No Brasil, a legislação ambiental determina percentuais específicos de Reserva Legal (RL) para cada região e bioma, conforme estabelecido pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).
Em uma decisão recente e significativa, o Supremo Tribunal Federal (STF) revisou a exigência do conceito de “identidade ecológica” nas compensações ambientais, substituindo-o pelo critério de “bioma”.
Essa mudança simplifica o processo de cumprimento das Reservas Florestais Legais (RFL) e torna o mercado de Créditos de Reserva Ambiental (CRAs) mais acessível para os produtores rurais, trazendo segurança jurídica, menos burocracia e um equilíbrio mais prático entre conservação ambiental e viabilidade econômica.
A decisão do STF foi tomada em 24 de outubro, e o julgamento envolveu embargos de declaração em várias ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade (ADC 42 e ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937).
Foi analisado o Código Florestal de 2012 e, ao decidir substituir a identidade ecológica pelo critério de bioma, resolveu um antigo problema que dificultava o uso das CRAs. Esse ajuste traz mais estabilidade para os proprietários rurais que possuem déficit de áreas protegidas, garantindo a preservação dos biomas com menos complexidade e de forma mais eficiente.
Identidade Ecológica vs. Bioma e os dados territoriais
No Brasil, a legislação ambiental determina percentuais específicos de Reserva Legal (RL) para cada região e bioma, conforme estabelecido pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012). As exigências são:
• Amazônia Legal:
o 80% da área do imóvel em áreas de floresta;
o 35% em áreas de cerrado;
o 20% em áreas de campos gerais.
• Demais regiões do país:
o 20% da área total do imóvel, independentemente do bioma.
Biomas são grandes regiões geográficas que compartilham características ecológicas, como clima, vegetação e fauna.
O Brasil possui seis biomas principais: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Com a decisão do STF, o produtor precisa apenas garantir que a compensação ocorra no mesmo bioma em que houve o desmatamento, o que flexibiliza e viabiliza o processo de preservação.
Estima-se que a área total de Reserva Legal no Brasil, considerando os percentuais estabelecidos para cada região, seja aproximadamente 433,85 milhões de hectares, distribuídos da seguinte forma:
• Amazônia: 335.755.397 hectares;
• Cerrado: 52.465.853 hectares;
• Mata Atlântica: 22.203.640 hectares;
• Caatinga: 16.889.068 hectares;
• Pampa: 3.529.915 hectares;
• Pantanal: 3.007.102 hectares.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , a área total do Brasil é de aproximadamente 8.510.417,771 km², o que equivale a 851.041.777 hectares, portanto, os 433,85 milhões de hectares de RL representam aproximadamente 51% do território nacional.
Conforme o Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do IBGE , em 2018, a área agrícola ocupava cerca de 664.784 km², representando aproximadamente 7,6% do território nacional.
Segundo dados da Embrapa Territorial , as pastagens plantadas ocupam cerca de 112.237.038 hectares, correspondendo a aproximadamente 13,2% do território brasileiro.
De acordo com informações da Embrapa Monitoramento por Satélite , a área efetivamente urbanizada do Brasil foi calculada em 21.285 km², o que equivale a 2.128.500 hectares.
Percebe-se que além de representar 51% do território nacional, às áreas de reserva legal são 6,5 vezes maiores que as área agrícola total do país, 3,9 vezes maior que a área ocupada por pastagens plantadas e 204 vezes maior que a área urbanizada.
No entanto, há um déficit significativo de áreas de Reserva Legal no país, que na época da promulgação do Código Florestal de 2012, indicavam-se cerca de quatro milhões de propriedades sem área de Reserva Legal suficiente, resultando em um déficit estimado entre 30 e 60 milhões de hectares.
Para regularizar esse déficit, os proprietários rurais podem adotar medidas como recomposição da vegetação nativa, regeneração natural ou compensação em outra área equivalente dentro do mesmo bioma.
A compensação pode ser realizada por meio da aquisição de Cotas de Reserva Ambiental (CRA), que correspondem a um hectare de área com vegetação nativa e podem ser utilizadas para compensar a Reserva Legal de outra propriedade.
A flexibilização do critério para compensação dentro do mesmo bioma, conforme decidido pelo STF, facilita o cumprimento das exigências legais pelos produtores rurais, promovendo a preservação ambiental de forma mais viável e menos burocrática.
Antes dessa decisão, o critério criado pelo Judiciário da “identidade ecológica” exigia uma correspondência muito detalhada entre a área desmatada e a área usada para compensação ambiental.
Isso incluía a necessidade de correspondência exata entre espécies de plantas, fauna, condições climáticas e tipo de solo. Para que uma área de compensação fosse aceita, era preciso que ela possuísse características extremamente similares às da área original, o que tornava o processo burocrático, caro e incerto para o produtor rural.
Esse modelo gerava insegurança jurídica e dificuldades práticas. Imagine um produtor rural do Cerrado que precisa compensar uma área degradada.
O produtor rural não poderia simplesmente adquirir um CRA de qualquer área dentro do bioma Cerrado; precisaria que a área compensada tivesse flora e fauna muito semelhantes às da área de origem.
Essa exigência complexa limitava o mercado de CRAs, dificultava as transações e tornava o processo de compensação ambiental caro e arriscado.
Com o critério de bioma, já previsto pelo Código Florestal, sem inovações judiciais, o processo fica mais simples e seguro. Agora, basta que a área de compensação esteja dentro do mesmo bioma, sem exigir detalhes tão específicos.
