A função primária do trato digestivo é o de converter alimentos em componentes químicos capazes de serem absorvidos para a corrente sanguínea.
O sistema digestivo dos bovinos compreende boca, faringe, esôfago, pré-estômagos (rúmen, retículo, omaso), abomaso (estômago verdadeiro ou glandular), intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus. Os órgãos acessórios são: dentes, língua, glândulas salivares, fígado e pâncreas.
Pela presença dos pré-estômagos, os bovinos, assim como a cabra, a ovelha, o búfalo, o camelo e os cervídeos, são classificados como poligástricos ou ruminantes, animais que têm capacidade de ruminar, consistindo na regurgitação dos alimentos ingeridos, na remastigação e em nova deglutição.
A língua é o principal órgão prensor, conduzindo o alimento até a boca. Ruminantes não têm dentes caninos nem incisivos superiores. A função antagonista dos incisivos inferiores se realiza pela lâmina dental constituída de tecido conjuntivo fibroso, recoberto por epitélio intensamente cornificado. A fórmula de dentição permanente de ruminantes é 2(I 0/4, C 0/0, P 3/3, M 3/3), quer dizer, 32 dentes.
A eficácia da mastigação é uma condição prévia vital para a digestão em ruminantes porque reduz o material vegetal a partículas de tamanho pequeno, que permite o ataque de microrganismos do rúmen aos carboidratos estruturais.
Os bovinos pastejam durante longos períodos de tempo, mastigam inicialmente de forma breve, ainda dispõem de amplos períodos de ruminação para reduzir as partículas de alimentos de forma a favorecer o ataque microbiano.
Os ruminantes jovens dispõem de uma dentição caduca que na maioria dos casos emerge antes do nascimento. A fórmula de dentição caduca de ruminantes é 2 (I 0/4, C 0/0, P 3/3), ou seja, 20 dentes.
Compartimentos digestivos dos bovinos
A função primária do trato digestivo é o de converter alimentos em componentes químicos capazes de serem absorvidos para a corrente sanguínea, para o uso como nutrientes para uma variedade de necessidades como manutenção corporal, crescimento, engorda, produção de leite e reprodução.
O estômago de ruminantes tem quatro compartimentos: o rúmen, retículo, omaso e abomaso. Coletivamente, estes órgãos ocupam quase 3/4 da cavidade abdominal, enchendo virtualmente todo o lado esquerdo e estendendo significativamente ao lado direito.
O retículo relaciona-se com o diafragma e é unido ao rúmen por uma dobra de tecido. O rúmen, o maior dos pré-estômagos, é propriamente saculado por colunas musculares que são chamadas saco dorsal, ventral, caudodorsal e caudoventral.
Em muitos aspectos, o retículo pode ser considerado uma bolsa cranioventral do rúmen; a digesta flui livremente entre estes dois órgãos. O retículo é conectado ao esférico omaso por um túnel pequeno, o orifício retículo-omasal. O abomaso é o estômago glandular ou verdadeiro do ruminante.
O interior do rúmen, retículo e omaso é exclusivamente coberto com epitélio estratificado escamoso, semelhante ao que é observado no esôfago.
Cada um destes órgãos tem estrutura mucosa muito distinta, embora dentro de cada órgão, alguma variação regional em morfologia possa ser observada. A superfície interior do rúmen forma numerosas papilas que variam em forma e tamanho, desde pequenas e pontiagudas a longas e folhadas.
O epitélio reticular é lançado em dobras que formam camadas poligonais que dão ao retículo, uma aparência de colmeia. Dentro do omaso ocorrem dobras longitudinais largas que lembram as páginas de um livro (um termo comumente utilizado para o omaso é livro).
As pregas omasais são acumuladas com ingesta finamente moída e representam aproximadamente um terço da área de superfície total dos pré-estômagos. Epitélio estratificado, escamoso como achado no rúmen não é normalmente considerado um tipo de epitélio absortivo.
Papilas ruminais são muito ricamente vascularizadas e os ácidos graxos voláteis abundantes produzidos por fermentação são prontamente absorvidos através do epitélio. Sangue venoso dos pré-estômagos, como também do abomaso, leva estes nutrientes absorvidos até a veia porta. Ultrapassando estes compartimentos, a digesta chega ao intestino delgado e ao intestino grosso.
