A Revolução tecnológica garante produtividade no campo

Do Egito Antigo ao início do Século 20, a grande revolução tecnológica agrícola ocorreu quando os inventores da época passaram a criar máquinas para arado sem a tração de um boi.

Tratores a vapor ou com motores começaram a ser desenvolvidos, mas, no Brasil, até 1950, o uso dos animais para preparar a terra era predominante. Para piorar, as técnicas para plantio e colheita levavam em conta os conceitos europeus e norte-americanos, de clima temperado.

O ex-ministro da agricultura Alysson Paulinelli lembra que 50% da população brasileira que vivia no campo não conseguia produzir alimentos para atender a demanda dos demais 50% que moravam nas cidades. Só na década de 1970, diz ele, os agrônomos e especialistas passaram a desenvolver conhecimento e entender os biomas tropicais. “Áreas que eram consideradas degradadas, como o cerrado, passaram a ser estudadas e hoje são as mais produtivas. Além disso, desenvolvemos as sementes ao nosso clima”, afirma.

A partir da correção de solo, do uso de adubos, fertilizantes e mecanização dos cultivos, houve um salto de produtividade nas lavouras brasileiras. Para se ter uma ideia desse processo, entre 1976 e 2017, a área de cultivo no Brasil passou de 37,7 milhões de hectares para 61 milhões. Um crescimento de 63%. Já o tamanho da produção quintuplicou e passou 46,9 milhões de toneladas para 238 milhões no mesmo período. Uma alta de 407,4%.

Mas as mudanças não param por aí. Uma nova revolução ocorre silenciosamente no campo e promete garantir um novo salto de produtividade nas propriedades rurais. Em série de reportagens iniciada hoje, o Correio mostra como as mais variadas tecnologias disponíveis e em estudo no mundo têm sido usadas pelos produtores para garantir renda e alimentar a população mundial. Exemplos do processo de mudança foram encontrados no próprio Distrito Federal e em municípios como Cristalina (GO) e Buritis (MG).

Quem acompanha de perto o assunto se espanta com tamanha evolução.

“A agricultura tropical vai abastecer, revolucionar e suprir a demanda mundial de alimentos por muitos anos. Os conceitos de produção mudaram para melhor e o uso da tecnologia é destaque nesse processo”, diz Paulinelli.

Agricultores e pecuaristas têm investido, por exemplo, na geração da própria energia. Pequenas centrais hidrelétricas, biodigestores e geração de energia solar com painéis fotovoltaicos são algumas alternativas já usadas em diversas propriedades. Além de economizar na conta de luz, que é uma das principais despesas dos produtores rurais, muitos estudam vender o excedente de produção para gerar renda. O principal entrave, entretanto, está da porteira para fora. As concessionárias demoram a aprovar os projetos e instalar linhas de transmissão.

Assim como as fintechs têm transformado o sistema financeiro e amedrontado os bancos tradicionais, as agtechs, startups agrícolas, chegaram para ficar. O setor ganhou destaque em 2013, quando a gigante norte-americana de biotecnologia e agricultura Monsanto comprou a empresa de análise de gerenciamento Climate Corporation por US$ 930 milhões.

Investimentos

Em 2014, houve um novo salto, diante da necessidade de empresas agrícolas se tornarem mais eficientes. As startups agrícolas receberam naquele ano US$ 2,4 bilhões em investimentos em 264 negócios fechados, conforme dados da AgFunder, uma plataforma on-line de venture capital (investimento em empresas com expectativa de rápido crescimento). Esse valor superou o movimentado, por exemplo, pelas fintechs, com US$ 2,1 bilhões, e pelas de tecnologia limpa, de US$ 2 bilhões. No Brasil, mais de 200 startups estão em funcionamento para auxiliar os produtores rurais a ter ganhos de produtividade, gerenciar as fazendas e economizar com insumos.

O campo também foi invadido pelos drones. Empresas especializadas em mapeamentos de solo, identificação de pragas, aplicação de defensivos e insumos usam cada vez mais os veículos aéreos não tripulados. Alguns produtores têm comprado os próprios equipamentos e usado os serviços de startups para monitorar as lavouras e economizar com serviços.