Benefícios para o Produtor Rural e para o Mercado de CRAs
A decisão do STF representa um alívio para o produtor rural e uma nova oportunidade para o mercado de CRAs, que é um dos principais mecanismos econômicos para a compensação de áreas de preservação.
Os CRAs são títulos que permitem a compensação de áreas de reserva legal entre propriedades com superávit e déficit de áreas de preservação.
Proprietários rurais com déficit de reserva legal podem comprar esses créditos sem o risco de que uma correspondência exata seja exigida. Isso facilita transações, reduz a burocracia e permite que o produtor rural cumpra suas obrigações ambientais de maneira prática e com menos incerteza.
Além disso, o novo critério traz mais eficiência ao processo de compensação ambiental, o que beneficia o meio ambiente. Com o critério de bioma, o mercado de CRAs ganha mais adesão, pois simplifica as transações e reduz os custos. Para o produtor, isso significa menos obstáculos para a compensação ambiental, e para a conservação, significa que as áreas de preservação podem ser expandidas de forma mais ágil e efetiva.
Do ponto de vista jurídico, a mudança também é positiva. O uso do conceito de bioma oferece uma base objetiva e sólida para as compensações ambientais, evitando interpretações subjetivas e complexas.
A ideia de identidade ecológica aumentaria disputas judiciais, pois as exigências eram abertas a interpretações distintas, o que aumentava a possibilidade de contestação em processos de compensação.
Agora, proprietários rurais, órgãos ambientais e o Judiciário têm um parâmetro claro e simples para avaliar se uma compensação é válida, o que agiliza e simplifica os processos de fiscalização e cumprimento da legislação.
A tendência é que, com uma regulamentação mais simples, haja mais adesão ao programa de CRAs, promovendo um aumento gradual das áreas protegidas e incentivando a preservação ambiental em escala mais ampla.
A compensação de Reserva Legal pode ser feita por meio de aquisição de CRAs, desde que seguidas as etapas previstas pela legislação:do Brasil, o que evidencia significativa extensão da preservação ambiental no Brasil.
1. Identificação da Necessidade de Compensação: O proprietário rural deve identificar o déficit de Reserva Legal na sua propriedade por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Após a análise e validação do CAR pelo órgão ambiental competente, será indicado o déficit de RL.
2. Escolha da Área para Compensação: A compensação deve ocorrer no mesmo bioma da propriedade com déficit de RL, conforme previsto no Código Florestal. A área usada para emissão das CRAs deve estar regularizada, com vegetação nativa protegida ou em processo de regeneração.
3. Registro no CAR e no Sistema Nacional de Cotas de Reserva Ambiental (SICAR): A área a ser usada na compensação deve estar registrada no CAR como “área excedente de Reserva Legal”. As CRAs são emitidas e gerenciadas no âmbito do SICAR, garantindo transparência e controle.
4. Contrato de Compra e Venda: O proprietário interessado em adquirir CRAs deve firmar contrato de compra e venda com o titular da área ofertada. Este contrato deve ser registrado no cartório de registro de imóveis.
5. Aprovação pelos Órgãos Ambientais: A compensação deve ser submetida à aprovação do órgão ambiental estadual ou federal (IBAMA ou secretarias estaduais de meio ambiente). É necessário apresentar os documentos comprobatórios, incluindo o CAR, o contrato, e a localização da área compensatória.
6. Monitoramento e Auditoria: A área compensada será monitorada pelos órgãos ambientais, garantindo que a vegetação seja preservada e que os requisitos legais sejam cumpridos.
É fundamental garantir a regularidade jurídica e técnica da compensação. Os principais cuidados incluem: certidões e regularidade da propriedade; análise do CAR; contrato e registro; e verificação técnica com mapas georreferenciados e a descrição técnica da área compensatória, evitando áreas de risco ou de uso restrito.
Conclusão
A decisão do STF é um marco para o setor rural e representa um avanço significativo para a compensação ambiental no Brasil. Ao abandonar o critério de identidade ecológica e adotar o conceito de bioma, o STF simplifica o processo de preservação e alinha a compensação ambiental com a realidade dos produtores rurais.
Esse ajuste torna o sistema de compensação ambiental mais acessível e menos burocrático, ajudando a preservar nossos biomas e incentivando a sustentabilidade no campo.
No entanto, o processo de compensação deve ser conduzido com rigor técnico e jurídico, recomendando-se acompanhamento de profissionais especializados, como advogados ambientais e engenheiros florestais, para garantir conformidade com a legislação.
E é absolutamente necessário validar as cotas de reserva legal junto aos órgãos ambientais para concretização das negociações, evitando futuras sanções ou invalidação da compensação.
Ao seguir esses passos e cuidados, a compensação pode ser uma ferramenta eficaz para regularizar propriedades rurais e promover a conservação ambiental no Brasil.
Referências:
¹ Fonte: https://snif.florestal.gov.br/pt-br/conservacao-das-florestass/184-reserva-legal. Acesso em 21/01/2025.
² Fonte: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/estrutura-territorial/15761-areas-dos-municipios.html. Acesso em 21/01/2025.
³ Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27207-area-agricola-cresce-em-dois-anos-e-ocupa-7-6-do-territorio-nacional. Acesso em 21/01/2025.
⁴ Fonte: https://www.embrapa.br/car/sintese. Acesso em 21/01/2025.
⁵ Fonte: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/17995316/disponivel-na-internet-mapa-das-areas-urbanizadas-do-brasil. Acesso em 21/01/2025.
⁶ Fonte: https://www.agrolink.com.br/colunistas/coluna/o-que-e-o-mercado-de-cotas-de-reserva-ambiental_386579.html. Acesso em 21/01/2025
Fonte: Scot Consultoria
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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