Rúmen
O rúmen é o maior dos quatro pré-estômagos. Localiza e preenche quase todo o lado esquerdo da cavidade abdominal. Ele é dividido em quatro áreas ou sacos por estruturas musculares chamadas de pilares ruminais. Há um saco dorsal, um ventral e dois sacos posteriores. Os pilares movem o bolo alimentar pelo rúmen em sentido rotatório, misturando o conteúdo sólido com o conteúdo líquido.
O órgão movimenta-se continuamente, a um ritmo de um a três movimentos por minuto, proporcionando uma divisão física (conhecida pelo nome de estratificação da digesta) e mistura das forragens e outras partículas ingeridas aos líquidos.
Quando completamente desenvolvido, apresenta vilosidades na face interna de sua parede, chamadas papilas ruminais. Estas papilas variam em número e tamanho em função do tipo de alimento fornecido. Quando bovinos são alimentados com dietas ricas em alimentos concentrados, o número e o tamanho das papilas ficam maiores para facilitar a absorção da grande quantidade de ácidos orgânicos produzidos durante a fermentação dos carboidratos.
O rúmen funciona como um combinado de reservatório e câmara fermentativa dos alimentos ingeridos. Os alimentos que chegam ao rúmen pela deglutição são digeridos ou degradados por processos fermentativos realizados pelos microrganismos que vivem dentro do órgão: bactérias, protozoários e fungos.
O processo de digestão ou fermentação é garantido por enzimas produzidas por estes microrganismos, enzimas estas que não são secretadas, mas ficam aderidas a parede celular. Tanto o rúmen quanto o retículo (e também o omaso), fornecem condições ideais para a colonização e crescimento destes microrganismos, que são os maiores responsáveis pelos processos digestivos dos ruminantes.
Condições ideais ao desenvolvimento e permanência dos microrganismos
- Anaerobiose, ou seja, ausência quase total de oxigênio (O₂);
- pH entre 5,5 a 7,0, sendo mais comum valores entre 6,8 a 6,9;
- Temperatura entre 39 e 40ºC, ideal para a atividade enzimática microbiana;
- Fornecimento contínuo de substrato, que é o alimento destes microrganismos;
- Movimentos contínuos do retículo-rúmen, que apresentam e inoculam estes microrganismos nas partículas de alimento (substrato microbiano);
- Alta umidade (em torno de 80% até 90% de água);
- Retirada contínua dos produtos finais da fermentação, que poderiam acumular e se tornarem tóxicos.
A decomposição do conteúdo ocorre através da fermentação bacteriana, pois a saliva dos bovinos não contém enzimas digestivas e o revestimento dos pré-estômagos não têm glândulas capazes de secretar estas enzimas.
De uma maneira geral, a fermentação pelas bactérias ruminais irá ocorrer sobre cada um dos nutrientes dos alimentos.
Os carboidratos das plantas e outros alimentos (celulose, amido e açúcares) serão fermentados a ácidos graxos voláteis (os AGVs) e então absorvidos pelas papilas ruminais. As proteínas e outras fontes de nitrogênio (ureia, por exemplo) serão degradadas até amônia (NH₃), que será então utilizada para a síntese de proteína microbiana.
Os lípides/gordura serão quebrados em glicerol e ácidos graxos de cadeia longa, sendo o primeiro fermentado até AGV e o segundo hidrogenado, ou seja, as ligações duplas e triplas da cadeia de carbono são transformadas em ligações simples.
Os microrganismos do rúmen sintetizam vitaminas do Complexo B e K. Os AGV são absorvidos no rúmen, enquanto que os outros nutrientes passam para os compartimentos digestivos posteriores.
A atividade motora do rúmen e dos outros pré-estômagos é controlada pelo nervo vago (ramo dorsal, que inerva o saco dorsal do rúmen e o ramo ventral, que inerva o saco ventral do rúmen, retículo, omaso e abomaso), ligado ao sistema nervoso autônomo.
Retículo
O retículo ocupa uma posição cranial e não completamente separado do rúmen. Logo, suas funções e motilidades estão muito ligadas às do rúmen. A abertura do esôfago no cárdia é comum ao retículo e ao rúmen.
As paredes internas do retículo estão revestidas por uma membrana mucosa, disposta em inúmeras pregas (em forma de favos de mel).
Os corpos estranhos ingeridos pelo bovino (arames, pregos e outros) ficam retidos nestas pregas e impedidos de passar para os demais compartimentos do aparelho digestivo posterior, com consequentes reticulites e pericardites, altamente indesejável para estes animais, que, não raramente, levam o animal à morte.