O uso da tecnologia no campo tem dado um novo perfil às empresas e produtores rurais brasileiros, explica o consultor em tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré.

“Esse processo contribui para o aumento e a diversificação da produção”, diz.

Minaré assinala que a mudança tecnológica ajuda os produtores a reduzir a dependência de insumos produzidos em mercados oligopolizados. “As práticas anticoncorrenciais abocanham uma fatia da renda dos produtores. O agricultor é um elo entre as indústrias de insumos e de alimentos. Ele não pode ser achatado. E a tecnologia tem contribuído para dar força a quem produz”, afirma.

Geração própria

Os investimentos na geração a partir de fontes renováveis ganhou impulso e mais confiança a partir de 2016, quando resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) passou a permitir o desconto na fatura do excedente gerado com regras mais claras. Assim, seja do tipo biomassa, biogás ou fotovoltaica, há uma diversificação nas fontes que permite reduzir impactos ambientais, aproveitar potencial e economizar. Em Goiás, existem 319 unidades consumidoras de energia com geração distribuída. Dessas, 26 estão no campo, sendo 22 fotovoltaicas e quatro termoelétricas a biogás produzido a partir de resíduos de animais.

Cinco perguntas para Alysson Paulinelli,ex-ministro da agricultura:

Como a tecnologia mudou o setor rural nos últimos 50 anos?

A tecnologia transformou o campo completamente. O agricultor mudou. Ele é completamente diferente de 50 anos atrás. Vejo na minha família. Meu avô tinha uma propriedade e sustentava 10 filhos. Plantava milho, arroz, feijão, galinha e soltava o gado no cerrado. Hoje, o cerrado produz mais que qualquer região do mundo. As transformações ocorrem cada vez mais rápido e as técnicas de plantio e colheita são aperfeiçoadas constantemente.

Quando a tecnologia começou a mudar a produção no Brasil?

Só na década de 1970, houve uma luz para mudanças. Ou nós desenvolveríamos o conhecimento dos biomas tropicais ou estariámos fadados ao fracasso. Isso foi o que aconteceu em termos de evolução tecnológica. A agricultura tropical vai abastecer, revolucionar e suprimir a demanda mundial de alimentos por muitos anos. Os conceitos básicos de produção mudaram para melhor e o uso da tecnologia é destaque nesse processo.

O que mudou na prática?

Áreas que eram consideradas degradadas, como o cerrado, passaram a ser estudadas e hoje são as mais produtivas. Além disso, desenvolvemos as sementes ao nosso clima. Usávamos um tipo que dependia de 16 horas de sol, quando só temos 12 horas de luz. Até isso foi adaptado. Com irrigação, será possível fazer três safras no ano. O Brasil é hoje o depositário das esperanças de que o mundo não passará fome daqui a 10 anos. Vamos garantir a demanda mundial por alimentos.

O Brasil se tornou uma referência agrícola?

O mundo inteiro quer ter o que o Brasil tem hoje, que é o conhecimento da agricultura tropical. Mas os demais países não ficaram para trás. Muitos têm transformado desertos em áreas produtivas, com estufas e clima controlado. A demanda de alimentos é grande em todo o mundo. O que fazemos é um novo sistema em que aproveitamos a biologia, o plantio integrado. Há 50 anos quem iria imaginar que, no Brasil, seria possível plantar soja, milho, criar boi e ter uma floresta na mesma propriedade? Ninguém. Isso é maravilhoso.

Qual será a próxima revolução?

Já existem estudos que mostram que não precisaremos depender tanto de fertilizantes e defensivos altamente industrializados. Nosso clima e a própria condição única permitem que a correção de solo, por exemplo, seja feita por meio da absorção natural dos nutrientes. A própria natureza se encarregará disso com a aplicação de fósforo. Os preços vão cair com os novos processos. (AT)

Por Correio Braziliense

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