“A elevação significativa dos preços tornou a carne mais atrativa. Muitos criadores foram desativando as vacarias ou diminuindo a produção.”
Produzir leite não é apenas ordenhar a vaca. Essa é apenas uma etapa do processo. É preciso investir em genética de rebanho, além de commodities, que são os concentrados, alimentos usados para que os animais produzam bem e em boa quantidade. Esses produtos subiram de preço de forma exponencial.
“Em 2020, a gente comprava o saco de soja por R$ 60. Hoje a gente tem em média o saco de soja por R$ 160, R$ 170 e já teve até mais alto, por R$ 180, R$ 190. A torta de algodão, que antes custava em média R$ 40 está por R$ 100. O milho, que a gente conseguia até mesmo no galpão da Conab, que é do Governo Federal, estava entre R$ 30 e R$ 40 e hoje fica entre R$ 90 e R$ 100. Então, o o custo de produção aumentou até mais de 100%. Sem falar na adubação dos piquetes”, relata o produtor Luiz Diógenes de Sales, da Fazenda Lagoa das Cacimbas, na zona rural do município de Caraúba.
Como vice-presidente da Associação dos Produtores de Leite da região Oeste (ASPROLO), Sales diz que o cenário é semelhante em todo o País. O custo dos insumos disparou, em parte, devido à Guerra entre Rússia e Ucrânia. A Ucrânia é um grande importador do milho, usado em ração e da Rússia, que está do outro lado da trincheira, compra-se os fertilizantes.
Outra explicação está no clima mais seco, tradicional do período de entressafra, que fez aumentar os custos, como observa o agrônomo César Oliveira, Diretor Geral do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RN). “Há uma combinação de fatores. Existe o fenômeno natural de estiagem na região dos maiores produtores de leite, que é no Sudeste e no Sul, que prejudicou a qualidade das pastagens. Isso já vem acontecendo nos anos anteriores e os efeitos apareceram agora”, explica César Oliveira.
Os produtores viram ainda o mercado mais atrativo para o comércio de carne bovina, já que a alta do dólar impactou positivamente nos preços de exportação. “A elevação significativa dos preços tornou a carne mais atrativa. Muitos criadores foram desativando as vacarias ou diminuindo a produção. Quando se soma tudo isso, vemos a redução na produção de leite”, explicou César Oliveira.
De acordo com a Estatística da Produção Pecuária, elaborada pelo (IBGE), o RN produziu, no primeiro semestre deste ano 33,2 milhões de litros de leite industrializado. Se comparado aos dois anos anteriores percebe-se uma queda crescente, já que no mesmo período de 2021 se produziu 34,8 milhões e 38,9 em 2020. Os dados são da pesquisa trimestral do leite, elaborada pelo IBGE.
Considerando apenas o período de abril a junho de 2022, o RN produziu 16,5 milhões de litros de leite industrializado. Em comparação ao trimestre anterior, houve uma diminuição no volume do produto de 224 mil litros, redução de cerca de 1,3%. Segundo o IBGE, a indústria de leite potiguar apenas produziu quantidade menor no primeiro trimestre de 2018 (16,1 milhões de litros). Na comparação com o mesmo trimestre de 2021, o Estado teve uma redução de cerca de 1,7 milhão de litros do produto.
Com boa parte dos fazendeiros migrando para o gado de corte, a oferta de leite caiu e os que permaneceram na cadeia leiteira viram seu trabalho valorizar. O reflexo é visto pelo consumidor final que se depararam com a alta dos preços desses derivados também. “Conheço várias pessoas que venderam as vacas e não produzem mais uma xícara de leite. Para continuarem tendo o produto e fazerem chegar os derivados, como o iogurte, o queijo, para o consumidor, tiveram que pagar mais aos produtores que ficaram. Se não fizessem isso, não teria mais como produzirem os derivados”, explica Luiz Diógenes de Sales, da Fazenda Lagoa das Cacimbas.
A indústria leiteira teve que se ajustar pra manter o negócio. “Uma indústria que trabalhava com 100 mil litros por dia para rodar a sua a sua fábrica, quando começou a entrar só 50 mil, ela teve que aumentar a margem de lucro para manter aquela máquina funcionando. Então, ficou com capacidade ociosa. Esse movimento começou há uns dois ou três anos e a conta chegou agora”, explica o produtor Marinho de Sousa, da Fazenda Caju, em Ceará-Mirim.
- Projeto autoriza uso do fungicida carbendazim em defensivos agrícolas
- Yara anuncia vencedores do Concurso NossoCafé 2024
- Estudo apresenta 5 recomendações globais para o Brasil cortar emissões
- Atenção: pecuaristas devem atualizar cadastro de rebanhos na Iagro até o dia 30 de novembro
- Florestas restauradas aumentam produtividade de soja em até 10 sacas por hectare
O leite que ele produz não é comercializado. Ele utiliza praticamente toda a produção para a confecção de queijo artesanal que é vendido diretamente ao consumidor final. Por falar em queijo, esse é um dos derivados do leite que também está com preços nas alturas e também teve os preços atualizados na Fazenda Caju. “Não teve como segurar. Não repassamos tudo para o cliente, mas a gente reajustou o preço do queijo em torno de 30%”, revelou.
A expectativa é de que neste semestre, com maior oferta e o fim do período de seca haja um alívio para o bolso do consumidor.
Apesar das sucessivas altas até o mês de julho, em agosto a cotação média do litro de leite no atacado de São Paulo já caiu quase 17%, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Nos supermercados da capital do RN, a queda ainda é tímida, mas apresenta sinais de recuo.
