Em nível nacional, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deve divulgar os primeiros números para a safra nova em outubro.
Uma produtividade como a da safra 2016/2017, o agricultor Daniel Gatto nunca tinha visto em suas terras, na região de Barreiras, Oeste da Bahia. Cada um dos 13 mil hectares que plantou com soja rendeu, em média, 67,35 sacas.
Com o milho, ele não teve a mesma sorte. Os 3,2 mil hectares que plantou na temporada passada tiveram uma produtividade que, como ele conta, mal cobriram os custos de produção. A média colhida foi de 143 sacas por hectare.
O cereal rendendo menos que o esperado e a falta de espaço para abrir áreas levaram o agricultor a planejar o plantio nos 16,2 mil hectares de forma diferente no ciclo 2017/2018. A lavoura de milho será reduzida para 1,4 mil hectares e a de soja aumentada para 14,8 mil.
“Mesmo na dificuldade, você consegue vender a soja, além de ser mais fácil travar custos”, analisa Gatto, que também é produtor de sementes. Se vierem as chuvas, as plantadeiras começam a rodar no final de outubro.
Ele não estará sozinho. A Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) acredita em crescimento de 3% a 4% da área plantada com soja no ciclo 2017/2018. Na temporada passada, foram 1,580 milhão de hectares no Estado. Em nível nacional, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deve divulgar os primeiros números para a safra nova em outubro.
Enquanto isso, consultores do setor privado ajustam suas projeções e acreditam em aumento da área de soja, cuja semeadura começa a ser liberada neste mês. No entanto, com meteorologistas indicando uma situação de neutralidade climática e certa demora na regularização das chuvas na janela de plantio, há dúvidas sobre uma repetição do volume colhido na última safra.
O consultor Flávio França Junior afirma que, se a área de plantio que estima for confirmada, será o 11º ano seguido de aumento no Brasil. Ele acredita que as plantadeiras vão percorrer 34,5 milhões de hectares, quase 2% a mais que o estimado no ciclo 2016/2017, de 33,96 milhões.
“A soja praticamente não tem concorrência nessa época do ano. O produtor não vai deixar área parada. O custo é menor e a compra ainda está atrativa, mesmo com os preços mais baixos que os do ano passado”, diz o consultor.
Do início do calendário-safra 2017/2018, em julho, até a última sexta-feira (25/8), o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) registrou queda de 2,75% no indicador baseado em Paranaguá (PR). A referência saiu de R$ 71,48 a saca para R$ 69,51. Na mesma época em 2016, a referência também caiu, mas de R$ 92,31 para R$ 81,06.
Lá fora, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) deu sua contribuição para a baixa nos preços internacionais do grão. Revisou de 115 milhões para 119 milhões de toneladas a estimativa de produção americana.
No dia da divulgação dos dados, em 10 de agosto, o contrato para novembro de 2017 em Chicago caiu US$ 0,33 para US$ 9,40 por bushel. O vencimento tinha iniciado o segundo semestre a US$ 9,80 e, ainda em julho, chegou a US$ 10,43. Na última sexta-feira (25/8), com uma queda de US$ 0,02 após três dias de alta, fechou a US$ 9,44.
“Está difícil esse mercado reverter. Em setembro, começa a colher nos Estados Unidos e vem pressão de entrada física de produto. Há a possibilidade de revisão nas estimativas, mas não deve ser suficiente”, pondera França Junior.
Sinal de alerta
A conjuntura acaba exigindo ser mais eficiente e produtivo para garantir a rentabilidade. Agricultores e analistas de mercado pontuam que a soja ainda é vista como um negócio de resultados positivos, mas esse ganho tem sido cada vez menor. Uma tendência que deve ser mantida.
A Céleres Consultoria projeta margem operacional de R$ 784 por hectare em uma lavoura de média produtividade. Em áreas de baixo rendimento, o valor cai para R$ 507. Nas mais produtivas, pode chegar a R$ 1063 por hectare. A rentabilidade deve ficar, em média, 30% menor que a projetada nessa mesma época para o ciclo 2016/2017.
