Mesmo com a Selic no menor patamar da história, bancos públicos e privados vêm elevando as taxas de juros.
O movimento ganhou força em meados de abril, já na reta final desta safra (2019/20), que terminará no dia 30 deste mês, e já há taxas no mercado de até 10% ao ano em operações de crédito rural com juros livres (sem subsídio do governo), quando no início da temporada, em julho do ano passado, era possível captar recursos com taxa de 6,5%.
Esse aumento de custo tem sido observado por grandes produtores, empresas rurais, cooperativas e agroindústrias. Agricultores de pequeno e médio estão mais protegidos por linhas do Plano Safra com juros controlados pelo governo – ou seja, pré-fixados.
Os bancos não admitem abertamente a escalada, mas dez fontes ouvidas pelo Valor, entre executivos do setor financeiro, produtores rurais, dirigentes de entidades do agronegócio, tradings, analistas de mercado, especialistas em crédito e autoridades de governo atestaram que se trata de uma realidade. E são unânimes em creditar a alta à onda de aversão ao risco gerada pela crise, que já começou a elevar os índices de inadimplência no campo.
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que os dados do BC sobre contratação de crédito rural por pessoas jurídicas em abril ainda apontaram queda de 2,5 pontos percentuais nos juros médios em relação ao mesmo mês de 2019, para 6,1% ao ano. Mas a conta também leva em consideração juros controlados, que não subiram – e o movimento altista se fortaleceu só em meados daquele mês. Não há dados oficiais sobre os juros médios praticados em maio e junho.
“Apesar da Selic baixa e de o momento ser bom para commodities como soja e milho, com o agravamento da crise alguns produtores já apresentam mais risco”, disse um executivo de alto escalão de um banco privado com atuação relevante no segmento de crédito rural. Segundo essa fonte, a preocupação das instituições financeiras está mais concentrada em segmentos como etanol, leite, pescados, hortaliças e frutas e flores, que sentiram mais o baque da queda da demanda em
tempos de isolamento social.
Mas também há produtores de commodities como soja, milho e café que
começaram a enfrentar problemas de caixa e a ver subirem os juros de operações que contrataram nas últimas semanas. “Quando começou a pandemia, os bancos puxaram o freio e travaram acesso ao crédito. Logo depois começou o aumento dos juros mesmo para um setor que continua dando resultados positivos”, afirmou o consultor Ademiro Vian, ex-diretor da Febraban.
De acordo com Vian, antes da pandemia as taxas de crédito rural a juros livres ficavam entre 6,5% a 8,75% ao ano. Agora, o patamar chega a 10,5%. Mas é claro que e o “bom pagador”, com as finanças controladas e contas auditadas, continua sendo menos onerado.
As operações de crédito rural com juros livres vêm ganhando força com a política do governo de incentivar o mercado privado para reduzir o peso sobre o Tesouro. Contam com recursos próprios dos bancos, que definem as taxas conforme classificação de risco e valor de financiamento requisitado.
Nos primeiros 11 meses desta safra 2019/20 (julho a maio), os desembolsos de crédito rural a juros livres somaram R$ 50,8 bilhões, ou 29,2% do montante total contratado (R$ 174,2 bilhões). Somados os recursos provenientes da captação de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e direcionados à aquisições de Cédulas de Produto Rural (CPR) e as operações diretas com agroindústrias, o valor liberado com
taxas livres sobe para R$ 84,1 bilhões.
Tarcísio Hubner, que já foi vice-presidente do Banco do Brasil e atualmente é sócio da Serra Bonita Sementes, sementeira de grande porte com sede em Unaí (MG), conta que no início de abril já precisou pagar 8,75% ao ano em dois financiamentos atrelados a uma Cédula do Produtor Rural (CPR) para a aquisição de insumos voltados ao cultivo da próxima safra de grãos (2020/21). Na primeira metade da temporada, no entanto, operações semelhantes saíram com taxas de 6,67% a 6,5%.
“Novos créditos estão saindo mais caros sim, por causa da métrica de risco de cada banco. Mas é possível dizer que já existe uma majoração generalizada das taxas no crédito rural”, afirmou. Ele observou que as instituições financeira também começam a “precificar” em suas análises a tendência de aumento do número de pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais – que, conforme escritórios de advocacia, poderá dobrar em 2020.
A curva altista dos juros levou um grupo de entidades, liderado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a começar a monitorar mais de perto o comportamento das taxas e o fato de alguns bancos só estarem prorrogando dívidas com crédito agrícola com juros maiores que os contratados.
Além de ampliar a pressão para que os juros caiam no Plano Safra 2020/21, que será anunciado no dia 17 deste mês, a CNA levou a preocupação ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Segundo Bruno Lucchi, superintendente técnico da entidade, o Brasil é um país com sistema de crédito rural robusto e sem similar no mundo, e por isso não existe um padrão internacional de classificação de risco que possa servir de base de comparação. No país, o agronegócio normalmente recebe dos bancos indicação de risco superior a 80%.
Das grandes instituições privadas com atuação no agronegócio procurados pela reportagem, o Santander não se pronunciou. O Bradesco, por sua vez, garantiu que “não alterou suas condições de prazos e taxas e também não mudou sua política de crédito”. O Banco do Brasil, líder no mercado de crédito rural no país, negou eventuais aumentos até agora, mas sinalizou que essa é uma possibilidade real.
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Segundo João Rabello Junior, vice-presidente de Agronegócios e Governo do BB, revelou que o índice de inadimplência na carteira agrícola do banco subiu de 1% para 2% entre janeiro e abril e que, nesse cenário, o banco poderá encarecer o crédito. “Não mexemos ainda em taxas, mas pode ser que precisemos aumentá-las no futuro. Percebemos um pequeno aumento da inadimplência em algumas cadeias como gado e café, e isso afeta, sim, os juros”, afirmou.
Ao Valor, a ministra Tereza Cristina admitiu percebeu o movimento de alta nos juros. “O momento está turbulento, e juros é mercado. Quando tem insegurança e inadimplência, o mercado precifica para mais ou para menos. Não é algo que demanda intervenção do governo”. Para Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura e sócio do grupo Amaggi, a alta poderá se intensificar com o aval da Justiça para as recuperações judiciais de produtores pessoas físicas.
Fonte: Valor Econômico.