“O pior momento de alta de preços acho que já passou”, afirma Samuel José de Magalhães Oliveira, pesquisador em economia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite, ao sugerir que as cotações muito elevadas devem ceder neste segundo semestre.
Isso porque os preços elevados oferecidos pelas indústrias voltaram a estimular os produtores e, adicionalmente, os sinais de recessão na economia global provocaram queda nas cotações dos grãos e aliviaram custos.
Outro indicativo de que o pior já deve ter passado está no resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta sexta-feira (9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual o preço do leite longa vida caiu 1,78% em agosto no país.
“A queda do leite foi o principal fator que contribuiu para a desaceleração de preços de alimentos. O preço subiu muito e a base de comparação estava muito alta. Os preços continuam em patamar alto, mas estamos nos aproximando do fim do período da entressafra, o que melhora as pastagens e aumenta a produção”, apontou o gerente da pesquisa, Pedro Kislanov, na divulgação do resultado do IPCA de agosto, que teve queda de 0,36%.
Ele ressaltou, no entanto, que a magnitude dessa queda recente do preço do leite é muito pequena diante das altas registradas anteriormente. Nos últimos 12 meses da pesquisa, o produto acumula alta de 60,81%.
Mas em nível local, o diretor Geral do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RN), César Oliveira, fala com cautela sobre essa recuperação. “Não é possível fazer afirmação categórica, mas esperamos uma reação porque estamos saindo da entressafra e entrando na safra do leite. Mas já há sinais que indicam tendência de queda no preço no Brasil e no mundo. Temos a expectativa de que que vá estabilizar e começar e cair”, prevê.
Segundo ele, está havendo redução do rebanho leiteiro no Brasil. “Porém recuperação de um rebanho leiteiro não ocorre de forma de imediata. Até porque o preço da carne ainda está muito atrativo”, ressalta o diretor da Emater.
Para quem produz, a cautela em falar na redução dos preços é ainda maior. É que entre fevereiro e junho, período mais chuvoso no estado, eles economizam nos insumos porque o pasto fica mais abundante e geralmente o leite fica mais barato. Contudo, neste ano isso não aconteceu. “Agora, chegando o período da seca, deve estabilizar ou subir. Mesmo tendo um bom preço para o produtor, ainda é muito difícil produzir. Pela nossa na nossa realidade, se houver uma baixa no preço haverá escassez. O ideal seria que a ração baixasse o valor”, sugere o produtor Luiz Diógenes.
Com as mudanças no setor, o fazendeiro Marinho Souza, acredita que os pequenos produtores deverão ganhar protagonismo no mercado. “A produção de leite tem uma tendência de ficar na mão de pequenos produtores para que façam o ciclo completo, até a venda. Mas ainda estamos em processo, por exemplo, da legalização das queijeiras artesanais. Isso vai trazer impacto nos preços porque são pequenos produtores que vão conseguir ter acesso ao mercado que até então não se tinha, e com isso se ter um preço, talvez, mais competitivo”, argumentou.
Entre os itens da cesta básica em Natal pesquisados no mês de agosto, o leite apareceu entre os que mais subiu de preço, variação que vinha sendo observada também nos meses anteriores. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que em junho, o produto foi um dos que mais aumentou o preço entre os alimentos que compõem a cesta básica em Natal.
Foi uma alta 6,91%, que disparou em mais 30,95% em julho e oscilou para 6,36% em agosto. No acumulado dos últimos 12 meses, o Dieese diz que a alta do leite integral está em 61,22%. Em Natal, o Índice de Preços ao Consumidor – IPC, calculado pela Coordenadoria de Estudos Socioeconômicos (CES) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) também apontou que o leite foi o produto da cesta básica que mais aumentou em agosto: 12,50%.
Outra forma forma de fomento à produção leiteira potiguar, vem com o Programa Alimenta Brasil (PAB-Leite). No último dia 6 de agosto, o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RN) lançou, no Diário Oficial do Estado, a Chamada Pública 001/2022, para o credenciamento de laticínios interessados em fornecer leite pasteurizado para PAB. O programa possui 250 produtores da agricultura familiar para o fornecimento do leite bovino e 650 entidades socioassistenciais cadastradas, que recebem o alimento usado nos preparos das refeições oferecidas.
“Trata-se do credenciamento para fazermos a captação, pasteurização, envaze e distribuição do leite junto o produtor e donos de laticínios que tenham registro no Idiarn (Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do Rio Grande do Norte) ou no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)”, explica o diretor da Emater César Oliveira. O litro do leite adquirido pela Emater-RN custa R$ 3,39, sendo R$ 2,25 pagos aos produtores e R$ 1,14 aos laticínios para o beneficiamento do produto.
“É uma ação do Governo do Estado com o Ministério da Cidadania, via programa Alimenta Brasil. São mais de 500 entidades da rede assistencial credenciada, entre hospitais, creches, e entidades filantrópicas. É importante porque atende a 250 produtores que poderão vender seu leite, os lacticínios na área industrial e as famílias geralmente em situação de vulnerabilidade social”, disse ele.
Serão aplicados R$ 5,8 milhões e a versão completa da Chamada Pública, incluindo Edital e seus respectivos anexos, estão disponibilizados no site Portal do Cidadão (https://cidadao.rn.gov.br). “Além desse, o Governo tem o Programa Leite Potiguar (PLP), no qual paga R$ 2.54 pelo litro”, destacou Oliveira.