Rastreabilidade: impacto no mercado de boi gordo brasileiro

A Rastreabilidade, quando bem conduzida, te entrega um panorama completo da sua propriedade rural, sendo sua tomada de decisão com segurança e garantia.

Scot Consultoria: Consolata, olhando um pouco para o passado, como foi sua trajetória na área de rastreabilidade, e quais marcos você vivenciou ao longo dessa jornada? Acredita que uma maior adesão a rastreabilidade pelos produtores, pode diminuir as inconsistências e embargos na exportação?

Consolata Piastrella: Conheci a rastreabilidade ainda na minha graduação em zootecnia. Foi uma ferramenta extraordinária, que encontrei, na ocasião, para conseguir gerir as propriedades rurais que faziam parte do meu TCC (Tese de Conclusão de Curso), que foi intitulado na época como “Controle de Qualidade da Carne Bovina do Pasto à mesa do consumidor” – minha trajetória sempre foi voltada para desmistificar a rastreabilidade, que foi introduzida no Brasil de uma maneira muito “injusta” com a própria ferramenta. Ela veio imersa na frase: “É um caminho sem volta.” – mas o que sempre me chamava atenção era: Por que nesse caminho existem tão poucos pecuaristas? A Rastreabilidade, quando bem conduzida, te entrega um panorama completo da sua propriedade rural, sendo sua tomada de decisão com segurança e garantia, atestando não só para um único mercado, mas, para todo Brasil seu comprometimento com a segurança do alimento e com todas as normas e diretrizes que o rege. E por esse motivo, para mim, o maior marco, que foi uma mudança de chave para nossa cadeia produtiva da carne, foi o embargo de 2008 da União Europeia, naquele momento ocasionou-se uma profunda instabilidade, todos acreditavam que o fato de um mercado embargar nossa carne não impactaria tanto a nossa cadeia, afinal era apenas um “embargo”. Mas aquela situação nos trouxe uma virada de chave significativa, pois ali os que realmente queriam mostrar o que de fato já estavam entregando, como qualidade e segurança, vestiram a camisa de verdade e começaram a apresentar seus grandes feitos, suas entregas e seu comprometimento em exportar uma carne de qualidade e com segurança. Foram meses árduos, mas meses que transformaram a rastreabilidade “burocrática” em algo que de fato fosse viável para todos os envolvidos. Conseguimos aparar muitas arestas e retirar “o joio do trigo”. Hoje, a rastreabilidade além de ser essa excelente ferramenta de gestão, ela se tornou pontual, dinâmica e digital, o que facilitou expressivamente todo processo, não só para o mesmo ser auditado, mas para a agilidade dos manejos nas propriedades rurais e nos frigoríficos. Nesse sentido, e sem nenhuma dúvida, a adesão dos produtores à rastreabilidade, diminuiria sim, e categoricamente, as inconsistências e embargos na exportação. Quando você padroniza processos, você consegue identificar onde as falhas ocorrem, e ali implementar para que retorne aos padrões.

Scot Consultoria: Quais são os principais desafios enfrentados pelo produtor no momento de implementar sistemas de rastreabilidade em sua propriedade? As dificuldades enfrentadas, são as mesmas para o pequeno e para o grande produtor?

Consolata Piastrella: Eu brinco que temos o gargalo do século, mas é uma brincadeira que é verdade. Mão-de-obra é o desafio do produtor, sempre foi, mas mão-de-obra especializada no digital é mais ausente ainda nos nossos meios rurais, ela compromete tanto o pequeno, como o médio e o grande produtor.

Scot Consultoria: O valor agregado e os controles assegurados pela rastreabilidade, pensando além da exportação, superam as dificuldades (burocráticas e operacionais), e o aumento no custo da produção?

