Antes considerada uma “xepa”, apenas usada para manter o solo coberto, a safrinha ganhou importância à medida que a produção se sofisticou e agregou tecnologia.
Colheita de milho em ciclo alternativo vai avançar 44% neste ano e ter papel chave para levar o Brasil à maior safra de grãos da história, com 271,4 milhões de toneladas
O Brasil vai bater mais um recorde no agronegócio neste ano, com a maior safra da história, com a ajuda considerável da chamada “safrinha” de milho.
Antes considerada uma espécie de “xepa”, apenas sendo usada para manter o solo coberto, a safrinha ganhou importância à medida que a produção se sofisticou e agregou tecnologia. Espremido entre a colheita do verão e a entressafra do inverno, a safrinha do cereal deve atingir 87,4 milhões de toneladas, 44% a mais que a anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Essa será a maior colheita da série histórica da chamada safrinha que, há vários anos, já se transformou em um “safrão”, superando em área e volume de produção a safra de milho de verão. Analistas apontam que a virada da ‘xepa’ abre perspectivas para o Brasil dobrar a produção de milho nos próximos anos e embolar com os líderes mundiais na produção desse cereal, Estados Unidos e China. Além de ter campo para aumentar a produção de um grão que é a base da produção brasileira de proteína animal, o País já começou a usar o milho para a produção de etanol.
No total, o Brasil vai produzir este ano 114,7 milhões de toneladas de milho, aumento de 31,7% em relação à safra anterior, ajudando a compor outra safra recorde de grãos, com 271,4 milhões de toneladas, acréscimo de 6,2%, ou 15,9 milhões de toneladas, sobre a colheita anterior. O resultado do milho poderia ter sido ainda melhor, não fosse uma queda de 15,3% na produção da região sul durante a primeira safra, devido à falta de chuvas.
“Temos muito espaço para crescer, tanto em área como em produtividade”, afirma o CEO da Agroconsult e especialista em agro, André Pessoa. Ele lembra que o Brasil levou 15 anos para passar de 100 milhões de toneladas de grãos para 200 milhões, mas chegar às 300 milhões de toneladas já está no horizonte. “Só não aconteceu este ano porque faltaram chuvas em algumas regiões, como o Rio Grande do Sul”, disse. Pessoa destacou o crescimento da segunda safra do milho como um diferencial no cenário agrícola brasileiro, pois esse plantio já representa quase 50% da área de cultivo tradicional de grãos no verão.
Só este ano, a safrinha de milho ocupou 1,64 milhão de hectares a mais, graças a um cenário favorecido pelos bons preços nos mercados interno e externo, além do calendário antecipado da soja. Quanto mais cedo acontece a colheita da soja, melhor fica a ‘janela’ para o plantio do milho safrinha, evitando que a lavoura avance no período mais frio e seco do ano. “Com o calendário favorável, a maior parte do plantio ficou concentrada em janeiro e fevereiro, o período ideal”, disse.
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Sem terras ociosas
A ocupação de área de plantio onde havia entressafra permitiu duas safras cheias no mesmo ano agrícola. “Ao longo dos últimos anos, um dos fatores de incentivo ao milho segunda safra foi o trabalho na genética de soja, permitindo variedades precoces e superprecoces com bom potencial de produtividade. Plantar e colher soja mais rápido abre espaço para plantar milho cedo, reduzindo o risco climatico”, disse.
Também houve melhoria da logística de escoamento para o mercado externo via portos do Arco Norte, reduzindo o custo do transporte e transferindo maior renda aos produtores. Os portos de Barcarena e Santarém, no Pará, de Manaus, no Amazonas, e São Luís, no Maranhão, absorvem parte da soja e do milho produzidos no Mato Grosso e na região do Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia).
“Ao longo dos últimos anos, um dos fatores de incentivo ao milho segunda safra foi o trabalho na genética de soja, permitindo variedades precoces e superprecoces com bom potencial de produtividade. Plantar e colher soja mais rápido abre espaço para plantar milho cedo, reduzindo o risco climático”, explica André Pessoa, consultor
Pessoa destacou ainda a implantação da indústria de etanol de milho no país, ampliando o consumo local e aumentando a competição entre compradores, além do mercado externo mais aquecido, com a China virando grande comprador. “Houve ainda melhoria de produtividade do próprio milho com melhor genética e melhor manejo e isso devemos ao avanço da pesquisa e da ciência agronômica.” O governo fez a sua parte, dando crédito para a lavoura mesmo em período de maior risco.
