Apesar das concessões feitas pelos governos, alguns agricultores argumentam que são insuficientes e clamam por ações contínuas; entenda melhor
A atmosfera entre os agricultores e criadores de gado na Europa é marcada atualmente por um sentimento generalizado de desânimo e revolta, de acordo com o líder da principal organização representativa desse setor.
Christiane Lambert, que ocupa a presidência da Copa-Cogeca, uma entidade que congrega fazendeiros europeus, fez declarações que em 25 dos 27 países do continente estão participando do protesto. A referida associação é a voz de 10 milhões de agricultores em toda a União Europeia, alguns dos quais mobilizaram protestos nas capitais e entraram em confronto com as forças policiais.
Motivo
A razão por trás dos recentes protestos de agricultores em várias nações é um assunto de destaque. No último mês, Bruxelas, na Bélgica, testemunhou a concentração de mais de 1.300 tratores em um protesto envolvendo agricultores de diversos países europeus. Inicialmente, a cúpula extraordinária dos líderes da União Europeia (UE) teve como foco o lançamento do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, para que retirasse o seu veto à assistência comum à Ucrânia.
Uma das principais demandas dos agricultores europeus nos protestos está relacionada ao acordo entre o Mercosul e a UE. O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, ao chegar ao Conselho Europeu Extraordinário, alertou que o acordo não pode ser ratificado na sua forma atual. Essa posição ecoa as declarações recentes do presidente francês, Emmanuel Macron, que considera inaceitáveis as condições do acordo comercial com os países do Mercosul.
A França insiste na inclusão de “cláusulas espelho” no pacto, garantindo que as cotas provenientes dos países do Cone Sul que entram no mercado europeu estejam em conformidade com as mesmas normas fitossanitárias, ambientais e sociais aplicadas aos produtores europeus. Essa demanda é ecoada por agricultores em países como França, Bélgica e Itália, e conta com o apoio da Irlanda e Espanha. Além disso, os protestos em Bruxelas também destacam os custos elevados que os agricultores enfrentam, seja devido à inflação ou para atender aos novos objetivos climáticos e de sustentabilidade.
De acordo com fontes do Palácio do Eliseu, o presidente francês Macron discutiu recentemente com a chefe do Executivo da UE, Ursula von der Leyen, solicitando a interrupção imediata das negociações conduzidas por Bruxelas em nome dos 27 países-membros com o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). A condição para desbloquear o acordo seria uma declaração adicional fortalecendo as garantias ambientais e antidesmatamento do pacto.
Fora da cimeira, as ruas de Bruxelas estavam repletas de cartazes com mensagens como “Esta não representa a visão europeia desejada” ou “Cansados de promessas, exigimos ações”. Esses slogans eram visíveis em diversos idiomas nos banners exibidos pelos agricultores na Praça de Luxemburgo, diante do Parlamento Europeu. Durante os protestos, ocorreram confrontos iniciais e os manifestantes queimaram vários pneus. A já rigorosa força policial, comum nas cimeiras europeias, foi intensificada.
Na França, onde os protestos tiveram início, o primeiro-ministro Gabriel Attal se reuniu com Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA (Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles), representando 22 federações regionais. Rousseau explicou à France Inter, a principal cadeia de rádio do país, que os agricultores buscam a implementação total da lei EGAlim de 2021, destinada a proteger os salários no campo. Com a mídia de idade dos agricultores acima dos 50 anos na França, as manifestações surgem como resposta aos “encargos financeiros e normas ambientais consideradas excessivas” em nível europeu, conforme planejado pela FNSEA.
Em países como Itália, Alemanha, Grécia, Polónia, Romênia e Espanha, onde os protestos se alastraram, os agricultores expressaram descontentamento devido aos altos custos de produção, baixos preços de venda de seus produtos e às condições econômicas e laborais no campo.
A presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), Nadia Calviño, enfatizou a importância de não ignorar os protestos dos agricultores europeus ocorridos na quinta-feira. Numa entrevista à RNE, reportada pela Europa Press, Calviño destacou que a Europa está numa fase de transição, na qual deve avançar para uma economia mais sustentável, eficiente e com tecnologias que asseguram a sobrevivência do planeta.
Indagado sobre a necessidade de “refletir sobre o passado ou ajustar” diante das implicações dos compromissos para o futuro sustentável da União Europeia, Calviño respondeu que “o desafio não é insignificante” e que é imperativo não ignorá-lo. Ela destacou a importância de gerenciar a transição, garantindo simultaneamente que os agricultores desempenhem um papel central, considerando o setor agroalimentar como vital para o fornecimento de alimentos.
Numa perspectiva mais ampla, o presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) assegurou que “a Europa cuida dos seus agricultores”, enquanto observava com interesse que, em cada país, as motivações por trás dos protestos são “relativamente diferentes”, abrangendo desde questões do mercado interno até relações internacionais. No entanto, ressaltou que há uma união forte para dar continuidade ao movimento.
Agricultura na Europa
Apesar de contribuir apenas com 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia, a agricultura exerce uma influência política desproporcional – especialmente quando os tratores bloqueiam vias cruciais e as eleições para o Parlamento Europeu se aproximam em maio.
