“América Central e do Sul precisam estar cientes de que esse vírus provavelmente chegará à sua porta – se já não chegou” O vírus veio para ficar?
Quando urubus começaram a morrer no Parque Estadual de Hontoon Island, na Flórida, em fevereiro deste ano, guardas florestais chamaram investigadores da Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem do estado. Eles logo concluíram que um vírus que devastou aves domesticadas em todo o mundo havia atingido os urubus: uma cepa de gripe aviária altamente patogênica (HPAI) conhecida como H5N1. Os urubus provavelmente adquiriram o vírus ao comer pássaros aquáticos infectados – ou ao canibalizar sua própria espécie.
Trabalhadores removeram mais de 200 carcaças em uma tentativa de conter o surto. Mas Mark Cunningham, um veterinário de vida selvagem da comissão, acha que o esforço provavelmente foi inútil. “É difícil ver essa cadeia de infecção realmente ser rompida tão cedo”, diz ele.
Esse é um medo compartilhado por pesquisadores e avicultores da América do Norte, que nas últimas semanas têm documentado e tentado afanosamente conter o maior surto de HPAI do continente . Desde que o vírus foi detectado pela primeira vez no leste do Canadá em novembro de 2021, ele vem se espalhando pelo continente através de aves aquáticas migratórias. Os avicultores sacrificaram quase 33 milhões de frangos e perus em uma tentativa de salvar outros rebanhos e reduzir as perdas econômicas. Paralelemente, o vírus matou um número incontável de aves selvagens. Os pesquisadores documentaram, incluindo águias e o corujão-orelhudo (jacurutu). Isso é mais que o dobro do número de espécies conhecidas por terem sido infectadas durante o último surto de HPAI na América do Norte, em 2014/2015.
A HPAI pode ser muito mais mortal para as aves do que as gripes sazonais para as pessoas, e cada surto desperta temores sobre a infecção humana. No entanto, para alívio dos especialistas em saúde pública que já lutam contra a Covid-19, a onda atual não produziu casos humanos conhecidos na América do Norte*.
Ainda assim, o atual surto de HPAI “deixa a gente desnorteada”, diz a ecologista de doenças Nichola Hill, da Universidade de Massachusetts, Boston. Ela é um dos muitos pesquisadores que lutam para entender como o vírus pode se espalhar para mamíferos e se o vírus permanecerá indefinidamente na América do Norte, como na Europa e na Ásia. “Todos estão envolvidos na capacidade máxima”, diz Susan Shriner, ornitóloga do Departamento de Agricultura dos EUA, que está ajudando a coordenar o esforço de pesquisa.
A linhagem HPAI mais importante, parte do grupo de vírus H5, surgiu no final da década de 1990 em gansos domésticos na Ásia. Logo ele se recombinou com cepas de gripe encontradas em aves aquáticas selvagens. Em aves, as infecções causam pneumonia, convulsões e hemorragias com taxas de mortalidade de até 100%. Outras mutações permitiram que essas primeiras ondas de vírus H5 infectassem pessoas – o H5N1 matou 456 desde 2003 – levantando temores de que poderia causar uma pandemia. Mas até agora, eles não ganharam a capacidade de se disseminar facilmente de pessoa para pessoa.
Os vírus H5, no entanto, causaram perdas catastróficas de aves no Sudeste Asiático. E as aves migratórias levaram a cepa H5N1 para fora da Ásia, primeiro para a Europa, onde ela matou uma série de aves aquáticas, aves predadoras e necrófagos, como urubus. Nos primeiros surtos, o risco foi maior durante o pico da migração no outono, quando as aves aquáticas chegam à Europa. Mas nos últimos 2 anos, o vírus tornou-se endêmico na Europa, presente em algum nível durante todo o ano em aves selvagens. O vírus “não é algo que vai desaparecer tão cedo”, diz Arjan Stegeman, epidemiologista veterinário da Universidade de Utrecht.
Por causa da persistência do vírus – e do surgimento de uma cepa aparentemente mais patogênica de H5N1 – a Europa tem experimentado surtos de HPAI cada vez piores em bandos domésticos e selvagens. Os avicultores tiveram que realizar abates em massa e os produtores de aves criadas ao ar livre foram forçados a confinar seus plantéis. Sessenta e duas espécies selvagens foram encontradas infectadas na Europa e no Oriente Médio nos últimos 4 meses, com algumas – incluindo gansos-cracas, pelicanos-dálmatas e o grou comum em Israel – sofrendo perdas preocupantes.