Semelhante ao rúmen, o órgão não secreta nenhuma enzima. Apresenta um movimento constante, em sintonia com o rúmen. Do retículo, o alimento passa para o rúmen (alimento ainda não totalmente degradado/fermentado) ou para o omaso (alimento fermentado) e deste, para o trato digestivo posterior (abomaso e intestinos).
O retículo é o principal órgão que participa do processo de ruminação, já que é o responsável pela contração que leva a regurgitação.
Omaso
O omaso localiza-se do lado direito do retículo-rúmen, apresentado um formato esférico. Contêm em seu interior muitas lâminas musculares, que lhe conferiram o nome popular de folhoso (folhas semelhantes às de um livro). Na mucosa destas lâminas formam-se papilas, mais curtas e menos numerosas, se comparadas com as do rúmen.
Suas principais funções estão ligadas a absorção de água, de minerais, de ácidos graxos voláteis e redução de partículas alimentares.
Algumas pesquisas apontam o omaso como um órgão selecionador, ou seja, ele definiria se a digesta (alimento sendo digerido) que vem do retículo-rúmen está apta ou não para prosseguir para o abomaso. O material semi-líquido do retículo entra no omaso pelo orifício retículo-omasal.
Contrações omasais frequentes e fortes comprimem e trituram a digesta e de 60 a 70% da água é absorvida. O material de consistência mais sólida passa para o abomaso.
Abomaso
Corresponde ao estômago verdadeiro ou glandular dos bovinos. Possui uma mucosa mais úmida do que os outros pré-estômagos, com pregas longas e altas. Localiza-se ventralmente ao omaso, do lado direito do rúmen.
No bezerro, o abomaso cobre uma grande parte do assoalho do abdômen. A mucosa possui glândulas responsáveis por secretar o suco gástrico ou abomasal, numa velocidade que compensa, mais ou menos, a perda de líquido no omaso. O conteúdo do suco gástrico determina o pH, que pode ser de 1,5 a 3,0. Nestas condições, os microrganismos vindos do retículo-rúmen acabam morrendo.
Os principais produtos secretados pelas glândulas do abomaso são: enzimas (pepsina e pepsinogênio), hormônios (gastrina), ácidos (ácido clorídrico – HCl) e água. No bezerro, o abomaso secreta uma enzima específica para a digestão do leite, a quimosina, que coagula o colostro/leite, formando um coágulo de caseína e liberando o soro.
Intestinos
Os intestinos são divididos em duas porções, as quais sofrem, ainda, subdivisões:
- Intestino Delgado: duodeno (porção ativa de digestão e absorção), jejuno (porção para absorção) e íleo (porção para absorção e reabsorção);
- Intestino Grosso: ceco (saco cego), colo (parte mais volumosa do intestino grosso) e reto (termina no ânus).
As alças intestinais ocupam os dois terços posteriores do lado direito do abdômen. O rúmen cheio desloca as alças intestinais para a direita da linha média.
A digestão enzimática, que se iniciou no abomaso com a quimosina (bezerro) ou a pepsina (bovino adulto), é completada no intestino delgado com a participação das enzimas pancreáticas (tripsina, quimiotripsina, amilase pancreática, lipase) e de outras enzimas intestinais (lactase, maltase, sacarase, dissacaridases e outras).
Portanto, é no intestino delgado (especialmente no duodeno e jejuno) onde ocorrerá a maior parte da digestão e absorção dos nutrientes (proteínas, lipídios, minerais e vitaminas), ao passo que a maior parte dos carboidratos já foi fermentada no rúmen.
As paredes internas (mucosas) do intestino delgado são revestidas por inúmeras projeções papilares chamadas vilos ou vilosidades, que servem para aumentar a superfície de absorção destes nutrientes. A digestão enzimática desenvolve-se nas primeiras semanas de vida do bezerro, quando começa a ingerir nutrientes que exigem clivagem: dissacarídeos, amido e lipídios.
No intestino grosso, o processo de decomposição, síntese e conversão são mediadas por enzimas bacterianas. É justamente neste órgão que a maior parte da água ingerida será absorvida.
Existe no intestino grosso, uma população microbiana semelhante à do rúmen, mas bem menor em número. Estes microrganismos fermentam o pouco substrato que lá chega, da mesma forma que os do rúmen, produzindo ácidos graxos voláteis e proteínas microbianas.
Ocorre também certa digestão da celulose, pelas enzimas destes mesmos microrganismos. As vitaminas B e K, assim como no rúmen, também são sintetizadas neste órgão. Existe absorção destes nutrientes produzidos no intestino grosso, mas ela é bastante limitada.
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