Luiz Josahkian acredita que a discussão da fusão entre os ministérios não deveria assustar os dois setores, entenda.
Afinal, a fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente seria benéfica ou prejudicial para o país? Essa pergunta despertou o interesse de setores ligados ao agronegócio e ao meio ambiente desde que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou a possibilidade da medida.
Mas, aparentemente, a proposta teve vida curta. É natural que a questão polarize as opiniões, mas, curioso, não somos nós mesmos que cobramos o enxugamento da máquina pública?
Não teria sido também uma boa oportunidade de provarmos para o mundo que somos capazes de produzir alimentos com sustentabilidade ambiental e econômica? Pensando racionalmente, o que os produtores ou os ambientalistas teriam a temer com essa fusão? Arrisco o palpite de que nenhum dos lados precisava se entrincheirar. Fatos não faltam para provar isso.
Nos últimos 40 anos, nossos indicadores de produtividade agrícola só crescem e são referências mundiais
Nos últimos 40 anos, nossos indicadores de produtividade agrícola só crescem e são referências mundiais. Trata-se de um crescimento sustentado muito mais em avanços tecnológicos do que em aberturas de novas áreas. Basta ver que nossa produção de grãos cresceu mais de 500% entre 1977 e 2017, passando de 47 milhões para 237 milhões de toneladas, enquanto a área plantada aumentou apenas 60%. A bovinocultura de corte mais do que duplicou seu efetivo desde a década de 1970, enquanto as áreas destinadas a pastagens permaneceram praticamente inalteradas.
Não só deixamos de ser dependentes da importação de alimentos como nos tornamos os principais exportadores de suco de laranja, açúcar, café e carnes bovina, suína e de aves, além de soja e milho. E fizemos isso preservando 66% do país, cuja fitofisionomia permanece natural. Acomodamo-nos bem nos 34% de área restante, plantando, criando e morando (3,5% de áreas urbanas, 21% de pastagens e 9% de agricultura).
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Nosso Código Florestal é referência para o mundo com suas reservas legais e áreas de preservação permanentes que deixam intocados mais de 50% do país. Claro, nem tudo são flores. Grande parte das áreas de pastagens estão degradadas e muito aquém de seu potencial. Faltam políticas públicas eficazes para sua recuperação, uma questão que deveria estar na agenda comum dos dois ministérios, considerando o aumento do sequestro de carbono que pastagens bem manejadas propiciam ao meio ambiente.
O êxodo da população rural, atraída pelo brilho da cidade como besouros em voos cegos em torno de uma lâmpada, segue crescendo há décadas. As consequências dessa migração já são bem conhecidas: o inchaço das cidades, que gera a favelização e o aumento da marginalidade. Também não há como negar o desequilíbrio da distribuição de renda no campo e na cidade, o que não é um privilégio do Brasil, já que no mundo 70% da população pobre ou de extrema pobreza é rural.
Esse cenário de altos e baixos, de contrastes e assimetrias, resulta da falta de uma visão sistêmica para solucionar problemas que estão conectados em suas raízes. Não precisamos do cenário produtores versus ambientalistas. Somar competências poderia desenvolver estratégias que, simultaneamente, valorizariam o ambientalista nato que existe em cada produtor e criariam um espaço racional para que a face humanamente consumidora dos ambientalistas também tivesse voz. Essa visão integrada e sinérgica propiciaria o surgimento de sistemas de produção mais complexos, é fato, mas também interconectados, resilientes e sustentáveis.
Pena essa agenda não ter avançado, pois vamos continuar discutindo as mesmas questões de forma estanque em dois prédios vizinhos.
*Luiz Josahkian é zootecnista, especialista em produção de ruminantes e professor de melhoramento genético, além de superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Este artigo foi publicado originalmente em dezembro de 2018, na edição nº 398 da Revista Globo Rural.
POR LUIZ JOSAHKIAN*