Na América do Norte, as autoridades estão de olho no H5N1. Em 2014, aves migratórias trouxeram um vírus relacionado, o H5N8, da Ásia para o noroeste do Pacífico dos EUA, provocando um surto que acabou fazendo com que agricultores americanos em 15 estados matassem cerca de 50 milhões de galinhas e perus e registrassem US$ 3 bilhões em perdas. Desta vez, o H5N1 parece ter chegado da Europa. No ano passado, depois que pesquisas descobriram que a cepa circulava em altos níveis entre aves selvagens na Europa Ocidental, as autoridades dos EUA aumentaram sua vigilância e solicitaram fundos para amostrar mais aves aquáticas mortas por caçadores ao longo das rotas do Atlântico e do Pacífico.
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Em dezembro de 2021, várias centenas de aves morreram em uma granja em Newfoundland e deram positivo. Os testes do mês seguinte mostraram que um pato morto por um caçador na Carolina do Sul estava carregando o H5N1. Em fevereiro, o vírus atingiu a confluência dos rios Ohio e Mississippi, onde a primeira granja relatou uma infecção. Desde então, as aves migratórias espalharam o vírus na Bacia do Rio Missouri e nas Grandes Planícies.
Os pesquisadores ainda não testaram a transmissibilidade do vírus, mas suspeitam que ele se espalhe mais facilmente do que as cepas anteriores. Isso significaria que uma proporção maior de aves migratórias é infectada, a disseminação geográfica é mais ampla e há uma maior prevalência em aves aquáticas – e, portanto, mais repercussões na avicultura comercial e em aves selvagens, diz Bryan Richards, coordenador de doenças emergentes do Centro Nacional de Saúde da Vida Ecológica.
Análises genéticas do vírus sugerem que a introdução nas granjas vem principalmente de aves selvagens próximas. Em oposição, os pesquisadores acreditam que durante o surto de H5N8 de 2014/2015, foram os humanos, muitas vezes, que disseminaram acidentalmente o vírus de granja em granja.
Para prevenir infecções, muitos zoológicos confinaram suas aves cativas ou as mudaram para longe dos visitantes. No entanto, é muito mais difícil proteger as aves selvagens, o que aumenta o medo de que o vírus possa ameaçar espécies já ameaçadas de extinção, especialmente aquelas com pequenas populações. Até agora, no entanto, o número de infecções detectadas em populações selvagens é relativamente baixo. Então, os pesquisadores estão “cautelosamente otimistas… de que não veremos impactos tremendos”, diz Richards.
Apenas duas espécies de aves canoras testaram positivo: gaios azuis e corvos. Em maior risco estão as aves aquáticas, especialmente aquelas que formam densas colônias de nidificação, bem como as aves que as atacam. As águias de cabeça branca costumam caçar patos e gansos, e algumas aparentemente infectaram seus filhotes alimentando-os com presas carregadas de vírus, diz Rebecca Poulson, pesquisadora de doenças da vida selvagem do Southeastern Cooperative Wildlife Disease Study da Universidade da Geórgia. Até o momento, 48 águias deram positivo e morreram. As mortes das águias – e das aves menos carismáticas – são “realmente de partir o coração”, diz ela. “Isso nos deixa acabrunhados.”
No verão de 2015, diz Richards, as infecções entre as aves selvagens diminuíram à medida que se deslocavam para o norte e se dispersavam por seus locais de nidificação, e à medida que lagos e pântanos esquentavam, criando condições inóspitas para o vírus. Neste verão, “bata na madeira, devemos ver uma diminuição substancial dos impactos nas criações domésticas e nas operações comerciais também”, diz ele.
Mas a ameaça pode ressurgir quando as aves começarem a migrar para o sul em setembro. Para ajudar os avicultores a permanecerem em guarda, os Estados Unidos quase dobrarão os esforços de vigilância. O temor, diz Thijs Kuiken, especialista em gripe aviária da Universidade Erasmus de Roterdã, é que o H5N1 se espalhe ao sul da fronteira com os EUA. As granjas, provavelmente, serão mais vulneráveis.
“As pessoas na América Central e na América do Sul realmente precisam estar cientes”, diz ele, “de que esse vírus provavelmente chegará à sua porta – se já não chegou”.
Fonte: AviSite