Os cálculos para a safra nova de soja – que, também na visão da empresa, deve ter área maior – consideram produtividade média nacional de 3,162 toneladas por hectare, 4% a mais na mesma comparação. O preço de referência, de R$ 72,10 a saca, é 14% menor. O custo médio é estimado em R$ 2.203 por hectare, conforme dados atualizados até o último dia 18.
Pode haver revisão das expectativas, mas não deve ser suficiente para o mercado reverter” (Flávio França Junior, consultor)
“Pelo lado positivo, os custos operacionais deverão ser, na média, 4% menores, influenciados pela queda dos preços dos insumos importados, como químicos e fertilizantes. Pelo lado negativo, os preços de combustíveis, de mão de obra e principalmente das sementes de alta tecnologia tiveram reajustes”, diz a Celeres, em relatório.
Na Bahia, em particular, Daniel Gatto pontua que ter rentabilidade significa não só comemorar o resultado de uma boa safra. É a possibilidade de amenizar consequências de pelo menos dois anos de problemas climáticos que prejudicaram a produção.
“A lucratividade é anual, mas há problemas com dívidas de outros anos. Eu, mesmo sendo produtor de sementes e agregando valor, tive dificuldades. Quando empata com os custos, como vou cumprir meus compromissos?”, questiona o agricultor.
Na safra passada, a um custo médio de 50 sacas por hectare, o rendimento de campo recorde obtido por ele possibilitou uma margem equivalente a 17 sacas de soja. Para 2017/2018, ele não trabalha com a ideia de colher menos de 65 sacas por hectare.
Também na região de Barreiras (BA), Antônio Grespan viu o peddal do freio dos investimentos ficar maior que o do acelerador. Na temporada 2016/2017, ele aumentou a área de soja. Além dos 950 hectares próprios, arrendou outros 950. Para a 2017/2018, ele decidiu repetir os 1,9 mil hectares.
O mercado pesou. Além do comportamento do preço do grão ao longo do ano, o dólar ficou desfavorável mais recentemente. De outro lado, o custo de produção aumentou. Fica difícil arriscar novos investimentos, queixa-se o agricultor.
“O algodão está com bons preços, mas o investimento é alto. A política de comercialização do milho não permite plantar mais. A gente acaba plantando soja por não ter outra alternativa. Tem que ser enxuto e eficiente”, diz Grespan.
Colheita recorde de soja no Brasil junto grandes safras em outros países levaram a pressão sobre os preços da commodity (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)
A queda dos preços da soja acendeu o sinal de alerta em outras regiões. Em Diamantino (MT), Altemar Kroling chegou a pensar em plantar um terreno maior, avançando sobre uma área de pastagem. Mas mudou de ideia e decidiu manter os 1,8 mil hectares do ciclo passado.
Na safra 2016/2017, tirou de cada hectare, em média, 51 sacas, resultado “razoavelmente bom”. A expectativa era de 55 sacas. Ele conta que reforçou a adubação, mas chuvas em excesso entre janeiro e fevereiro levaram embora parte da produtividade.
“Se o preço estivesse bom, plantaria mais 140 hectares. Mas não é ano para grandes investimentos. Estou até reduzindo tecnologia porque não fecha a conta”, diz, lamentando um custo 15% a 20% maior, mas esperando recuperar rendimento e chegar às 55 sacas por hectare na colheita do ano que vem.
A redução da tecnologia em parte das lavouras pode ser uma realidade, pontua o consultor Carlos Cogo. Preocupa ainda a demora na comercialização antecipada da safra. Ele estima que até 15 de agosto, apenas 15% estavam vendidos quando o normal para a época seria algo entre 30% e 40% de safra nova.
Mas a situação não deve impedir um aumento da área com soja, que estima em 35 milhões de hectares, 2,9% a mais que na safra passada (34 milhões de hectares). O grão deve seguir avançando sobre pastagens, além de ocupar espaços de outras culturas. “Falta opção. Se o produtor olhar a planilha de custos, o que sobra é a soja. A margem está caindo”, diz Cogo.
