Soja recebe nitrogênio de bactérias, eliminando necessidade de adubos

Maurício Antônio Lopes
Presidente da Embrapa

Estima-se que o nosso corpo seja formado por cerca de 30 trilhões de células e abrigue, por dentro e por fora, cerca de 40 trilhões de bactérias. Pesquisas sobre esses micróbios progrediram de forma muito rápida nos últimos anos devido aos avanços no estudo dos genomas. Mais de 10.000 espécies de micróbios já foram identificadas vivendo no corpo humano. Enquanto o genoma humano contém cerca de 22 mil genes, estima-se que o conjunto dos micróbios que convivem no nosso corpo – o chamado microbioma humano – reúne incríveis 8 milhões de genes, capazes de influenciar a nossa saúde interferindo no nosso sistema imunológico, na nossa vulnerabilidade a doenças e até no nosso comportamento.

microorganismos são a “matéria escura da vida”

Craig Venter, pioneiro no sequenciamento do genoma humano, disse certa vez que os microorganismos são a “matéria escura da vida”, num paralelo com aquilo que os físicos acreditam ser a matéria mais farta no universo. Por serem tão abundantes, é natural que os microorganismos exerçam influência sobre todos os demais organismos no planeta. E embora a nossa compreensão do microbioma humano seja ainda limitada, o impacto positivo dos micróbios para a saúde já é algo conhecido, seja pelo efeito dos prebióticos – componentes alimentares, como fibras, que estimulam seletivamente a proliferação ou atividade de bactérias desejáveis no intestino – e também dos probióticos – organismos vivos que, ao serem ingeridos, misturados aos alimentos, exercem efeito benéfico no balanço da flora bacteriana intestinal.

microbioma é fundamental para a sobrevivência e o bem-estar humano

O fato é que são cada vez mais fortes as evidências de que o microbioma é fundamental para a sobrevivência e o bem-estar humano. Os milhões de genes das bactérias que vivem no nosso trato gastro-intestinal, por exemplo, decompõem muitas das proteínas, lipídios e carboidratos de nossa dieta, disponibilizando os nutrientes que conseguimos absorver. Além disso, a flora microbiana produz muitos compostos benéficos que o genoma humano não pode produzir, como vitaminas e anti-inflamatórios. A partir do momento em que nascemos, o microbioma se estabelece em nosso intestino, passando por mudanças significativas ao longo da nossa vida. Muitos estudos têm demonstrado que o microbioma humano é único para cada pessoa, e sua composição pode estar associada ao desempenho do sistema imunológico, ao risco de se desenvolver alergias e até mesmo a transtornos neurológicos e psicológicos.

Numa perspectiva evolutiva, é cada vez mais evidente que o microbioma humano é impactado pelas dietas modernas, cada vez menos diversas, pelo uso abusivo de antibióticos e pelos ambientes excessivamente estéreis em que vivemos. Assim, é possível que, em breve, os exames regulares de saúde incluam também uma avaliação do microbioma, como forma de acompanhar mudanças na composição microbiana e prever riscos de doenças ou desequilíbrios metabólicos que possam comprometer a saúde e o bem-estar. É igualmente factível que, no futuro, microorganismos possam ser prescritos em tratamentos de saúde, em substituição aos remédios convencionais.

Foto: agriculture.com

Os avanços nos estudos do microbioma humano prometem impactar também o entendimento dos microbiomas de animais domésticos, ampliando a nossa capacidade de produzir alimentos de forma cada vez mais segura e sustentável. Saúde animal, uma das grandes preocupações da pecuária moderna, é governada não somente pelas condições de criação e pela qualidade do alimento, mas também pelo estado do trato digestivo e do microbioma animal. Como em humanos, a nutrição e a saúde de bovinos, suínos, aves e outros animais domésticos dependem dos micróbios, tanto para a digestão e a disponibilização de nutrientes quanto para defesa contra o ataque de patógenos causadores de doenças. Novos avanços no estudo de microbiomas animais poderão ainda contribuir para a descoberta de compostos bioativos, eventualmente eliminando a necessidade do uso de hormônios e antibióticos, que impactam a qualidade e a segurança dos produtos de origem animal.

toda a soja cultivada no Brasil recebe hoje nitrogênio de bactérias que se abrigam em suas raízes

É, provavelmente, no cultivo de plantas que o conceito de microbioma tem uso prático mais antigo. No início do século passado, o botânico alemão Lorenz Hiltner descobriu que as raízes das plantas sustentavam o desenvolvimento de comunidades bacterianas. Pioneiro no estudo da ecologia microbiana, obteve a primeira patente de inoculantes de plantas contendo bactérias fixadoras de nitrogênio. Mas, foi no Brasil que o conceito alcançou maior sucesso. A pesquisadora Johanna Döbereiner, da Embrapa, indicada em 1997 ao Prêmio Nobel de Química, selecionou, ao longo dos seus 50 anos de carreira, bactérias adaptadas às condições tropicais capazes de captar o nitrogênio do ar, transformando-o em composto assimilável pelas plantas. Como resultado, toda a soja cultivada no Brasil recebe hoje nitrogênio de bactérias que se abrigam em suas raízes, o que elimina a necessidade de adubos químicos. Uma economia anual de mais de US$ 15 bilhões, além do ganho ambiental pela redução na emissão dos gases de efeito estufa associados à adubação nitrogenada.

Ao longo das últimas décadas ouvimos, perplexos, os astrônomos falando das centenas de bilhões de corpos celestes existentes no universo. Agora precisaremos nos acostumar a ouvir os microbiologistas se referindo às centenas de trilhões de micróbios associados a humanos, animais e plantas. Compreender e modular esta diversidade serão desafios formidáveis para a criatividade e o engenho humano.

Fonte Embrapa

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