Um estudo realizado em 2021 pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em conjunto com a Agência Alemã de Cooperação Internacional (Giz) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), já previa essa escassez de profissionais.
A transformação gerencial e digital do agronegócio brasileiro tem alterado drasticamente os processos seletivos, antes dominados por candidatos em busca de vagas. “Embora possuamos um banco de dados e conexões, hoje os processos exigem a busca ativa por profissionais. Há um evidente desequilíbrio entre a oferta de vagas e a qualificação dos candidatos para as posições tecnológicas que integram o agro e o tech”, explica Gláucia Telles Benvegnú, diretora de relacionamento da Hunter4Agro, uma consultoria de recrutamento e seleção localizada em Barueri (SP) com atuação nacional.
Um estudo realizado em 2021 pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em conjunto com a Agência Alemã de Cooperação Internacional (Giz) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), já previa essa escassez de profissionais. A pesquisa projetava que, no curto prazo (dois anos), o setor do agronegócio demandaria 178 mil vagas digitais, mas apenas um terço dessas vagas seriam preenchidas.
Esse desequilíbrio entre a oferta e a demanda por mão de obra resulta na valorização dos profissionais qualificados, mesmo aqueles já empregados. “Esses profissionais normalmente já estão empregados, não procuram anúncios, não se registram em plataformas e não enviam currículos. Somos nós que precisamos encontrá-los”, destaca Benvegnú.
FGV: Setor agropecuário busca mão de obra qualificada
Um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), revela que o setor agropecuário brasileiro tem perdido postos de trabalho na última década devido ao aumento da tecnificação dos processos. Entre 2022 e 2023, por exemplo, houve uma redução de 6,5% no número de ocupações, representando uma perda de 435 mil postos de trabalho. Essa diminuição ocorreu principalmente no setor informal, enquanto as vagas formais tiveram um ligeiro aumento de 0,1%.
De acordo com Felippe Serigati, coordenador do estudo e pesquisador da FGV Agro, essa tendência reflete uma mudança estrutural significativa no agronegócio brasileiro. “As oportunidades para mão de obra básica têm diminuído à medida que o setor se torna mais sofisticado. No entanto, essa mão de obra tem encontrado mais oportunidades no setor de serviços nas regiões onde o agronegócio predomina economicamente. O comércio e os serviços estão conseguindo contratar devido à demanda aquecida, gerada pela renda do setor agropecuário”, explica Serigati.
Para os profissionais qualificados, a remuneração média em estados importantes para o agronegócio, como Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul, já é comparável ou até superior à remuneração média da indústria paulista, que é uma referência nacional. “Não estamos falando de qualquer indústria, mas do principal parque industrial do país”, destaca Serigati. Desde o período pré-pandemia (2019), a agropecuária teve um aumento real de 11,3% na remuneração média, em contraste com a expansão de apenas 1,5% no mercado brasileiro como um todo.
No segundo trimestre de 2023, o agro atingiu o maior número de pessoas ocupadas em vagas formais e a maior taxa de formalidade (41,5%) para um segundo trimestre, considerando a série histórica da FGV.
Como comparação, o estudo mostra que no mercado de trabalho brasileiro como um todo, houve aumento das ocupações ao longo do período de 2016-2023 (+9,1%). Mas essa alta foi puxada, sobretudo, pelos informais, que registraram um de 12,4%. Os empregos formais cresceram também no Brasil, mas em uma proporção menor (+6,7%).
Olhando para dentro da porteira, a pesquisadora observa que na agricultura os empregos formais cresceram 17,6%, ao passo que os informais caíram 16,2% — puxando para cima o índice de formalidade do setor. Na pecuária, o cenário foi um pouco diferente, tanto as vagas formais (-4,1%) quanto informais (-11,1%) diminuíram.
Na agroindústria, um outro ângulo do mercado de trabalho aparece: aumentaram os postos formais (+5,47%) e os informais (+8,53%) entre o segundo trimestre de 2016 e o mesmo período de 2023. Entre abril e junho deste ano, os informais eram 1,78 milhão de pessoas nesse segmento do agro, e os funcionários com carteira assinada chegaram a 3,66 milhões.
Possamai observa que a agroindústria foi mais exposta a efeitos externos, como a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, que prejudicaram toda a indústria brasileira. Isso também contribuiu para o crescimento da informalidade.
