Tecnologias permitiram mais do que triplicar a taxa de lotação dos pastos, possibilitando aumentar a produtividade sem precisar expandir a área de pastagem
Cultivares de gramíneas desenvolvidas pela Embrapa têm ajudado produtores rurais da Amazônia a manter a atividade pecuária produtiva mesmo em áreas com encharcamento, problema que causa a degradação e morte de pastagens na região. Adaptadas a solos com baixa capacidade de drenagem, essas gramíneas apresentam boa resistência no pasto e elevada produção de forragem de qualidade, características que proporcionam vida longa às pastagens e aumentam a sua capacidade de suporte.
Em propriedades rurais do Acre, essas tecnologias mais que triplicaram a taxa de lotação do pasto, que subiu de uma para 3,6 Unidades Animal (UA) por hectare, com ganhos para as famílias rurais e para o meio ambiente. Esse aumento de produtividade evitou a abertura de novas áreas para a formação de pastagens. Estima-se que foram poupados 23 milhões de hectares de floresta, que não precisaram ser desmatados. Esse número nos remete ao tamanho do Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte tem aproximadamente 242.514 km².
- Solução contorna uma das maiores causas de degradação das pastagens do País: a Síndrome da morte capim-braquiarão (cultivar marandu).
Estudos sobre a degradação de pastagens, com foco no desenvolvimento de soluções tecnológicas, são realizados pela Embrapa desde 1990, por meio de diferentes projetos executados em diversos estados, em parceria com a Associação para o Fomento à Pesquisa de Melhoramento de Forrageiras (Unipasto) e outras instituições do setor produtivo. Como resultado desse esforço integrado de pesquisa, nos últimos 20 anos foram disponibilizadas para o mercado 14 cultivares de forrageiras dos gêneros Arachis, Brachiaria, Cynodon e Panicum, recomendadas para cultivo em solos encharcados, característicos da Amazônia. Entre essas tecnologias estão a grama-estrela-roxa e os capins BRS Xaraés, BRS Piatã, BRS Zuri, Humidícola e Tangola, que integram a lista das gramíneas mais cultivadas na região.
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“Além de proporcionar longevidade às pastagens, as forrageiras resistentes ao encharcamento também sãotolerantes a pragas e doenças e se destacam pela qualidade nutricional da forragem, devido ao elevado teor de proteína bruta. Esses fatores melhoram a dieta animal e influenciam positivamente a produção e a rentabilidade dos sistemas pecuários da região”, afirma o pesquisador da Embrapa Acre, Carlos Maurício de Andrade.
Resultados na produção
As forrageiras adaptadas desenvolvidas pela Embrapa atendem a diferentes particularidades dos solos de propriedades rurais amazônicas, desde áreas relativamente úmidas até aquelas em condições extremas de encharcamento. Na busca por alternativas para tornar o pasto mais produtivo em solos sujeitos ao encharcamento, pecuaristas da região apostaram no uso dessas forrageiras tanto para recuperação de pastos degradados como para formação de novas áreas de pastagem.
- Durante anos, pecuaristas da região sofreram prejuízos por causa da degradação e morte das pastagens.
Um desses capins resistentes, o BRS Piatã (foto abaixo), conquistou a preferência do produtor Edmar Cordeiro, proprietário da Fazenda Paloma, localizada a 100 quilômetros de Rio Branco (AC). Em 2007, ele elegeu a forrageira para substituir os quatro mil hectares de pastagem de capim-braquiarão, existentes. Para diversificar a alimentação do rebanho, há três anos também cultiva a grama-estrela-roxa e o capim BRS Zuri, gramíneas com boa adaptação a solos com capacidade intermediária de drenagem, predominantes na propriedade.
“Durante muitos anos convivemos com prejuízos na atividade, devido à degradação e morte das pastagens. Testamos inúmeras variedades de capins disponíveis no mercado, até chegar às gramíneas adaptadas. Com essas forrageiras, ampliamos a oferta de alimento para o gado, que passou a engordar mais, em menos tempo, e dispomos de pasto de qualidade por longos períodos. Outro ganho proporcionado por essas tecnologias foi o aumento da taxa de lotação das pastagens, de uma para duas Unidades Animal (UA)/hectare, sem adubação, e para 3,7 UA/ha em solo adubado”, destaca o pecuarista.