Boa parte do avanço da soja deve ser substituindo áreas de milho de primeira safra, acreditam os analistas ouvidos por Globo Rural. No ciclo 2016/2017, o plantio do cereal no verão aumentou, interrompendo uma trajetória verificada há vários anos.
Mas parece não ter passado de algo pontual, estimulado pelo preço. Um ano atrás, as cotações do cereal no mercado brasileiro estavam nas alturas, refletindo um cenário de escassez que levou a indústria de aves e suínos a importar o insumo para garantir a alimentação dos planteis.
Para se ter uma ideia, o indicador Esalq/BM&FBovespa, medido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) com base em Campinas (SP), iniciou 2016 a R$ 37,31 a saca de 60 quilos. Em 2 de junho, atingiu a máxima do ano, R$ 53,91, e encerrou o período a R$ 38,17, já sob a expectativa de plantio maior no verão.
Além do aumento da área, a boa produtividade no campo resultou em uma colheita considerada excepcional. Só na primeira safra, o aumento foi de 18,5%, para 30,508 milhões de toneladas, conforme a Conab. A segunda safra acrescentou outros 66,683 milhões, um crescimento de 63,5%.
Os preços despencaram. Neste ano, até 25 de agosto, a referência do Cepea, com base no município de Campinas (SP), apontava desvalorização de 30,04%, de R$ 38,51 para R$ 26,94 a saca. Em Mato Grosso, o Instituto de Economia Agropecuária (Imea) reportou em 21 de agosto média de R$ 12,34 a saca. Um ano antes, 60 quilos valiam R$ 29,07.
“O milho está pior. O aumento da área veio em cima do preço e a colheita foi excepcional. A princípio, o produtor deixa área de milho e passa para a soja”, acredita França Junior. Ele estima que a área de primeira safra 2017/2018 será de 5,32 milhões de hectares. Na safra passada, ele estimou 5,61 milhões.
Já a Céleres avalia que os preços mais baixos do cereal devem levar os agricultores a semear uma área quase 13% menor no verão, de 6,41 milhões para 5,59 milhões de hectares. A piora da rentabilidade torna a cultura menos competitiva e desestimula o plantio.
Quando o produtor olha a planilha de custos, o que sobra para ele é a soja” (Carlos Cogo, consultor)
Na média, a consultoria projeta margem 42% menor que na mesma época no ano passado. Uma lavoura de alta produtividade deve render R$ 801 por hectare, considerando parâmetros médios do Centro-Sul do Brasil: rendimento de 6,995 toneladas por hectare, preço de referência de R$ 25,50 e custo de R$ 2.450 por hectare.
Carlos Cogo acredita em redução ainda mais severa na área de milho primeira safra. As plantadeiras deverão percorrer um terreno 16,7% menor, de 4,57 milhões de hectares. Na safra passada, ele estimou o primeiro plantio em 5,49 milhões de hectares.
Em compensação, os preços devem aumentar, diz ele. Em parte, pela redução da área no Brasil. No exterior, os contratos para o ano que vem indicam preços mais elevados. A expectativa de produção nos Estados Unidos e em nível global foi reduzida pelos técnicos do USDA em agosto. “Não ficará como está. Os fundamentos são altistas”, conclui.
Em sua pequena propriedade, em Doutor Maurício Cardoso, noroeste do Rio Grande do Sul, Leonísio Roberti torce por preços melhores. Ele já terminou de plantar o milho em seus 93 hectares. A colheita será em janeiro, com produtividade esperada entre 170 e 180 sacas por hectare.
É assim que ele raciocina: como a cotação caiu muito, só deve semear milho na primeira safra quem já faz isso há mais tempo. Quem plantou por causa do preço do ano passado, tende a optar pela soja. E o cereal volta a subir.
“O ano passado foi bom por causa do preço. Cheguei a fechar contratos a R$ 40 a saca”, conta. Quando conversou com a reportagem, o valor estava em R$ 20. “De graça”, lamenta.
Fonte: MNP – Movimento Nacional de Produtores