“As condições da agroindústria, em geral, são melhores do que na indústria nacional como um todo. Mas seu desempenho é bem mais dependente do andamento da economia do país, do que na agropecuária, por exemplo, que é puxada mais pelas boas safras”, afirma.
Ainda de acordo com o estudo, a dinâmica de maior formalização no agro também impulsionou a remuneração média do setor, que cresceu a passos mais rápidos do que a média nacional.
Entre o segundo trimestre de 2016 e o mesmo de 2023, a remuneração média paga aos trabalhadores do agro cresceu, em termos reais, 12,6%, passando de R$ 1.793,69 para R$ 2.018,99. No mesmo período, a remuneração média brasileira cresceu em um ritmo muito menor (4,3%), ao sair de R$ 2.719,44 para R$ 2.836,40.
Esse resultado foi puxado totalmente pela agropecuária, na qual empregados da agricultura (+25,9%) e da pecuária (+ 22,3%) contabilizaram salários maiores no período avaliado. A agroindústria não registrou aumento, pressionada pelo segmento de produtos alimentícios e bebidas, em que a remuneração caiu 6,9%.
Segundo números do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a agropecuária é o único setor da economia brasileira a ter ganhos expressivos de eficiência nas últimas décadas. Entre 1995 e 2022, a produtividade por hora trabalhada do segmento cresceu a uma média de 5,5% ao ano. No mesmo período, houve queda de 0,4% ao ano na indústria e alta de 0,2% nos serviços.
Em Mato Grosso, desemprego cai para menos de 4%
Nas regiões brasileiras impulsionadas pelo agronegócio, como o Centro-Oeste, a falta de trabalhadores qualificados é um problema crescente. Em Mato Grosso, por exemplo, a taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2024 foi de apenas 3,7%, enquanto em São Paulo era de 7,4%, no Rio de Janeiro 10,3%, em Pernambuco 12,4% e na Bahia 14%.
Entre as funções mais demandadas no agronegócio estão analistas de inteligência de mercado, coordenadores e gerentes administrativos, especialistas técnico-comerciais e profissionais de Tecnologia da Informação. Mesmo em funções operacionais, a dificuldade para encontrar trabalhadores temporários, como safristas, que realizam plantio, colheita e vacinação de animais, é crescente.
“A nova geração busca alternativas, capacitando-se em tecnologia. Assim, em vez de ser safrista, eles se tornam operadores de drones. Hoje, para pilotar um trator, é quase necessário ser um técnico em informática”, destaca Gláucia Telles Benvegnú, diretora de relacionamento da Hunter4Agro.
De olho nessas oportunidades, muitos profissionais urbanos estão se preparando para novas vagas no agronegócio, seja no início de suas carreiras ou em transição de setor. Um exemplo é a enfermeira Mirna Pereira Ribeiro, de 39 anos, que trabalha em um hospital de Goiânia. Para aumentar suas chances de ingressar no setor agro, Mirna buscou qualificação no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), onde já completou seis cursos em áreas como habilidades interpessoais no agro, gestão de segurança, saúde e meio ambiente, prevenção de acidentes, liderança rural e ESG.
“O mais importante é a qualificação, por isso ocupo meu tempo com cursos. Atualmente, estou fazendo Gestão de Recursos Humanos com ênfase em agronegócio. Espero entrar no mercado do agro ainda este ano. Estou estudando para isso e, em breve, uma oportunidade surgirá”, afirma Mirna.
A quase 900 km de distância do hospital de Goiânia onde Mirna trabalha, outro profissional busca ascensão no agronegócio. Daniel Caynã Daron, formado em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, está matriculado em um curso de Processos Gerenciais no Agronegócio em Cuiabá.
Gestão no Agronegócio: Profissionais altamente demandados
Daron decidiu seguir a carreira gerencial após um estágio em um frigorífico em Sorriso, onde começou como analista de qualidade. “Comecei no chão de fábrica e, depois de alguns meses, tive a oportunidade de assumir um cargo de gerente de projeto. Percebi que essa área era mais compatível com meu perfil”, conta Daron, que atualmente se candidata a posições gerenciais com um salário-base de R$ 7.200, além de benefícios.
Segundo André Sanches, diretor de Inovação e Conhecimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), o agronegócio brasileiro sempre teve uma forte presença de profissionais técnicos, como engenheiros-agrônomos, zootecnistas e médicos-veterinários, que ajudam os produtores a melhorar a produção. No entanto, Sanches destaca que esses profissionais geralmente não abordam a gestão das propriedades. “Eu sou agrônomo e sei que essa parte é crucial. Os cursos do Senar focam na gestão: os alunos aprendem a calcular o fluxo de caixa, o custo de produção e a ver a propriedade como um negócio rentável”, explica.
