A recuperação judicial não é uma estratégia para não pagar dívidas, mas sim um mecanismo legal que visa a preservação da atividade rural
Por Leandro Marmo* – Em tempos de crise econômica, a recuperação judicial tem sido um tema de intenso debate, especialmente no setor agropecuário. Críticos apressam-se em rotular o processo como um meio para dar “calote” nas dívidas. Contudo, essa visão simplista e desinformada ignora os princípios e os benefícios fundamentais que a recuperação judicial oferece, principalmente aos produtores rurais.
A recuperação judicial não é uma estratégia para não pagar dívidas, mas sim um mecanismo legal que visa a preservação da atividade rural, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Ela permite que negócios rurais economicamente viáveis, mas que enfrentam dificuldades financeiras temporárias, tenham a chance de reestruturar suas dívidas e continuar suas operações, evitando o desfecho extremo da falência.
Para o produtor rural, o processo de recuperação judicial é ainda mais vital. A agricultura, por natureza, é uma atividade repleta de riscos, enfrentando desafios como variações climáticas, flutuações de mercado e diversos outros fatores que fogem ao controle do produtor. No ano de 2024, essas adversidades são agravadas por outros elementos, incluindo o aumento dos custos de produção, a diminuição dos preços das commodities, a consequente redução da margem de lucro, e um fator determinante: o fenômeno El Niño.
Quando esses riscos se materializam, o impacto financeiro pode ser devastador. Aqui entra a recuperação judicial como um balão de oxigênio, permitindo a suspensão das execuções de dívidas e abrindo espaço para negociações que podem incluir descontos significativos e prazos estendidos para pagamento.
Argumentar que a recuperação judicial é um caminho para o calote é ignorar que o processo exige a aprovação de um plano de reestruturação pelos credores, sob supervisão judicial. Isso significa que qualquer acordo é feito com o consentimento das partes envolvidas, buscando o equilíbrio entre a necessidade de sobrevivência do produtor e os direitos dos credores. Além disso, o produtor que busca a recuperação judicial está se comprometendo a uma reorganização sob critérios rigorosos, demonstrando uma vontade de pagar suas dívidas, não de fugir delas.
A recuperação judicial, portanto, não é uma maneira fácil de escapar das obrigações financeiras. Pelo contrário, é um processo complexo, que exige transparência, negociação e compromisso das partes envolvidas. Para muitos produtores rurais, representa a única esperança de preservar suas atividades, proteger os empregos e, eventualmente, satisfazer os credores sob condições justas e viáveis.
Condenar a recuperação judicial como um “calote” é não apenas uma injustiça àqueles que lutam para salvar suas empresas e sua subsistência, mas também uma incompreensão sobre como a economia funciona. Sem ela, muitas operações viáveis seriam desnecessariamente perdidas, com impactos negativos não só para os produtores e seus credores, mas para a economia como um todo.
Em vez de estigmatizar a recuperação judicial, deveríamos reconhecer seu valor como uma ferramenta legal essencial para a sustentabilidade do setor agrícola. Ao oferecer uma segunda chance para negócios enfrentando adversidades temporárias, ela desempenha um papel crucial na estabilização econômica e na manutenção da produtividade agrícola do país. Assim, é fundamental que a sociedade e os agentes econômicos vejam a recuperação judicial sob uma perspectiva justa e informada, reconhecendo-a não como um meio de evasão de dívidas, mas como um caminho para a recuperação e continuidade.
*Leandro Marmo, advogado especialista em direito do agronegócio, CEO do escritório João Domingos Advogados.
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