Resfriar as vacas aumenta o teor de proteína e gordura do leite

Nas regiões de SC e MG, o teor de proteína do leite cru cai de 3,4% na estação mais fria, para 3,1% na estação mais quente (queda de quase 10%).

A proteína e a gordura do leite são variáveis econômicas importantes para a indústria de lácteos e suas quantidades diminuem durante os meses quentes de verão.

Como pode ser observado nas figuras abaixo (retiradas do MAPA 2021), há uma queda significativa no teor de proteína e gordura no leite das fazendas leiteiras brasileiras, localizadas nas principais regiões produtoras de leite como MG e GO, além de SC e RS. 

Nas regiões de SC e MG, o teor de proteína do leite cru cai de 3,4% na estação mais fria, para 3,1% na estação mais quente (queda de quase 10%), e o teor de gordura do leite cai de 3,8% na estação mais fria,  para 3,5% na estação mais quente (queda de 8,5%).
 

Figura 1 – Teor de gordura e proteína do leite no leite por mês, nos anos de 2013 – 2020 em propriedades leiteiras de SC

Figura 2 – Teor de gordura e proteína do leite no leite por mês, nos anos de 2013 – 2020 nas propriedades leiteiras de MG.

As razões para a diminuição da proteína do leite durante o estresse térmico podem estar relacionadas à regulação negativa da atividade sintética da proteína mamária, redução da síntese de caseína e falta de suprimento do precursor da proteína do leite pelo sistema digestivo da vaca.

Quanto ao teor de gordura do leite, a diminuição pode ser atribuída principalmente à diminuição do consumo de fibras e da taxa de ruminação, o que leva à queda do pH ruminal, levando à redução dos precursores de gordura no sistema digestório e seu suprimento para a glândula mamária.

Como podemos ver pelo exposto acima, assim como por muitos artigos publicados sobre o tema, as características do leite são afetadas pelo estresse térmico, mas muito pouca informação está disponível sobre as alterações das frações proteicas do leite.

Pesquisadores italianos (Bernabucci et al 2015, J. Dairy Sci. 98 :1815) analisaram o leite de vaca coletado no inverno e no verão e descobriram que para todos os principais componentes do leite (gordura, proteína, sólidos totais e sólidos sem gordura), os menores valores foram observados no verão e os maiores valores foram observados no inverno.

As frações de caseína, apresentaram valores significativamente menores no verão e os maiores valores no inverno (27,50 e 22,65 gr. por litro de leite, respectivamente). Este fenômeno afeta negativamente as propriedades de fabricação de queijo, um dos principais e mais importantes produtos que a Itália exporta para o mundo.

Aliviar o estresse térmico em vacas em lactação pelo uso de estratégias de resfriamento intensivo é uma maneira pragmática de melhorar os padrões sazonais de baixa proteína e gordura do leite. Neste artigo apresentarei alguns estudos realizados nas últimas décadas, onde a implementação de resfriamento adequado às vacas melhora o teor de proteína e gordura do leite e confere a esse melhoria seu valor econômico.

Em um estudo recente realizado por pesquisadores chineses em colaboração com pesquisadores dos EUA (Gao et al. 2022, J. Dairy Sci. 104:12139–12152), vacas de lactação média a tardia (média de 175 DIM, 27 kg/d) foram divididos em dois grupos. O primeiro grupo recebeu um tratamento de resfriamento moderado combinando ventiladores e aspersores por 3 horas cumulativas por dia, enquanto o segundo grupo recebeu apenas sombra.

As informações apresentadas na tabela 1 abaixo mostram que o resfriamento das vacas aumentou significativamente os percentuais de proteína e gordura e a produção em quase 10% para proteína e 13% para gordura.

Tabela 1 – Produção de leite, consumo de ração e teores de proteína e gordura no leite de vacas resfriadas e não resfriadas

As porcentagens e rendimento de proteína e gordura do leite diferiram significativamente entre os tratamentos.

Os autores deste artigo mencionaram na discussão que fornecer um tratamento de resfriamento mais intensivo para vacas em estágios iniciais de lactação poderia trazer melhorias ainda maiores na produção de leite, bem como na melhoria dos teores de proteína e gordura.

Tal experimento foi realizado em Israel (Honig et al. 2012, J. Dairy Sci. 95:3736–3742), onde vacas de alto rendimento foram resfriadas por uma combinação de aspersores e ventilação forçada por diferentes durações por dia.

Um grupo (tempo de resfriamento curto) foi resfriado por 3 horas cumulativas por dia, enquanto o outro foi resfriado por 6 horas cumulativas por dia (período de resfriamento longo). Como pode ser visto na tabela 2 abaixo, dobrar o tempo de resfriamento por dia aumentou significativamente o consumo diário de ração e a produção total de leite, proteína e gordura.

Tabela 2 – Produção de leite, consumo de ração, teor de proteína e gordura no leite de vacas resfriadas por 3 e 6 horas cumulativas por dia.

Todos os parâmetros diferiram significativamente entre os tratamentos.

A melhora na produção de leite, assim como na produção de proteína, pode ser alcançada também no resfriamento das vacas durante o período seco, que ocorre no verão.

Mais um estudo israelense (Adin et al 2009, Livestock Sci. 124:189), mostrou que o resfriamento intensivo das vacas por quatro vezes ao dia nos últimos 2 meses de prenhez, ocorrendo no verão, ajudou a aumentar em 5% seu leite corrigido para gordura (LCG) e produção de proteína nos primeiros 90 dias da lactação subsequente.

