Para consultoria, entidades e agricultores, país deve bater EUA já na próxima temporada e tornar-se o maior produtor mundial do grão.
A colheita da safra de soja 2017/18 chega ao fim nos campos brasileiros com recorde de produção. Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o volume colhido deve atingir 116,9 milhões de toneladas, após registrar 114,1 milhões na safra anterior.
Algumas consultorias, como a Céleres, estimam uma produção ainda maior, de 117,8 milhões. A expectativa é de que, já na próxima safra, pela primeira vez, o Brasil possa ultrapassar os Estados Unidos como maior produtor mundial do grão.
Conforme o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), a produção americana nesta safra, de 119,5 milhões de toneladas, ainda foi maior que a do Brasil, mas a previsão para 2018/19 é de que ela deve recuar para 116,4 milhões de toneladas.
“Para o Brasil, ainda não temos estimativa, porque essa safra só se inicia em setembro. De toda forma, a produção nos últimos anos foram muito próximas. Com qualquer deslize climático ou produtivo dos EUA, o Brasil poderá ser o líder”, avalia Enilson Nogueira, analista de mercado da Céleres.
Segundo ele, o maior volume de soja da nossa história resulta de uma combinação de clima e tecnologia. “As chuvas desde o plantio até fevereiro vieram com bastante força, ajudando as lavouras a atingirem o potencial tecnológico esperado. Como estão cada vez com mais tecnologia aplicada, o crescimento na produção não surpreende.”
Para o presidente da Aprosoja-MT (Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso), Antônio Galvan, o país tem potencial para ser o maior produtor mundial de soja já nas próximas safras, mas enfrenta gargalos.
“Temos mais áreas para expansão do que eles, podendo plantar a soja em pastagens degradadas, porém precisamos corrigir nossos problemas de logística. Estamos na parte mais distante da área de produção e sofremos o impacto do alto custo do combustível no frete”, avalia.
Mato Grosso é o maior produtor de soja do país, mas tem um custo alto para escoar a produção. “Há trechos de rodovias que não foram concluídos e outros que estão com o asfalto deteriorado. Levar a soja até a hidrovia, no norte, está tão caro quanto descer com ela para os portos do sul. O frete está saindo entre R$ 250 e R$ 270 a tonelada”, diz Galvan.
Apesar disso, segundo ele, a situação é favorável para o produtor. “Com a soja a R$ 65 (a saca de 60 kg), como está hoje, o produtor começa a ter renda. Melhor que no ano passado, quando vendemos a R$ 53.” Ele acredita que, em parte, o bom preço se deve à quebra de produção na Argentina. “Eles tiveram problemas climáticos severos e colheram muito pouco.”
De acordo com Nogueira, a valorização do dólar ante o real teve influência na formação do preço da soja brasileira – na última sexta-feira, a moeda americana fechou a R$ 3,60. Esse não foi, porém, o único fator, segundo ele.
Além da quebra da produção argentina, a possível taxação chinesa à soja americana, como retaliação às barreiras propostas pelos americanos aos produtos chineses, favoreceu o grão do Brasil. “De um mês para cá, aproveitando a janela de preços remuneradores, o produtor vendeu mais de 10% do volume da safra. Em Paranaguá, no dia 7, a saca foi negociada a R$ 87, 4% acima do mês passado e quase 25% sobre o mesmo dia de 2017”, diz.
Mesmo diante de uma produção maior, o cenário de demanda interna e externa, com redução na oferta global, é favorável à manutenção dos preços, segundo ele. A Céleres estima embarques recordes de 70 milhões de toneladas, 3% maior que na safra 2016/17.
O interesse externo pela soja brasileira poderá diminuir a disponibilidade do grão no segundo semestre, sustentando a boa cotação. “A valorização do dólar no mundo, frente ao fortalecimento da economia americana e dos esperados aumentos de juros por lá, deverá continuar contribuindo para a formação de preço no Brasil durante 2018”, afirma Nogueira.
Rainha
No estado de São Paulo, a soja passou a reinar absoluta nos campos de produção que se estendem pelo Vale do Paranapanema, no sudoeste paulista. A entrada da soja na região de Capão Bonito, tradicional produtora de feijão, causou uma transformação que ainda impressiona o produtor Leomir Baldissera.
As fazendas têm frotas de máquinas modernas e estão pontuadas pelos conjuntos de silos. “A agricultura aqui era de alguns picos altos e muitos baixos, pois a batata, o milho e o feijão são assim. A soja veio e deu estabilidade, adaptou-se bem à região, ocupou quase todos os espaços. Hoje, ela é a rainha das lavouras”, diz.
O produtor destaca a boa adaptação da oleaginosa numa região em que a cultura é de sequeiro – que dispensa a irrigação. “Nessa região, a terra é muito boa e as chuvas são bem definidas. É possível fazer duas culturas e meia por ano, o que não se consegue no Centro-Oeste.”
Ele conta que a região não tem áreas para expansão das lavouras, por isso o agricultor usa a renda para investir em tecnologia. “Muitos adotaram a agricultura de precisão, que permite identificar manchas de solo mais fracas e fazer a correção. Com isso, o produtor padroniza a lavoura e sabe quanto vai produzir. Aqui, o produtor está sempre na ponta em tecnologia.”
Apenas na área de atuação da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, os 20 produtores colheram 1,1 milhão de sacas (66 mil toneladas), com produtividade média de 72 sacas por hectare e picos de até 85 sacas/ha, uma da mais altas do Brasil.
Com a expectativa de bons preços, o produtor não teve muita pressa para vender, segundo o administrador Luiz Carlos Mariotto. “Ainda temos 27 mil toneladas em estoque, 42% do que entrou. No início da safra, o preço estava baixo e o produtor preferiu segurar”, conta. Na região, nesta sexta-feira, a soja era vendida a R$ 78,50 a saca, preço livre para o produtor. Em janeiro, a saca estava a R$ 65.
O responsável pelo setor comercial de cereais da cooperativa, Fernando Nascimento, acredita que a cultura chegou para mudar o perfil agrícola da região. “A soja é o grão do momento no mundo, tanto para consumo direto como para a produção de proteína animal. Só a China vai consumir este ano 118 milhões de toneladas, que é tudo o que o Brasil vai produzir.”
Ele diz que, por conta dessa dependência, os chineses ampliaram muito a presença no país, adquirindo tradings e se colocando em posições estratégicas. “Eles chegaram sem alarde e já estão nos portos de Santos e de Paranaguá.”
Fonte: Estadão Conteúdo