Os agricultores argumentam que estão sobrecarregados por uma burocracia excessiva e prejuízos injustos enquanto a UE busca reduzir as emissões de carbono em direção a um futuro mais sustentável, conhecido como Acordo Verde. A Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, visa uma redução de 90% nas emissões com base nos níveis de 2015 até 2040. Os protestos agrícolas já alcançaram sucesso na revogação de alguns planos da UE, levando a Comissão Europeia a abandonar uma proposta para reduzir pela metade o uso de pesticidas.
Mais fonte de tensão
Uma nova dinâmica ganha destaque nos protestos dos produtores rurais, marcando uma intensificação nas manifestações recentes contra as políticas agrárias da União Europeia e a concorrência de produtos estrangeiros com preços mais competitivos.
Na capital belga, Bruxelas, por trás das barreiras, os ministros se esforçaram para mostrar que estavam sintonizados com as demandas apresentadas. A atual presidência da União Europeia, exercida pela Bélgica, admitiu que as preocupações dos agricultores abrangem desde as critérios ambientais até a redução no apoio aos subsídios agrícolas, além do impacto dos eventos na Ucrânia e da concorrência das ações russas.
Marc Fesneau, o Ministro da Agricultura francês, especificamente com os jornalistas presentes no local, que foram autorizados pela polícia, a necessidade urgente de enviar sinais claros aos agricultores, impor mudanças não apenas a curto prazo, mas também em perspectiva para médio e longo prazo.
O Ministro da Agricultura da Irlanda, Charlie McConalogue, destacou a necessidade primordial de simplificar a burocracia administrativa. Ele enfatizou que a União Europeia deve garantir que suas políticas sejam “claras, fornecidas e o mais simples possível para que os agricultores as implementem”.
Este movimento ganhou força em meio às campanhas intensificadas eleitorais em toda a Europa, que ocorreram de 6 a 9 de junho, e já apresentou resultados palpáveis: no início deste mês, o órgão executivo da UE revogou uma proposta que seria prejudicial aos agricultores, uma vez que eles sejam uma base eleitoral significativa. Países como Espanha, Holanda e Bulgária enfrentaram protestos nas últimas semanas.
Recentemente , durante a abertura da Feira Agrícola de Paris, o presidente francês Emmanuel Macron foi recebido com vaias e apitos, enquanto os agricultores expressavam a insatisfação alegando que ele não estava fazendo o suficiente para apoiá-los.
O que está sendo feito para acalmar os protestos?
Na esfera da União Europeia (UE), os agricultores conquistaram uma conquista significativa em 31 de janeiro, quando Bruxelas anunciou a postergação das normas que os obrigariam a reservar parte de suas terras para promover a saúde do solo e a biodiversidade.
A Comissão Europeia concedeu uma dispensa aos agricultores da UE da obrigação de manter uma parcela mínima de suas terras em segurança, ao mesmo tempo em que garantiu a continuidade dos pagamentos de apoio associados.
Além disso, a Comissão compromete-se a estender a suspensão dos direitos de importação sobre as exportações ucranianas por mais um ano, até junho de 2025.
No âmbito governamental, Berlim ajustou parcialmente seus planos de redução dos subsídios ao diesel no mês passado.
Modificando sua abordagem inicial, o governo anunciou a manutenção da isenção de impostos para veículos agrícolas, enquanto os cortes nos incentivos fiscais para o diesel seriam implementados gradualmente ao longo de três anos. No entanto, muitos agricultores insistem numa revisão completa dessa decisão.
A Grécia também respondeu às demandas dos agricultores que sofreram perdas de colheitas e gado devido a inundações, prolongando por um ano a redução fiscal especial sobre o gasóleo agrícola.
Na França, recentemente, uma série de medidas foi anunciada em apoio aos agricultores. O recém-nomeado primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, comprometeu-se a preservar a “soberania alimentar” do país e anunciou um aumento nos controles sobre as importações de alimentos que não estejam em conformidade com as regras europeias e francesas, passando a proteger os agricultores da concorrência de concorrência leal.
Além disso, Attal revelou um aporte de 150 milhões de euros para os criadores de gado, como parte de um pacote de apoio fiscal e social que terá início este ano e continuará de maneira permanente.
Os índices apontam para a eficácia das medidas adotadas na França, uma vez que alguns bloqueios foram suspensos após apelos de dois grandes sindicatos pelo fim das obstruções nas estradas. Contudo, em outros locais, os protestos persistem.
O que podemos esperar no futuro?
Apesar das concessões feitas pelos governos, alguns agricultores argumentam que são insuficientes e clamam por ações contínuas. Além disso, os protestos geraram reações positivas à União Europeia em meio às eleições para o Parlamento Europeu, marcadas para junho.
Ursula von Der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, defendeu a meta da UE de atingir emissões líquidas zero até 2050, mas enfrenta pressão interna de seu próprio partido de centro-direita para suavizar a legislação ambiental.
Os partidos de extrema direita na Europa visam aproveitar as queixas dos agricultores para obter vantagens políticas nas próximas eleições, como foi observado na Alemanha, onde a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, se envolve nos protestos, expressando solidariedade aos agricultores.
Vale ressaltar que há precedentes de agricultores indo além dos protestos de rua. No ano passado, um partido populista holandês, o Movimento Agricultor-Cidadão ou BoerburgerBeweging (BBB), surgiu de manifestações em massa contra as políticas ambientais do governo, tornando-se o maior partido do Senado holandês.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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