A união de capricho e tecnologia
Durante as décadas em que fez parte da rede extensionista da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, o engenheiro agrônomo Vandir Daniel da Silva acompanhou a transformação da safrinha de milho no Estado.
“Antes o produtor plantava trigo no inverno e fazia o cultivo do milho no verão. Com a entrada da soja, ele passou a investir no cultivo do milho na entressafra para plantar soja no verão. No início, era uma lavoura de baixa tecnologia, mas com o tempo, o produtor percebeu que caprichando na adubação do milho, ele conseguia um ganho maior na soja seguinte. Hoje, o milho de segunda safra é só de alta tecnologia.”
Conforme Silva, o milho bem adubado reduz a necessidade de adubo, principalmente fósforo e potássio, para o plantio da soja. Aposentado, Silva aplica os conhecimentos em sua própria lavoura. Ele plantou milho safrinha em fins de dezembro, em Itapeva, sudoeste paulista, e conseguiu uma produtividade próxima de 6 mil kg por hectare (ha). O resultado é superior à média estadual, de 5,2 mil hg/ha, mas poderia ser melhor, segundo o produtor. “Faltou chuva entre maio e junho, fase crítica para a lavoura, e tivemos o ataque da cigarrinha do milho, que está com incidência alta nesta região e no Paraná”, disse.
As condições climáticas afetaram também a safrinha dos produtores de Santo Ângelo, na região das Missões, no Rio Grande do Sul, segundo o presidente do Sindicato Rural, Laurindo Roberto Nikititz. “Foi um ano atípico, pois a seca atingiu o final da safra de verão e, como as chuvas demoraram a voltar, perdemos o período ideal para plantar o milho safrinha, que seria até 20 de janeiro. Quem plantou mais tarde, o fez com baixa tecnologia, então a produtividade chegou a 40 sacas no sequeiro e até 70 nas áreas irrigadas, mas a área foi reduzida”, resumiu.
Em Mato Grosso, maior produtor nacional de milho, as condições foram favoráveis à safrinha, conforme o produtor Egidio Batista, de Primavera do Leste. Ele plantou em meados de janeiro e está encerrando a colheita com média de 6,1 mil quilos por hectare. “Como as chuvas vieram na época certa, usamos um bom pacote tecnológico, com sementes de alta produtividade. Foi uma das melhores safras de milho que já colhemos”, disse. O estado deve produzir 21 milhões de toneladas.
Melhor produtividade em 20 anos
Mas há quem tenha ido além no quesito produtividade. Em Capão Bonito (SP), o produtor Marcos Alberto de Souza, conhecido como Marco Sudário, conseguiu média de 132 sacas por hectare – 7,92 mil quilos –, uma das mais altas do País. “Em 20 anos que faço a safrinha do milho, essa foi a melhor colheita que tive”, disse o agricultor.
Ele fez o plantio após a colheita da soja, na época mais propícia, entre 20 de janeiro e 22 de fevereiro. Souza integra a Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, cujos cooperados cultivaram este ano 15 mil hectares de milho safrinha. “Tivemos média de 103 sacas por hectare, pois as chuvas vieram na época certa. Aqui chamamos de safra estendida, pois o milho entra na sequência da colheita da soja, entre janeiro e fevereiro, para evitar as geadas do início do inverno”, explicou o gerente administrativo Luiz Carlos Mariotto.
Segundo maior produtor nacional de milho, com 17,6 milhões de toneladas nesta safra – 14,6 milhões da segunda safra –, o Paraná vem batendo recordes de produtividade, conforme Edmar Wardensk Gervásio, do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. “A segunda safra de milho 21/22 no Paraná é recorde de área plantada, com 2,7 milhões de hectares, 8% maior que a safra anterior. A produtividade média é de 5,4 mil quilos por hectare, mas temos produtores com média de 6 mil quilos.”