Na fazenda Batista, localizada no quilômetro 90 da Estrada Transacreana (Rio Branco/AC), o produtor Edilson Alves de Araújo encontrou no capim Xaraés (foto abaixo) a solução para obter pasto de qualidade em solos extremamente encharcados. Há 13 anos investe na substituição de antigas pastagens de capim-braquiarão por essa forrageira resistente, e a tecnologia já ocupa 60% dos 1.700 hectares destinados à atividade pecuária. Na área restante também plantou o capim BRS Zuri e o capim Mombaça, entre outras variedades de gramíneas adaptadas.
“Optamos por fazer um trabalho preventivo, associando diferentes tipos de forrageiras recomendadas pela pesquisa, para diversificar o pasto e evitar a degradação. Com essa estratégia, saímos de um processo de regressão e perdas constantes na atividade pecuária, devido à morte do capim-braquiarão, para vivenciar uma situação de excelência na qualidade e desempenho das pastagens”, ressalta Araújo.
Degradação de pastagens
A pecuária bovina brasileira é praticada predominantemente à pasto. Segundo dados do Mapbiomas, entre 1985 e 2018, a área de pastagens no País cresceu 43%, passando de 128 para 183 milhões de hectares. Estima-se que 70% dessa área, cerca de 130 milhões de hectares de pastagens, apresentem algum grau de degradação, situação que causa perdas na produção e prejuízos para os produtores rurais, nas diferentes regiões.
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Pesquisas da Embrapa indicam que no contexto amazônico existem, aproximadamente, 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. A principal causa do problema é a Síndrome da morte capim-braquiarão (cultivar marandu), doença que ocorre no Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, em áreas com solos mal drenados.
- Avanço proporciona vida longa às pastagens, alta produção de forragem e maior ganho ao produtor e ao meio ambiente.
De acordo com Andrade, em condições de encharcamento, o capim-braquiarão fica vulnerável à ação de fungos presentes no solo, que atacam as suas raízes e reduzem a capacidade de oxigenação, resultando na morte da pastagem e na infestação de plantas invasoras. A forma mais eficiente de lidar com a degradação do pasto causada pela morte do capim-braquiarão é substituir a gramínea, nas áreas afetadas ou em risco, por forrageiras tolerantes ao encharcamento do solo, recomendadas pela pesquisa.
“Quando essa variedade de Brachiaria brizantha, também conhecida como brizantão, chegou ao mercado, em 1984, havia poucas opções de forrageiras disponíveis. Por ser resistente a diferentes espécies de cigarrinha-das-pastagens e apresentar outros atributos, como boa produção de forragem e de sementes de qualidade, além de excelentes características nutricionais, em pouco tempo se tornou a forrageira mais plantada no Brasil. Entretanto, em função da baixa resistência a solos com pouca capacidade de drenagem, a partir de 1994 começaram a surgir os primeiros casos de morte dessas pastagens na Amazônia e o problema se espalhou pela região”, conta o pesquisador.
Zoneamento de risco das pastagens
Para mensurar a gravidade da degradação de pastagens na Amazônia, pesquisadores da Embrapa desenvolveram uma metodologia de Zoneamento de Risco da Síndrome da morte do capim-braquiarão. O estudo mostrou que emlocalidades com predominância de solos sujeitos ao encharcamento e intenso regime de chuvas por longos períodos do ano, a degradação de pastagens devido à morte do capim-braquiarão se acentua.
“No Acre, primeiro estado a contar com esse mapeamento de solos, a doença está presente em 100% das fazendas pecuárias, em função do cultivo do capim-braquiarão em larga escala durante as décadas de 1980 e 1990. 71,8% dos solos acreanos apresentam alto risco para a Síndrome da morte do capim-braquiarão, em 8,6% os riscos são medianos e 19,6% das áreas são de baixo risco para a doença”, diz Andrade.
