Argentina e Uruguai entendem que mudança de status sanitário deveria ser definida em conjunto.
O plano do governo brasileiro para suspender a vacinação contra a febre aftosa tem provocado inquietação nas regiões de fronteira.
Vizinhos do Rio Grande do Sul — que recentemente anunciou a intenção de antecipar a retirada da vacina, de 2021 para 2019 —, produtores da Argentina e do Uruguai têm visto com reservas o fim da imunização.
Ainda sob o impacto do surto da doença que atingiu a região no início da década de 2000, eles alegam que a decisão deveria ser tomada em conjunto e ressaltam a necessidade de uma maior fiscalização nas fronteiras.
A grande vantagem da retirada é que ela sinaliza ao mundo que o controle sanitário local é confiável, a ponto de dispensar a imunização, e abre caminho para mais mercados. O receio é que eventual falha pode expor o rebanho à doença, o que os defensores da vacina alegam ser mais difícil de ocorrer com o atual status.
Por questões como essas, tanto quem vacina como quem não vacina fala em redobrar a vigilância para manter seu rebanho saudável.
Após o Brasil apresentar, em abril deste ano, o plano estratégico que prevê a suspensão gradual da vacina até 2023, autoridades sanitárias e associações de produtores dos dois países do Mercosul reiteraram a intenção de manter a vacinação nos seus territórios.
Em encontro realizado na última Expointer, em Esteio, integrantes da Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm) manifestaram-se favoráveis à vacinação. O tema também foi discutido recentemente nas feiras de Palermo, na Argentina, e do Prado, no Uruguai.
Mesmo tendo a fronteira com o Brasil cortada pelo Rio Uruguai, produtores da Argentina demonstram desconforto com a medida. “Conforme os antecedentes, as condições para que isso (a retirada) ocorra em breve ainda não estão dadas”, resume a presidente da Sociedad Rural de Paso de Los Libres, Estela Mango (foto acima).
Uma das consequências para o lado argentino, segundo ela, seria a necessidade de reforço na vacinação na zona de fronteira, a exemplo com o que ocorreu também nas fronteiras daquele país com Paraguai e Bolívia. Longe de ser um obstáculo à exportação, a vacina contra a aftosa é uma garantia para os mercados, segundo Estela.
Tanto que, de acordo com ela, mesmo vacinando o seu gado, o governo argentino está em tratativas para dar início à exportação de carne bovina aos Estados Unidos, um dos mercados mais importantes do mundo. “A parte sanitária está OK, falta a parte política”, diz.
A opinião contrária ao fim da vacina, porém, não é unanimidade entre os argentinos. Mais distante da fronteira com o Brasil, o criador e consultor em bem-estar animal Marcos Gimenéz Zapiola, com propriedade na província de Entre Rios, acredita que a medida é bem-vinda.
“Qualquer passo que se dê adiante para melhorar o status dos negócios é positivo”, avalia. O pecuarista acredita que o governo de seu país também poderia pleitear a retirada em algumas regiões, mas não na totalidade do território, pois diz não estar seguro “de que se podem garantir as condições para evitar um fracasso, como em 2001”.
No Uruguai, a veterinária Stella Huertas, da Universidad de la República (Udelar), diz que o país está muito bem com o atual status sanitário (livre de aftosa com vacinação) e tem acesso a mais de 100 mercados com suas carnes. “Por isso, o risco de deixar de vacinar é muito alto”, afirma.
A maior preocupação, segundo ela, é com a grande fronteira seca com o Brasil, o que exige que as autoridades uruguaias aumentem a vigilância na região.
O receio dos vizinhos é agravado pelas lembranças de 2001, ano em que um surto da doença provocou estragos na economia dos três países.
Desde então, amostras periódicas têm sido realizadas sem rastros de atividade viral, mas as lembranças continuam vivas para os uruguaios. “Para um país produtor e exportador, como o Uruguai, significou um prejuízo milionário, que não foi fácil de ser revertido, por mais que os esforços das autoridades, junto com os produtores, tenham sido incríveis, obtendo a reabertura de alguns mercados em tempo recorde”, comenta Stella.
O reforço da fiscalização das fronteiras é visto como uma necessidade urgente por autoridades dos três países. Pecuaristas afirmam que hoje é comum ver o gado atravessando os corredores que separam Livramento e Rivera, no Uruguai, por exemplo.
Ao entrar em Artigas para visitar uma propriedade, há dez dias, o veículo em que estava a equipe de reportagem não foi abordado por nenhuma autoridade na Ponte da Concórdia.
A situação foi diferente na visita a Paso de Los Libres, onde, além da passagem obrigatória pela aduana, havia uma fiscalização de rotina do Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria (Senasa), da Argentina, que vistoriava cada veículo que entrava no país vizinho.
Para o veterinário João Júnior, delegado do Sindicato dos Médicos Veterinários do Rio Grande do Sul (Simvet/RS), um dos principais desafios para o Estado retirar a vacina é que haja uma maior integração entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi), as polícias rodoviárias Federal e Estadual e o Exército.
De acordo com ele, existem poucos fiscais treinados para esta finalidade na Seapi, enquanto que policiais rodoviários afirmam que já contam com muitas atribuições, em especial a de combater o tráfico de drogas e de armas. “A retirada da vacinação não pode ser só uma questão política, tem que ser feita de uma forma técnica”, defende o veterinário.
Zona livre sem vacinação gera confiança
Quando 22 focos de febre aftosa foram registrados, em agosto de 2000, no município de Joia e arredores, o Rio Grande do Sul estava dando início a um processo de retirada da vacina. Naquele mesmo ano, em maio, a Argentina havia sido reconhecida como livre de aftosa sem vacinação.
As restrições de trânsito foram suspensas em fevereiro de 2001, quando foram restabelecidos os procedimentos normais de controle. Logo, depois, no entanto, começaram a pipocar novos focos. Na Argentina foram 1.850 até o final de maio. A presença da enfermidade no Uruguai foi confirmada em abril.
De maio a julho daquele ano foram notificados outros 30 casos da doença no Rio Grande do Sul, sendo 18 deles em Rio Grande. Em 2000 e 2001, mais de 20 mil animais tiveram de ser sacrificados no Estado.
A retirada da vacinação é vista como importante para alavancar e diversificar as exportações, especialmente de carne suína (espécie suscetível, mas não portadora), já que países com controle sanitário rigoroso, como Japão e Coreia do Sul, somente adquirem produtos de regiões livres de aftosa sem vacinação.
Para estes importadores, o fato de um país não vacinar o seu rebanho bovino representa um fator de credibilidade do sistema sanitário como um todo, incluindo a produção suína. O Brasil é o quarto maior exportador de carne suína do mundo.
Fonte: Correio do Povo