Do descrito até agora, não há dúvidas de que o resfriamento das vacas melhora a produção de proteína e gordura da vaca e, como o resfriamento é fornecido por mais tempo por dia, a melhora nas vacas de alto rendimento é maior.

De qualquer forma, há mais um fator atuando neste jogo: a condição corporal da vaca ao parir.

Em um experimento realizado como parte de minha tese de doutorado (Flamenbaum et. al. 1995, J Dairy Sci 78:2221), a condição corporal de vacas de alto rendimento foi manipulada nutricionalmente no final da lactação anterior e no período seco para atingir alta ou baixa condição ao parto, programado para ocorrer no início do verão. Após o parto, as vacas de cada grupo de condição corporal foram divididas, sendo que metade das vacas foi resfriada intensivamente, enquanto a outra recebeu apenas sombra.

combinação de alta condição corporal ao parto com resfriamento intensivo das vacas após o parto no verão produziu a maior quantidade de gordura e proteína nos primeiros 150 dias de lactação e os piores resultados foram obtidos naquelas vacas que pariram em má condição corporal e sofreram estresse térmico no início da lactação, ocorrendo no verão.

Agora, vamos ao aspecto econômico de aumentar a gordura e a proteína do leite por resfriamento. Como podemos observar pelos números apresentados acima, a proteína do leite nas fazendas de ambas as regiões, SC e MG, cai de 3,4% na estação mais fria para 3,1% na estação mais quente (queda de quase 10%). Quanto à gordura do leite, a queda nas duas regiões é de 3,9% na estação mais fria para 3,5% na mais quente (queda de mais de 10%).

Em ambos os artigos apresentados acima, o resfriamento adequado das vacas tem o potencial de aumentar o percentual de proteína e gordura e o teor total no leite em pelo menos 10%. Em outras palavras, o resfriamento adequado das vacas na estação mais quente tem potencial para eliminar a queda de proteína e gordura no leite, então, a questão é qual o valor econômico dessa melhoria.

Para estudar este ponto, levei em consideração um exemplo de uma fazenda leiteira com 200 vacas, produzindo em média 25 litros por vaca/dia. Assumimos que metade do ano é caracterizada como estação mais fria, onde são alcançados os altos percentuais de proteína e gordura no leite, enquanto o resto do ano é uma estação mais quente, onde os menores percentuais de proteína e gordura são alcançados.

Ao implementar o tratamento de resfriamento adequado às vacas, podemos esperar um aumento de 14 kg de proteína do leite e 16 kg de gordura do leite por vaca, anualmente, para a mesma quantidade de ração consumida e leite produzido.

Com um preço real de mercado de R$ 25,9 por kg de gordura do leite, esperamos um aumento no valor líquido do leite produzido por vaca de R$ 415 por ano.Com um preço real de R$ 65,4 por kg de proteína do leite, podemos esperar um aumento no valor líquido por vaca de R$ 916 por ano e, no total, um aumento de R$ 1.330 no valor do leite por vaca anualmente, quase R$ 0,15 por litro de leite produzido anualmente (aumento de R$ 250.000 para esta fazenda específica).

Este aumento do valor económico do leite vem sem qualquer investimento adicional, pois, de acordo com o que mostramos em artigos anteriores publicados nesta revista, o investimento na implementação de meios de resfriamento já é pago em menos de um ano devido ao aumento previsto de produção anual de leite das vacas (volume) e a melhoria da eficiência alimentar.

Em outras palavras, o aumento do valor econômico do leite pela produção de mais proteína e gordura no leite é um “benefício líquido”, alcançado pelo setor lácteo brasileiro e pode ser compartilhado entre produtores, indústria e consumidores.

Agora vamos supor um novo cenário, onde produtores e indústria dividem esse benefício econômico de R$ 0,15 por litro (R$ 0,075 centavos cada). Neste caso, a renda anual de um produtor de 200 vacas será de R$ 125.000 (R$ 625 por vaca), enquanto uma indústria cooperativa, que por exemplo processa cerca de 500.000 litros por dia, aumentará seu benefício diário em quase R$ 40.000 (próximo a R$ 15 milhões anuais).

É interesse destas cooperativas ajudar os produtores a implementar o resfriamento adequado nas suas fazendas, concedendo-lhes empréstimos em boas condições, para comprar os equipamentos de resfriamento e prestar apoio técnico aos produtores, na instalação e funcionamento adequados dos sistemas nas suas fazendas.

Conhecendo as condições climáticas do Brasil, assumimos que em grande parte do país, incluindo as principais regiões produtoras de leite, as vacas são submetidas a condições de estresse térmico por mais tempo e, em alguns locais, durante a maior parte do ano. Portanto, a diferença na intensidade do estresse calórico entre as estações é muito pequena e praticamente as vacas sofrem estresse calórico quase o ano todo. Nesse caso, espera-se que o benefício econômico do resfriamento adequado das vacas seja maior do que o descrito neste artigo quanto ao aumento esperado do teor de proteína e gordura do leite.

O benefício para a indústria de lácteos brasileira com o resfriamento adequado das vacas pode ser ainda maior para a indústria de queijos (como o descrito para o setor de laticínios italiano), pois o rendimento do queijo pode ser aumentado em mais de 25%.

Será possível quantificar o “valor real” de resfriar adequadamente as vacas em diferentes partes do país, somente depois de obtermos informações suficientes das fazendas, onde nossas recomendações serão implementadas, e analisá-las junto com as cooperativas de produtores e processamento de leite indústrias. Esperamos ter esses números nos próximos anos e compartilhá-los com os leitores do MilkPoint. 

Fonte: MilkPoint

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