Veja detalhes de ação judicial que chegou até o STJ onde o cônjuge, em regime de comunhão universal de bens, fez doação de bens ao seu parceiro(a)
Priscila Rocha – Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria da minª Nancy Andrighi, decidiu o caso de nulidade de cessão de quotas de uma sociedade empresária entre sócios cônjuges, casados em regime de comunhão universal de bens (REsp nº 1787027 – RS – publicado em 22/5/20).
Importa frisar que o regime adotado é o mais abrangente regime de bens típico previsto pela legislação (CC 1.667 a 1.671) e, até o advento da Lei do Divórcio (Lei 6.515, de 26.12.77), era o regime legal tradicional, caso os noivos, no momento da habilitação para o casamento, não optem expressamente em sentido contrário.
Hoje, o regime supletivo legal é o da comunhão parcial (CC 1.658 a 1.666), o tal do “o que é meu é meu, o que é teu é teu e, o que é nosso, metade para cada um”, partindo da presunção de que houve esforço comum.
O elemento central deste regime absoluto (comunhão universal de bens) é que todo patrimônio constitui acervo único, ficando pouca coisa fora da divisão (CC 1.668). Os bens particulares, os recebidos por doação ou por herança por qualquer dos cônjuges e os respectivos frutos, pertencem ao casal, recebendo a metade ideal de todo o patrimônio. É o que se chama de mancomunhão, propriedade em mãe comum que, apesar das semelhanças, é diverso do condomínio.
A questão analisada foi a possibilidade do cônjuge casado sob regime total doar bem comum ao outro cônjuge, meeiro do mesmo patrimônio.
O caso: De acordo com acórdão, a doação ocorreu na vigência do Código Civil de 1916 (época do falecimento), por isso a análise do acórdão se restringiu aos dispositivos daquele código e não do CC/2002 e, ao tempo de sua morte, possuía herdeira necessária ascendente (sua mãe), que apenas veio a falecer na vigência do código atual. Seu irmão, ajuizou pedido de nulidade da doação, afirmando que a mesma teve o objetivo de prejudicar a herdeira necessária também falecida (mãe de ambos).
A ministra lembrou que, conforme o CC/1916 – o regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, ressalvada a incomunicabilidade dos bens mencionados expressamente pelo próprio código.
Ainda fundamentou:
Em se tratando de regime de bens em que os cônjuges possuem a copropriedade do acervo patrimonial que possuíam e que vierem a adquirir na constância do vínculo conjugal, salta aos olhos, desde logo, a manifesta impossibilidade de que haja doação entre cônjuges casados sob esse regime, na medida em que, se porventura feita a doação, o bem doado retornaria uma vez mais ao patrimônio comum amealhado pelo casal […]
Conquanto essa matéria não tenha sido amplamente debatida nesta Corte, há antigo precedente exatamente no sentido de que “a doação entre cônjuges, no regime de comunhão universal de bens, é nula, por impossibilidade jurídica do seu objeto” (AR 310/PI, 2ª Seção, DJ 18/10/1993)
Ou seja, não haveria transferência da propriedade, já que o bem doado ingressaria no mesmo patrimônio do qual fora retirado.
Destacou a magistrada, como a mãe da doadora das cotas estava viva ao tempo de sua morte, deverá ser concedido ao marido apenas a meação dos bens existentes ao tempo da dissolução do vínculo conjugal, deferindo-se à herdeira (e, consequentemente, aos seus herdeiros por cabeça ou estirpe) a outra metade dos bens existentes ao tempo do falecimento.
Técnica e acertada.
Priscila Rocha é advogada, membro da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB/SP, da Subseção de Araçatuba/SP (triênio 2019/2021) e, atua de forma especializada na proteção do patrimônio do produtor rural.