Reforma tributária não simplifica o sistema e não reduz impostos

Artigo traz pontos positivos e negativos do projeto de reforma tributária que possivelmente será votado no Congresso Nacional

O Brasil espera uma reforma tributária que reduza os impostos e desburocratize o sistema, deixando-o mais leve e inteligente. Porém, os projetos que estão em discussão no Congresso Nacional decepcionam, pois não estão indo em nenhuma das duas direções esperadas. A afirmação é do advogado e sócio sênior da PSQA Advogados, Sandro W. Pereira dos Santos, que explanou sobre “Reforma tributária: seus impactos positivos e negativos nas empresas” nesta semana, em webinar promovido pela Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC). A ação faz parte da campanha “Reforma tributária: se não for agora, será quando?”, lançada pela ACIC no ano passado.

Santos lembrou que até 1995 existia tributação de dividendos no Brasil. Foi quando a Receita Federal decidiu reduzir a informalidade e incentivar os investimentos e a economia real. Nesse período entrou em vigor a lei 9249 que foi uma grande reformulação no sistema tributário, principalmente em relação ao Imposto de Renda e à contribuição social. Definiu-se isentar dividendos e criou-se os sistemas de lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado. “A ideia era, com o lucro presumido, atrair para a formalidade a grande maioria das pequenas e médias empresas, reduzindo a informalidade, e preservar a competitividade”, relatou o palestrante.

De acordo com o advogado, isso persiste na realidade brasileira desde 1996. Porém, desde 2008 os sistemas tributários mundiais têm passado por uma reforma, surgindo mudanças como o fim do sigilo bancário, o maior controle de trânsito de informações e troca de informações fiscais entre os estados. Também ocorreram algumas crises mundiais: o 11 de setembro em 2001 e a crise das hipotecas em 2008 nos Estados Unidos e, no ano passado, a pandemia que provocou uma crise mundial.

“Todos vivenciamos uma coisa inédita: os governos imprimindo dinheiro para dar de graça para uma parcela da população. Nos Estados Unidos foram de US$ 3 a 4 trilhões de dólares e no Brasil dezenas de bilhões de reais. Sabemos que essa matemática não fecha, esse dinheiro iria sair de algum lugar e, infelizmente, chegamos em 2021 com essa proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Receita Federal, que é uma grande decepção. O Projeto de Lei 2337/2021 é possivelmente o mais pesado, o mais amplo, o mais agressivo e o mais fiscalista dos projetos dos últimos 20 anos”, avaliou, ao acrescentar que o governo afirma que não haverá aumento de carga tributária, somente mudança no foco da tributação. “Mas não é isso que enxergamos”, ponderou Santos.

O projeto 2337 é de autoria do Poder Executivo e está em tramitação na Câmara dos Deputados e faz parte da reforma tributária. A previsão era de votação nesta semana, mas houve adiamento em função de divergências entre os parlamentares sobre a proposta, que altera regras do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Também prevê reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), tributação dos dividendos e lucros distribuídos aos sócios e vários outros pontos. “Quando analisamos o projeto chegamos a 22 alterações de legislação e quase 80 revogações ou rescisões de benefícios, ou seja, é um projeto muito pesado e amplo”, frisou Santos.

Alterações na reforma tributária

Um dos exemplos de alterações é referente à tributação corporativa, com a mudança na tributação da distribuição de lucros e dividendos. Santos observou que o projeto pretende alterar um modelo que está em vigor há 25 anos. “A desculpa do governo é que o mundo inteiro tributa dividendos e o Brasil não. Mas os países da OCDE, por exemplo, ao tributar dividendos, têm uma sensível diminuição da alíquota no nível da empresa. Hoje, nos Estados Unidos o valor é de 21% e na União Europeia em torno de 20%”, expôs.

O projeto em debate no Congresso Nacional propõe tributação de 20% fixo em dividendos e redução de 25% para 22,5% a partir de 2022 e de 25% para 20% a partir de 2023. “Só que temos 20% de Imposto de Renda, 9% de contribuição social sobre o lucro e 20% sobre dividendos, ou seja, os 34% de hoje vão para 49%. Mas esse não é o ponto mais grave do pacote de maldades: a proposta traz uma novidade absolutamente inconstitucional que é a tributação retroativa da reserva de lucro a partir de janeiro do ano que vem. Além do aumento de carga tributária, o projeto propõe a tributação da reserva de lucro de balanço, ou seja, tudo aquilo que as empresas tiveram de resultado não distribuído nos últimos anos seria tributado”, explicou Santos.

De acordo com o palestrante, isso prejudica ainda mais a competitividade das empresas exportadoras que competem com Estados Unidos, Europa e Ásia. “Esse é um tema que nos preocupa muito. É importante a pressão da sociedade e dos órgãos empresariais em Brasília”, reforçou. Outro aspecto é o fato de 95% das empresas brasileiras serem familiares. Essas organizações têm por tradição reinvestir seus resultados para a expansão dos negócios. “É muito comum a empresa distribuir uma parcela pequena do seu resultado para seus acionistas e o restante reinvestir. Além disso, tem aquilo que chamamos de reserva de lucro contábil, ou seja, a empresa não tem o caixa correspondente àquela reserva contábil porque foi reinvestido”, acrescentou Santos.

Pontos positivos

Mas há pontos positivos no projeto? De acordo com Santos, existem alguns: a atualização de valor de imóvel, a atualização, ainda que tímida, da tabela do Imposto de Renda, a manutenção e a simplificação, de alguma forma, da tributação financeira. “Em termos gerais, nos preocupa sobremaneira o tema do dividendo na empresa, o tema da tributação retroativa do dividendo e a falta de compensação entre tributação de dividendo e alíquota do Imposto de Renda”, enfatizou.

Para o advogado, a discussão não pode ser a toque de caixa e o regime de urgência que o governo pediu no Congresso não faz sentido. “A sociedade civil precisa ser chamada para o debate, a classe empresarial precisa ser ouvida. O grande argumento do empresariado brasileiro é: nós precisamos ser competitivos em níveis globais. O adequado seria ter alíquotas em torno de 15%, no máximo 18% no nível da empresa e de 10% ou 15% no máximo em relação a dividendos. Com isso, seríamos competitivos globalmente”, finalizou Santos.

O diretor de Assuntos Econômicos e Tributários da ACIC, Valdir Lucatelli, frisou que as propostas em discussão no Congresso mudam frequentemente, sendo difícil antecipar e entender o impacto que causarão nas empresas e para os contribuintes. “É um tema complexo e que merece nossa atenção, acompanhamento e cobrança, pois a reforma tributária precisa resolver os problemas, simplificar o sistema tributário e não deve aumentar os impostos. O que vemos agora é uma proposta injusta que aumentará os impostos, a burocracia e as dificuldades para empreender”.

O presidente da ACIC, Nelson Eiji Akimoto, ressaltou que o objetivo da entidade com essas ações é levar consciência tributária e administrativa às pessoas. “É preciso conhecer e entender para poder cobrar com mais efetividade e fazer pressão nos parlamentares. A ACIC tem feito esse papel com diversas atividades desenvolvidas a partir da campanha ‘Se não for agora, será quando?’”, expôs, ao salientar que a entidade defende uma reforma tributária justa, que reduza e simplifique os tributos no Brasil.

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