Diretor do Ministério da Agricultura vê crise no agronegócio e avalia que novas recuperações judiciais estão por vir, inclusive de empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira
O diretor de gestão de risco agropecuário do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Jonatas Pulquerio, disse, em conversa com o portal de notícias financeiras, Money Times, que o agro do Brasil vive um problema estrutural, com uma crise desencadeada pela queda dos preços das commodities e quebras de safra por problemas climáticos. O setor acendeu um alerta após o pedido de recuperação judicial da AgroGalaxy, Portal Agro e de rumores sobre a Lavor
Em conversa com o portal de notícias o diretor ainda disse que tem conversado com muitos executivos do setor e que há chance para novos pedidos de recuperação judicial dentro do setor ainda em 2024, até mesmo para empresas listadas na Bolsa.
Pulquerio reforça que o grande problema é a falta de liquidez com o vencimento de dívidas de curto prazo. “É difícil prevermos outros casos (de RJ’s de empresas do agro listadas). Mas a realidade que me passaram na conversa com a Aqua Capital é de que o produtor está com problemas. E se esse cenário existe, vamos ver outros pedidos de recuperação judicial”.
Onda de recuperações judiciais no agro
Na semana passada, a varejista de insumos agrícolas e serviços AgroGalaxy protocolou um pedido de recuperação judicial, dando sequência a uma onda de pedidos que tem sido vista no país num cenário de preços de commodities em queda e ocorrência de eventos climáticos extremos, como inundações e secas sem precedentes.
Cresce número de pedidos de recuperação judicial no agronegócio. No primeiro trimestre de 2024, o cenário do agronegócio brasileiro apresentou um aumento significativo no número de pedidos de recuperação judicial feitos por produtores rurais que atuam como pessoa física, um crescimento superior a 80%, conforme apontou Serasa Experian. Tendência essa que, segundo analistas, acendia alguns alertas no caso do agronegócio brasileiro.
- Produtores pessoa jurídica que pedem recuperação judicial é o maior desde 2018
- Recuperações judiciais no agro disparam 300%
Segundo dados da provedora de dados de crédito Serasa Experian, foram registrados 106 pedidos de recuperação judicial entre os produtores rurais que atuam como pessoas físicas, o que representa um crescimento de 83,9% em comparação ao mesmo período de 2023. Esse aumento acendeu um alerta no setor, apesar de especialistas indicarem que não há uma crise iminente.
Por conta desse movimento o Banco do Brasil, segundo maior banco do país em ativos totais, iniciou em junho uma campanha para evitar pedidos de recuperação judicial, disse um executivo sênior na quarta-feira, sob a leitura de que o processo, que ganhou impulso recente, é danoso para o setor.
“O processo de recuperação judicial pra produtores rurais não é saudável”, disse o vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do BB, Felipe Prince.
“Ele coloca em risco o patrimônio dos produtores, que são as terras, e ele fecha para eles a possibilidade de novas concessões de crédito. E o agronegócio é cíclico, você precisa de recursos para iniciar uma safra.”
Plano Safra defasado
Para o diretor do Mapa, o Plano Safra, que completa 30 anos em 2026, e que foi concebido em um cenário onde o produtor rural buscava crédito apenas em bancos, precisa ser repensado. Segundo ele, o programa foi estruturado para o sistema bancário, e hoje, pela a evolução do setor, os bancos deixaram de ter exclusividade no financiamento ao setor.
“Atualmente, os produtores buscam crédito no mercado de capitais, e o pequeno agricultor, em especial, nas revendas. Com isso, as revendas, que estão fora do sistema, atuam como se fossem um banco, liberando crédito através de insumos. O Plano Safra está desconectado da realidade, precisamos repensá-lo com outra ótica”, discorre.
O diretor diz que o Plano Safra deveria ter levado em conta o mercado de capitais há tempos, e que a política agrícola do Ministério da Agricultura precisa de uma oxigenação de perfil e gestores.
“O Plano Safra está do mesmo jeito há quase 30 anos, atendendo apenas o sistema bancário, que lucra muito com as operações. O Banco do Brasil (BBAS3) é um exemplo claro, ele só vive do Plano Safra”.
Clima extremo pode elevar preço dos produtos
Secas, chuvas torrenciais e incêndios da Ásia às Américas geram preocupações com safras no mundo todo e já pressionam os preços das commodities agrícolas, o que pode acabar repercutindo no bolso do consumidor. O Bloomberg Agriculture Spot Index — que acompanha as cotações de nove dos principais produtos agrícolas — caminha para um ganho mensal de cerca de 7%, o maior desde que a invasão russa da Ucrânia fez os preços dispararem no início de 2022.
Embora ainda esteja longe do pico daquele ano, a alta ocorre em meio a impactos climáticos do Brasil ao Vietnã e Austrália, com perdas para a produção de açúcar, grãos e café.
Enquanto isso, os futuros de soja caminham para a maior alta mensal em dois anos, enquanto o Brasil enfrenta sua pior seca em décadas. As condições áridas — que restringiram o ritmo do plantio — devem persistir em algumas áreas, segundo a Maxar. E os incêndios nas plantações de cana do país elevaram os futuros de açúcar em quase 17% este mês.
O café arábica atingiu a cotação mais alta desde 2011 com o mau tempo no país, que afeta as árvores durante o período crucial de floração. A variedade robusta, geralmente mais barata, também foi atingida pelo mau tempo, e se tornou quase tão cara.
A seca em grande parte do norte e centro-oeste do Brasil provavelmente continuará a ameaçar as safras, segundo analistas do JPMorgan. Além disso, o mercado está de olho nas tensões no Oriente Médio e no Mar Negro, e em como o resultado da eleição nos EUA deve impactar as relações comerciais com a China, de acordo com especialistas.
Em sua última projeção da safra 2023/24 a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica uma redução de 21,4 milhões de toneladas em relação ao volume obtido no ciclo anterior. Mato Grosso, o maior produtor nacional de grãos e fibra, contabiliza perdas de 7,7 milhões de toneladas, o que, em percentual, revela retração entre safras de 7,7%.
A diminuição, segundo a companhia, se deve, sobretudo, à demora na regularização de chuvas no início da janela de plantio, aliada às baixas precipitações durante parte do ciclo das lavouras nos estados do Centro-Oeste, além de Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia, São Paulo e Paraná.
Queimadas: o agro é o setor mais prejudicado do Brasil
Os incêndios devastaram pelo menos 2,8 milhões de hectares de terras produtivas, causando perdas estimadas em R$ 14,7 bilhões para o setor agropecuário, segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O impacto atinge diferentes culturas, como a pecuária, cana-de-açúcar e outras plantações, além de prejuízos com cercas.
Enquanto produtores brasileiros lideram o uso de técnicas de agricultura de baixo carbono, combatendo as mudanças climáticas com metas de redução de emissões, os incêndios criminosos prejudicam esses esforços. Assim como toda a sociedade e o meio ambiente, os produtores também são vítimas dessas práticas criminosas.
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