato direto com o fogo e passa pelo processo de cocção através da defumação. O método é lento, mas vale a pena e motiva inúmeros campeonatos entre assadores de todo o país.
Além das grandes escolas, também existem tradições mais curiosas. Na Nova Zelândia, há uma versão do churrasco chamada de hangi – uma herança dos maoris, tribo aborígene local. Carnes e vegetais são embalados em folhas, enterrados e cozidos sob a terra, aproveitando o calor de pedras aquecidas. Já os indianos preferem o tandoor, um forno de barro alimentado com brasa, que recebe espetos de carnes e vegetais, além dos naans, aqueles pães redondos e levinhos, que vão bem com qualquer molho e podem até fazer as vezes de talheres numa refeição típica.
Estrutura. Tudo começa e acaba no fogo. E isso não depende do vetor escolhido, carvão ou madeira. Especialista e empresário do ramo, István Wessel lembra que a brasa “foi a primeira forma do homem preparar carne”, e diz que por isso mantemos uma ligação especial com o processo até hoje, conforme as técnicas foram se desenvolvendo pelo mundo. A madeira, por exemplo, pouco presente no churrasco brasileiro, é a estrela da defumação norte-americana.
Tradicionalmente, o outro denominador comum de qualquer churrasco é a proteína animal. Os cortes e os pontos das carnes, que variam bastante mediante a escola, são parte da identidade de cada país. Agora também existem versões vegetarianas e veganas, mas isso é papo para outra reportagem.
Temperos e molhos também são muito presentes em qualquer tipo de churrasco, já que têm o objetivo de potencializar o sabor das carnes. Colunista da GQ e especialista em carne e fogo, André Lima de Luca conta que sabores ácidos, como o nosso vinagrete; picantes, como a conserva coreana kimchi; ou até com presença de gordura, como o molho francês béarnaise, cumprem esse papel.
O sal é um caso à parte. No Ocidente, o condimento é unanimidade, mas o momento correto para empregá-lo é polêmico. Salgar as carnes muito antes de levá-las ao fogo pode esconder o seu verdadeiro sabor. Exagerar na quantidade pode até estragar a peça. André conta que prefere usar o sal de moagem média e pouco antes de levar as peças ao fogo, para que o condimento derreta e seja absorvido. “Coloco sempre menos do que acho que devo, assim posso acertar depois da cocção”, afirma.
BRASIL
Brasa: O País inteiro faz churrasco, cada região do seu jeito. Só no Rio Grande do Sul, o “Estado churrasqueiro por excelência”, há pelo menos quatro métodos de preparo da carne na brasa, como explica a especialista Clarice Schwartzmann. Nos Pampas impera a parrilla; Serra gaúcha é lugar de espeto; no extremo sul as carnes são assadas na labareda; e as grandes cidades gaúchas, como o resto do País, preferem churrasqueiras fundas com mecanismos para aproximar ou afastar as peças do fogo. A brasa é obtida com carvão vegetal.
Cortes: Picanha, fraldinha, alcatra, linguiça, cortes de frango (coração, tulipa, coxa), costela de boi.
Acompanhamentos: Farofa, pão de alho, arroz, vinagrete.
COREIA DO SUL
Brasa: Nos restaurantes, o churrasco é feito em mesas que têm um vão no meio, com uma grelha de ferro e um cesto de brasa de carvão. É o próprio comensal que grelha as carnes. Sae Young Kim, dono do restaurante New Shin-la Kwan, explica que uma forma comum de comer a carne à moda coreana é fazer um enroladinho com uma folha de alface, arroz e condimentos. As mesas possuem exaustores para que os clientes não saiam defumados do local.
Cortes: Contra-filé marinado no molho de soja (bulgogi), pancetta, costela bovina, magret de pato.
Acompanhamentos: Kimchi, brotos de soja, arroz, salada de folhas, batatas assadas, berinjela, shimeji, cebola.
Churrasco Coreano – Gogigui
Grelha
Uma grelha de ferro é posicionada sobre o vão para a realização do churrasco. A casa oferece uma série de acompanhamentos como kimchi, brotos de soja, arroz, salada de folhas, batatas assadas, berinjela, shimeji e cebola
Brasa
Um vão no centro das mesas dos restaurantes coreanos especializados recebe um cesto de brasa, preparada previamente na cozinha
Preparo
Cada cliente pede os cortes que vai comer e utiliza a grelha por conta própria
Utensílios
Além dos já tradicionais hashis, os comensais recebem uma pinça e uma tesoura para manejar as carnes
Para comer
Uma forma comum de comer a carne à moda coreana é fazer um enroladinho com uma folha de alface, arroz e condimentos. Aproveite!