Replicada para outras localidades, a metodologia de zoneamento de risco de morte de pastagens indica as áreas com solos susceptíveis ao encharcamento, fator que tem contribuído para orientar a tomada de decisão dos produtores rurais. No Mato Grosso, estado detentor do maior rebanho bovino do País, com 29 milhões de cabeças, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estudo da Embrapa identificou mais de dois milhões de hectares de pastagem com algum estágio de degradação e indicou alto risco de ocorrência da Síndrome da morte do capim-braquiarão em 27,2% dos solos.
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Consórcio com leguminosa melhora desempenho do rebanho
A predominância da pecuária bovina à pasto no território nacional impõe a necessidade de adoção de tecnologias para manter as áreas produtivas. Além de bem adaptadas às condições de clima e solos da região amazônica, as gramíneas resistentes podem ser cultivadas com diferentes leguminosas, especialmente com o amendoim forrageiro. A planta é persistente em solos com baixa capacidade de drenagem, rica em proteína bruta (entre 18% e 25%) e tem capacidade de capturar do ar e fixar na pastagem até 150 quilos de nitrogênio, por hectare, o correspondente a 330 quilos de ureia, em função da sua associação com bactérias que vivem na terra.
- Elas também são tolerantes a pragas e doenças e apresentam qualidade nutricional, devido ao elevado teor de proteína bruta na forragem.
Estudos realizados com pastagens consorciadas com essa leguminosa, em sistema de cria e engorda, em propriedades rurais do Acre, confirmaram aumento de até 46% na produtividade do rebanho, em relação ao desempenho animal em pastos puros. “O consórcio com amendoim forrageiro ajuda a tornar o pasto mais produtivo e melhora a sua qualidade nutricional, em função da adubação natural e do aporte proteico, resultando em ganhos na produtividade do rebanho e economia para o produtor rural. No entanto, para garantir resultados eficientes na pastagem, essa prática deve ser aliada a procedimentos adequados de manejo, como o pastejo do gado sob rotação, para descanso e recuperação das forrageiras”, explica o pesquisador da Embrapa, Judson Valentim.
Tecnologias evitaram desmatamento de 23 milhões de hectares
Na opinião de Andrade, as forrageiras resistentes ao encharcamento do solo, desenvolvidas pela pesquisa, representam a principal inovação tecnológica da pecuária na Amazônia, por permitirem desenvolver a atividade de forma sustentável na região. Além de reduzir riscos na atividade e garantir retorno econômico para os produtores rurais, a adoção de variedades de capins adaptadas a solos de baixa permeabilidade proporciona ganhos ambientais. “O uso crescente dessas gramíneas tem possibilitado o reaproveitamento de áreas desmatadas e improdutivas na região”, afirma.
Valentim complementa que além da incorporação de áreas alteradas, o aumento da capacidade de suporte das pastagens, viabilizado pelo uso de forrageiras adaptadas, também tem contribuído para reduzir a pressão sobre a floresta amazônica por evitar a abertura de novas áreas aos sistemas pecuários da região. O uso dessas tecnologiasem larga escala permitiu evitar o desmatamento adicional de 23 milhões de hectares de floresta, em atendimento a preceitos de sustentabilidade.
“É possível tornar a atividade pecuária mais produtiva e atender a exigências legais especificas do setor. A adoção de alternativas tecnológicas para intensificação sustentável desses sistemas gera benefícios em cadeia. Ganham os produtores, com o aumento da produtividade e lucratividade dos rebanhos; ganham as regiões, com o desenvolvimento econômico proporcionado pelos investimentos no segmento pecuário; e a população global, com uma produção mais limpa que favorece a manutenção e conservação de áreas nativas”, destaca o pesquisador.
Estudos científicos também comprovam que em pastagens implantadas e manejadas adequadamente, as cultivares de forrageiras adaptadas possibilitam o sequestro de carbono no solo e diminuem as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. Tais benefícios podem contribuir para o cumprimento do compromisso voluntário brasileiro, assumido durante a COP-15 e oficializado pela Política Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC), de reduzir entre 36,1% e 38,9% o volume dessas emissões.