Setor de leite quer volta do imposto sobre muçarela importada

Produtores e indústria demonstram indignação e reclamam de competição desleal e desestímulo à pecuária leiteira no Brasil.

A isenção de impostos de importação ao queijo muçarela, que passou de 28% para zero, impacta toda a cadeia do leite, pode gerar desemprego no setor e tirar produtores da atividade. É o que afirmam representantes do setor, que se mostraram indignados com a decisão tomada pelo governo. Cada quilo de mussarela importada significa que 10 litros de leite deixam de ser comprados pelos laticínios, justamente em um momento em que o pecuarista brasileiro enfrenta aumento dos custos de produção e baixo preço do litro. 

O alerta e indignação com a medida vêm de toda cadeia leiteira, incluindo agricultores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, laticínios e entidades. Eles pedem a imediata revogação da medida anunciada em 21 de março, que isenta de tarifa de importação também a margarina (antes, 10,8%), café moído (9%), açúcar (16%), etanol (18%), óleo de soja (9%) e macarrão (14,4%). Dos seis produtos, a muçarela tem a maior alíquota de importação.

João Marques Pereira Neto, presidente da Cooperativa Agropecuária Vale do Rio Doce, de Minas Gerais, dona do laticínio Ibituruna, afirma que a isenção traz uma competitividade desleal ao produtor rural que tem sido impactado fortemente pelas altas dos insumos como milho e soja (bases da ração do gado), adubos, combustíveis e energia. “A medida abala todos os empregos e a renda gerada pela atividade.”

Fundada em 1959, em Governador Valadares, a cooperativa processa 280 mil litros de leite in natura por dia, recebe leite de 60 municípios e gera emprego para mais de 400 colaboradores diretos. O Laticínio Ibituruna produz 210 toneladas de muçarela por mês, além de leites, bebidas lácteas, requeijão e manteiga.

Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), lamenta que a medida tenha sido tomada sem qualquer consulta ao setor. Segundo ele, serão beneficiados produtores dos Estados Unidos e Europa, altamente subsidiados e protegidos por seus governos. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que, em 2020, os produtores europeus de alimentos receberam subsídio de 91,73 milhões de euros e os norte-americanos tiveram 35,79 milhões de euros.

“No Brasil, o setor não tem subsídios e não cresce desde 2014. A pandemia e a guerra no leste europeu agravaram isso, fazendo muitos saírem da atividade ou operarem no vermelho. Isso gerou desestímulo ao produtor e queda na oferta de leite”, diz ele.

Dados da Pesquisa Trimestral do Leite do IBGE para o quarto trimestre de 2021 apontam uma queda de 5% na captação de leite cru resfriado, em relação ao mesmo período de 2020. Segundo Borges, o preço pago ao produtor caiu desde o último trimestre de 2021, mas os custos só subiram.

Para tentar revogar a medida, a entidade, com apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), enviou ofícios aos ministérios da Economia e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Borges tem feito reuniões em Brasília (DF) com técnicos das duas pastas para tentar sensibilizá-los do problema causado pela isenção.

Nesta segunda (29/3), o dirigente esteve com os secretários de Política Agrícola do Mapa, Guilherme Bastos, e de Relações Internacionais, Orlando Leite Ribeiro. Borges diz que a reunião teve o objetivo de alinhar com o Mapa como manter a discussão com o Ministério da Economia, a quem cabe a decisão.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq), Fábio Scarcelli, afirma que a medida causa indignação. “Não queremos inflação, mas nada justifica penalizar o produtor brasileiro já castigado pelos altos custos de produção.” Segundo ele, todas as entidades ligadas ao agronegócio do Leite e derivados estão trabalhando em conjunto através da Câmara setorial do Leite em Brasília para tentar revogar a medida que pode impactar até as margens de lucro de supermercados.

Desestímulo

Roberto Jank, que tem 1.900 vacas em lactação, com produção de 24,5 milhões de litros de leite premium por ano na Fazenda Agrindus, em Descalvado (SP), reforça que a medida afeta toda a cadeia. Dono da marca Letti, ele conta que a produção brasileira de leite está diminuindo há três trimestres consecutivos e fechou 2021 com queda, fato que não acontecia desde 2014. Além disso, o equilíbrio entre oferta e demanda neste mês está bem frágil.

“A entrada da muçarela importada sem impostos afeta todo o suprimento por vasos comunicantes. O desestímulo poderá agravar a situação no campo, especialmente se esse queijo internalizar subsídios da origem, o que previa a alíquota de importação de 28%”, diz ele.

Jank acrescenta que, no ambiente de câmbio depreciado, o produtor de leite absorve todos os custos em dólares e não obtém qualquer vantagem da exportação, ao contrário das carnes e ovos. A empresa de Jank produz atualmente manteiga, queijo fresco, creme fresco, leite, iogurtes, coalhadas e doce de leite e prepara o lançamento de novos lácteos.

A agricultora familiar Marta Cibele Lacerda Marquezam, que tem na produção de leite a sua principal atividade em Pontes e Lacerda (MT), também reclama do alto custo de produção. Neta e filha de produtores rurais, ela tem 20 vacas em lactação produzindo 120 litros por dia. “A gente trabalha para sobreviver. No ano passado, nesta época, estava recebendo o mesmo valor pelo litro que recebo agora, mas o custo de produção dobrou nesse período.”

Marta diz que a isenção é uma tragédia para os produtores. “Se já está difícil produzir, imagina competir com um produto que tem subsídio no seu país e entra no Brasil com preço mais barato.” A produtora diz que, embora tenha porte pequeno, não está mais no escuro. Ela  troca informações de preços com outros produtores por aplicativo e também faz pesquisa de preços no Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP) e no Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária). Ela revela que muitos vizinhos já deixaram a atividade e diz que pensa em diversificar sua renda com criação de algumas cabeças de gado de corte.

Fonte: Globo Rural

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