ESTADOS UNIDOS
Brasa: O churrasco norte-americano é feito num pit ou smoker, uma espécie de churrasqueira a bafo. A lenha é colocada numa caixa lateral e não tem contato com as carnes. Uma entrada de ar leva a fumaça para dentro do pit e vai defumando os cortes lentamente. Esse fumo acrescenta sabor às peças dispostas na grelha. O processo demanda tempo, pois a churrasqueira é mantida em temperaturas baixas (até 120°C).
Cortes: Brisket (peito bovino), costelas bovina e suína, t-bone steak, coxa e sobrecoxa de frango, rib eye (filé de costela).
Acompanhamentos: Milho na brasa, salada de repolho (coleslaw), salada de batata, macaroni and cheese, molho barbecue.
URUGUAI
Brasa: O churrasco uruguaio é assado a lenha. O assador Diego Pérez Sosa conta que os mercados de Montevidéu vendem pacotes prontos para utilização. Em um cesto ao lado da grelha a madeira vai sendo queimada até se tornar brasa, para então ser puxada para debaixo da parrilla. Apesar de apreciarem cortes nobres como o ancho e o vazio, os uruguaios tradicionalmente aproveitam muitos miúdos no churrasco, por serem peças mais acessíveis.
Cortes: Assado de tira (costela bovina), bife ancho, vazio, tripa gorda (intestino grosso bovino recheado com farinha de mandioca, bacon, cebola).
Acompanhamentos: Salsa criolla (vinagrete), salada fresca (alface, tomate, cebola).
JAPÃO
Brasa: Kushiyaki é um termo generalista que engloba carnes e vegetais feitos na brasa em pequenas porções individuais. Entre as versões existentes, a mais famosa é o yakitori (frango grelhado). Os ingredientes são colocados em espetinhos e consumidos em bares, os izakayas, ou até mesmo nas ruas. As grelhas são simples e aquecidas com brasas de carvão. Outro tipo de churrasco japonês é o yakiniku (carne grelhada), inspirado na versão coreana do prato.
Cortes: Carne ou vísceras (intestino, cauda, cartilagem) de frango, pancetta, berinjela, quiabo.
Acompanhamentos: Molho tarê (shoyu, saquê, açúcar, pimenta, gengibre), bolinhos de arroz, edamame.
Churrasco japonês – Kushiyaki
Na grelha
Espetinhos são preparados sobre a brasa de carvão e consumidos nos izakayas, os botecos japoneses, e nas ruas
Yakitori
Frango grelhado na brasa com molho tarê
Yakiton
Pancetta de porco grelhada na brasa
Okura
Quiabos grelhados sobre a brasa de carvão
ARGENTINA
Brasa: A parrilla é uma grelha com inclinação vertical, que pode ser mudada de posição conforme a carne que está sendo grelhada. Com isso, os cortes podem ficar mais próximos ou mais distantes do fogo. A estrutura também conta com uma canaleta, que vai acumulando a gordura das carnes conforme ela escorre pela grelha. Para aquecer a churrasqueira, madeiras frutíferas costumam ser as mais usadas, mas em grandes cidades como Buenos Aires, o carvão é a melhor alternativa.
Cortes: Assado de tira (costela bovina), bife ancho, bife de chorizo, molleja (glândula do timo), entraña (fraldinha). Acompanhamentos: Chimichurri, batatas fritas, salsa criolla (vinagrete).
ACERTE EM QUALQUER TIME
Carne gelada jamais
Se a temperatura da churrasqueira e do corte estiverem muito diferentes, as fibras da peça se contraem e expulsam a água presente no seu interior.
Não corte imediatamente
Quando alcançar o ponto desejado no fogo, deixe a peça descansar um pouco fora dele. Se cortar pedaços na mesma hora, os sucos da carne, e consequentemente a sua suculência, vão escorrer pela tábua.
Termômetro pode ajudar
Cada corte tem seu ponto de cocção. Para alcançá-lo, use um termômetro de alimentos e meça a temperatura interna da carne antes de tirá-la do fogo.
Fonte: Reportagem de Matheus Prado, para o Paladar, do Estadão.