O episódio climático pode ser visto como momento de reflexão, para repensar os modelos de produção, retomando parâmetros conservacionistas e reconstruindo um ambiente mais limpo, eficiente e rentável ao agronegócio.
Pelo menos R$ 6,6 bilhões serão necessários para recompor as condições de solo em 3,2 milhões de hectares destinados à atividade agropecuária no Rio Grande do Sul, após as chuvas extremas de abril e maio. Especialmente em uma área de 900 mil hectares que abrigam cerca de 17 mil propriedades rurais nos vales do Taquari, do Caí e do Rio Pardo, da Serra, Lagoa dos Patos e encosta do rio Uruguai, no oeste gaúcho.
A estimativa é da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). E, para o diretor do Departamento de Defesa Sanitária Vegetal da pasta, agrônomo Ricardo Felicetti, o episódio climático pode ser visto como momento de reflexão, para repensar os modelos de produção, retomando parâmetros conservacionistas e reconstruindo um ambiente mais limpo, eficiente e rentável ao agronegócio.
“Com práticas de conservação nas cabeceiras dos cursos d’água, poderíamos ter evitado boa parte dos estragos causados pelas chuvas. Agora é hora de estimular o uso da assistência técnica, para ajudar a pavimentar um formato que vá nos dar resultados melhores. Talvez não para a safra seguinte, mas para 10 safras, será decisivo”, afirma.
O agrônomo ressalta a carga de dificuldades imposta às terras do estado nos últimos anos, com três estiagens e uma enxurrada. Enquanto se pensava em criar estruturas de armazenamento da água, o episódio das chuvas mostrou o outro lado do problema. “Sem solos preservados e manejo adequado para drenagem e conservação, não há como resistir”.
No centro desse discurso está a defesa da renovação em apostas como o uso de terraços agrícolas e curvas de nível nas lavouras, difundidos desde a metade do século passado como ferramentas capazes de oferecer produtividade com menor impacto ao ambiente.
“Com o passar do tempo e a chegada do plantio direto, na década de 1970, muitos produtores pensaram que os gastos com terraceamento e as curvas de nível não seriam mais necessários. Mas são complementares. É preciso rever isso”.
Atualmente, cerca de 3 milhões de hectares, dos 17 milhões destinados à agropecuária e outros fins no Estado, usam plantio direto. E a meta do governo é levar essa prática para mais 600 mil hectares até 2030.
A recuperação dos solos e da base produtiva é prioridade para o Estado. Segundo o especialista, existe uma grande variação no impacto das águas, mesmo dentro da chamada “mancha de enxurrada”. Há áreas em que foi removida toda a matriz de solo, deixando apenas a rocha. E outras por sobre onde muitos materiais arrastados acabaram sendo depositados.
“Essa perturbação do solo agrícola precisa ser corrigida. Mas não se obtém resultados de um ano para o outro. Recompor uma fração mineral pode levar milênios, enquanto uma fração orgânica levaria talvez 10 anos”.
Felicetti estima que para viabilizar solos adequados e com parâmetros produtivos anteriores, serão necessários pelo menos cinco anos. Mas destaca que já há iniciativas, como os programas ABC + RS, para agricultura de baixo carbono, e o Recuperar para Produzir, ambos do governo do Estado. Mas além desses, técnicos da pasta seguem ajustando um programa emergencial que deverá ser lançado em breve para auxiliar na retomada da produção após os estragos da catástrofe. O programa vem sendo construído com a participação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E uma das questões ainda pendentes diz respeito à disponibilização de recursos para financiar a reestruturação das propriedades.
“É como a fundação das nossas casas. Precisamos que seja firme e forte para sustentar o que iremos depositar em cima. Já havíamos detectado essa necessidade antes das chuvas. E estávamos trabalhando no tema. Agora, porém, precisamos acelerar os processos, pois o tempo da agricultura não espera”, observa.
O programa vem sendo construído com a participação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E uma das questões ainda pendentes diz respeito à disponibilização de recursos para financiar a reestruturação das propriedades.