“Tivemos média de 103 sacas por hectare, pois as chuvas vieram na época certa. Aqui chamamos de safra estendida, pois o milho entra na sequência da colheita da soja, entre janeiro e fevereiro, para evitar as geadas do início do inverno”, afirmou Luiz Carlos Mariotto, gerente administrativo da cooperativa de Capão Bonito.
Conforme o analista, historicamente a produção de milho saiu da primeira safra que perdeu espaço para a soja e em consequência a produção na segunda safra ganhou espaço, competindo com o trigo principalmente. Ele lembrou que a segunda safra tem gerado renda para o produtor. Para um custo de produção de R$ 46,73, a saca de milho estava cotada em R$ 80 na terça-feira, 16.
Em Mato Grosso do Sul, a colheita do milho safrinha avança em quase 2 mil, com produtividade média de 78 sacas por hectare, o que deve garantir 9,34 milhões de toneladas para a produção nacional, mas falta armazenagem. “O milho está chegando, mas ainda temos soja nos silos. Estão sendo utilizados bags (grandes sacos) para colocar essa safra”, disse o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura, Jaime Verruck.
Etanol de milho
A produção de etanol, novo mercado para o consumo interno de milho, deve consumir este ano 10,3 milhões de toneladas do cereal no Brasil, alta de 30%, segundo a União Nacional do Etanol de Milho (Unem). De acordo com o presidente-executivo da Unem, Guilherme Nolasco, o setor de etanol de milho está em processo de expansão.
“O etanol de milho se consolidou como uma alternativa para a verticalização da produção de milho, agregação de valor e, desde a última safra, como um importante equalizador no mercado de combustível. Com a quebra na safra de cana-de-açúcar, o etanol de milho diminuiu o impacto da menor oferta”, disse.
Dados da Unem mostram que, atualmente, 17 usinas de etanol de milho estão em operação, sendo 10 em Mato Grosso, 5 em Goiás, 1 no Paraná e 1 em São Paulo. Desde o ano passado, usinas que já atuam no mercado vêm anunciando expansão de suas unidades. Além disso, pelo menos duas novas unidades deverão entrar em operação este ano, sendo uma delas em Dourados (MS).
Em 2023, Mato Grosso do Sul inaugura sua segunda unidade. “Este movimento dentro da cadeia do etanol de milho deve ser contínuo pelas próximas cinco safras. É o resultado da consolidação do setor no mercado nacional de biocombustível, apoiado em políticas públicas que visam diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e fortalecer uma matriz energética mais limpa e de fonte renovável”, disse Nolasco. A produção de etanol do milho gera subprodutos usados em ração de animais.
Cenário global favorável
Enquanto a safra brasileira de milho registra volume 15% superior à média dos últimos cinco anos, as principais regiões produtoras do mundo têm queda ou crescimento menor, segundo estimativa da EarthDaily Agro, empresa de sensoriamento remoto. As projeções indicam queda no volume de produção global do cereal. No Brasil, a safra média nos últimos cinco anos foi de 94,10 milhões de toneladas – com o maior índice de crescimento no período entre 15 países produtores avaliados pela empresa.
Entre os maiores produtores mundiais, os Estados Unidos mantiveram praticamente a mesma média em cinco anos e a China apresentou crescimento de 5% no período. Na Ucrânia, em guerra com a Rússia, o volume foi 18,7% menor no período e pode cair ainda mais devido ao conflito. Para o analista Felipe Reis, da EarthDaily Agro, a produção nos EUA está sob risco devido a fatores climáticos.
Já a forte onda de calor e seca intensa tem impactado significativamente as lavouras de milho em importantes produtores da Europa, como França, Romênia, Itália e Sérvia, por exemplo, aumentando a necessidade de importação pelo bloco.
A Rússia, importante exportador mundial, está sofrendo sanções comerciais da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) devido ao ataque à Ucrânia. Na América Latina, além do Brasil, a Argentina também revelou crescimento sobre a média dos últimos cinco anos. Com produção média de 46,26 milhões de toneladas, a expansão foi de 7% no período.