Consolata Piastrella: Existe uma frase de Santa Teresa D’Ávila que nos diz o seguinte: “É justo que muito custe o que muito vale.” O valor agregado e os controles assegurados pela rastreabilidade sempre superaram as dificuldades, sejam elas burocráticas ou operacionais, sempre superaram, mas, infelizmente muitos se decepcionaram com a baixa na bonificação, que mesmo baixa, ainda entrega diferenciais significativos, especialmente em períodos de baixa do ciclo pecuário, como este que estamos saindo. Sem mencionarmos que os controles nos asseguram a sairmos do estigma que sempre nos derrubou nos mercados internacionais, o “famoso” “jeitinho brasileiro”, com controles detalhados, auditáveis e seguro, esse “rótulo” é desvencilhado.

Scot Consultoria: Além dos sistemas já existentes, GTA e SISBOV, recentemente o governo brasileiro anunciou o lançamento do Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB) com o objetivo de aprimorar a rastreabilidade, com implementação gradual ao longo dos próximos sete anos. Pensando na operacionalidade do sistema, qual a diferença entre o SISBOV e PNIB?

Consolata Piastrella: Eu sempre fui apoiadora da rastreabilidade, porque ela é essa ferramenta de gestão, de controle, de segurança, sem mencionarmos que todos os grandes e principais mercados do mundo exportadores de carne bovina, possuem sua rastreabilidade individual, mas nunca fui a favor de nada obrigatório. No entanto, a implementação de uma “nova” rastreabilidade, a meu ver, não havia necessidade, uma vez que já temos um sistema robusto implementado a mais de 15 anos no mercado como é o SISBOV. Meu pai sempre me dizia que ao trocar um caminho “velho” por um caminho “novo” você sabe o que está deixando, mas não sabe onde está entrando. Não sou contra um novo sistema, mas o SISBOV poderia ter sido essa plataforma. De maneira bem enxuta, suas diferenças estão na inclusão da cadeia leiteira de forma obrigatória. Quanto a identificação do animal nascido na propriedade, que muitas reportagens estão publicando que não terá a obrigatoriedade de identificar no nascimento, mas na primeira movimentação do animal ou na vacinação de brucelose, o SISBOV também não exige ao nascimento, mas na desmama (até os 10 meses) ou quando da sua primeira movimentação. A numeração implementada será a 076, o SISBOV faz uso atualmente da 105, mas pela própria IN 51 de 1 de outubro de 2018, existe uma alteração que será voltada para 076 também. No mais, a sincronização da GTA com a numeração, para os casos de movimentação, isso também já é feito pelo SISBOV. No entanto, a única rastreabilidade, para exportação para União Europeia e Hilton permanece o SISBOV, até o momento. Lembrando que para o SISBOV a adesão é voluntária.

Scot Consultoria: De que forma você acredita que essa implementação impactará a cadeia produtiva no Brasil e quais os desafios previstos até 2032? Existe alguma expectativa de subsídio do governo para essa implementação?

Consolata Piastrella: Tudo que envolve entregar produtos que possam assegurar linhas de processos e eles serem auditáveis, além de otimizar o sistema, aumenta a confiabilidade dos dados apresentados e da fiscalização, condicionando inclusive uma gestão mais eficiente na produção dos bovinos na propriedade rural, facilitando também as tomadas de decisões para o produtor. Nesse sentido, a implementação impactará de forma positiva a cadeia produtiva de carne bovina do Brasil, podendo até nos projetar a mercados, como o Japão e a Coreia do Sul, que pagam mais pela carne, mas que uma das exigências, desses países, é de que a carne seja proveniente de área livre de febre aftosa sem vacinação, status que o Brasil deverá ter em maio. Agora, garantir que até 2032 100,% do nosso rebanho esteja rastreado, acredito que para um rebanho com a nossa magnitude esse prazo será um grande desafio. Quanto aos subsídios, até o momento algumas frentes garantem apenas os custos dos identificadores, outros informam que terá o custo da aftosa, mas nada que eu possa assegurar que é legítimo.

Fonte: Scot Consultoria

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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