Conservacionismo assegura produtividade com menor agressão ao ambiente
Na pequena propriedade rural do agricultor Marcos André Thiesen, no interior do município de Vale Verde, no Vale do Rio Pardo, a produtividade nas lavouras de fumo costuma ser de 30% a 50% superior à média obtida em terras vizinhas. Em fase final da semeadura, que deve alcançar 75 mil pés de tabaco, ele não espera resultado diferente, mesmo após a enxurrada que atingiu a região entre abril e maio.
A receita de segurança, explica, está no cuidado com o solo, base primordial de uma agricultura rentável. Thiesen está na atividade desde pequeno, seguindo os passos da família. E ali, a busca por conhecimento e aprendizado sempre apontaram o caminho da sustentabilidade.
Análises regulares de solo, descompactação da terra, adubação quando necessária e o apoio da assistência técnica e da extensão rural quando demandada permitiram a consolidação de um ecossistema eficiente para o modelo produtivo escolhido. A família, que também desenvolvia a bovinocultura leiteira, acaba de abandonar a atividade, por conta das dificuldades constantes do setor. Mas o problema nunca foi dentro da porteira – ele sempre recebeu bônus da empresa para a qual entregava o produto, por conta da alta qualidade.
À época, a propriedade implantou o silvo-pastoreio, com áreas de sombreamento nos piquetes, para dar mais conforto aos animais em épocas de muito sol e calor. “Com isso, evitamos também a incidência de doenças e obtínhamos uma produção de 300 litros diários de leite com nossos 20 ventres em produção. E, com pastagens perenes, como a braquiária e o tifton, por exemplo, assegurávamos boa alimentação e cobertura do solo”, conta.
E, nas lavouras, a produção em terraços agrícolas, com uso de curvas de nível, promovem a retenção hídrica, bem como a redução da velocidade da água sobre a superfície, evitam a erosão, reduzindo necessidade de investimentos em correção. O modelo agora seguirá com fumo, milho e pecuária de corte, com animais para terminação.
O produtor aprendeu que essa postura assegura, a longo prazo, uma condição eficiente e equilibrada de produção. “A resposta não é imediata. Mas, pouco a pouco, vai construir um ambiente estruturado, com base na preservação do ambiente, já com foco na sucessão da propriedade”, conclui.
Fazenda centenária busca pecuária com baixa emissão de carbono
Em Cacequi, na Região Central, a Fazenda Itapevi, fundada em 1903 e que vem sendo administrada pela 5ª geração da família, tem uma meta: desenvolver uma pecuária regenerativa, visando sustentabilidade em todo o sistema. Assim resume o zootecnista Otavio Paiva, que há 30 anos administra a propriedade de 4 mil hectares, conduzida em um sistema pecuário de reprodutores Braford e Brangus integrado com lavouras de soja e arroz.
O grupo introduziu o plantio de eucalipto em um modelo silvo-pastoril para melhoramento dos solos frágeis, com dificuldade produtiva e suscetíveis a secas. “Entramos com a produção de madeira e, posteriormente, introduzimos gramíneas como braquiárias e capim pânicum, por serem tolerantes a secas. E agora estamos em planejamento para um sistema econômico, viável e ecológico”, diz Paiva, de Buenos Aires, na Argentina, onde participa da tradicional Feira de Palermo em busca de alta genética bovina para imprimir sobre seus plantéis.
Para controlar a erosão, toda a encosta do rio Santa Maria, na divisa com o rio Itapevi, recebeu o que ele chama de uma “bordadura de eucalipto”. O objetivo era fazer com que a mata nativa pudesse crescer e se interligar com as braquiárias implantadas na propriedade. Depois disso, conta Paiva, nunca mais tiveram problemas decorrentes de enchentes, diferentemente das propriedades vizinhas.
Na gestão agrícola, o cultivo de arroz e soja é alternado com pastagens no inverno. E a preferência é pela adubação orgânica. A Itapevi desenvolve uma série de projetos, inclusive com o apoio da Embrapa, sempre buscando chegar à produção pecuária com baixa emissão de carbono, assim como o desenvolvimento sustentável do modelo da propriedade.
Fonte: Jornal do Comercio
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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