A preparação de profissionais para lidar com a gestão eficiente é essencial para o desenvolvimento do setor, que busca continuamente aumentar a produtividade e a rentabilidade das propriedades rurais.
A procura por capacitação em cargos gerenciais no setor atual é notável, de acordo com Sanches. Para aproveitar essa tendência, é essencial gerir não apenas insumos agrícolas como sementes e fertilizantes, mas também dominar o acesso ao crédito, estratégias de distribuição e comercialização, e compreender a dinâmica dos mercados interno e externo. Entender o ambiente organizacional da cadeia produtiva e estar atualizado com as regulamentações são igualmente cruciais.
Monitoramento das operações para análise de rentabilidade
Um dos grandes desafios é transformar propriedades rurais em operações empresariais mais estruturadas. Muitos pequenos e médios empreendimentos, que frequentemente combinam cultivos como milho, criação de aves, suínos e gado, ainda não realizam um controle detalhado de cada atividade para avaliar lucros e prejuízos individuais. “Nosso foco principal nos cursos é justamente essa gestão por atividade, uma área que ainda carece de profissionalização significativa”, afirma Sanches, destacando uma lacuna evidente que oferece amplas oportunidades para desenvolvimento.
Nos próximos anos, a competição por profissionais qualificados na área da agricultura digital está projetada para intensificar-se, refletindo uma clara disparidade entre oferta e demanda. Um estudo da agência alemã Giz revelou que até 2030, para a função de técnico em agricultura digital, o número de profissionais capacitados será de 40 mil, enquanto a demanda esperada alcançará 120 mil, indicando um déficit significativo. Para engenheiros-agrônomos digitais, a disparidade pode chegar a 84%, com apenas 22,4 mil profissionais formados em comparação com uma demanda estimada de 75 mil.
A Abapa está financiando um curso para capacitar novos técnicos
Para mitigar essa escassez de mão de obra qualificada, a Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa) estabeleceu, desde 2010, um Centro de Treinamento e Tecnologia em Luiz Eduardo Magalhães, no extremo oeste do estado. Este município, que viu sua população crescer de 60 mil para mais de 107 mil habitantes entre 2010 e 2022, é agora o terceiro com maior crescimento populacional no país. O Centro de Treinamento da Abapa já capacitou mais de 100 mil alunos, desempenhando um papel crucial na preparação de profissionais para enfrentar os desafios da agricultura digital.
A Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa) tomou iniciativas significativas para suprir a demanda crescente por mão-de-obra qualificada no setor agrícola. Em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (MG), a Abapa está patrocinando um curso de formação de técnicos agrícolas com 80 vagas, com duração de 18 meses. Segundo Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da Abapa, embora as oportunidades sejam lucrativas, a mão-de-obra qualificada ainda é escassa nas áreas rurais, uma realidade que está começando a mudar.
Roberta Possamai, pesquisadora do FGV Agro, destaca que “a incorporação de tecnologias cresceu no campo nos últimos anos, assim como a mecanização da colheita em algumas culturas, o que passou a demandar uma mão de obra mais qualificada”. Esse movimento resultou em um aumento das vagas formais e em melhores níveis de remuneração, refletindo a evolução do setor.
Em 2023, o agronegócio alcançou o maior número de pessoas ocupadas em vagas formais e a maior taxa de formalidade para um segundo trimestre desde o início da série histórica da FGV. Ao mesmo tempo, a remuneração média dos trabalhadores do agro cresceu 12,6% em termos reais, comparado ao crescimento de apenas 4,3% na média nacional. Isso demonstra que, embora o número total de empregos tenha diminuído, os trabalhadores restantes são mais qualificados e melhor remunerados.
Além da função tradicional de suporte direto às propriedades
O setor agrícola está se tornando menos dependente de mão-de-obra intensiva e mais focado em tecnologia, o que também se reflete em salários mais atrativos. Entre 2016 e 2023, a remuneração média mensal real no setor agropecuário cresceu 20,8%, enquanto a média geral de todos os setores econômicos brasileiros aumentou apenas 4,6% no mesmo período. Daniel Daron, mencionado no início do artigo, está buscando uma dessas oportunidades valorizadas, mas reconhece a importância de desenvolver habilidades técnicas para atender às novas demandas do mercado.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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