Rastreabilidade animal em sistemas extensivos de cria de bovinos de corte

A rastreabilidade animal se destaca à medida que cresce a demanda do consumidor por informações da procedência e da qualidade dos alimentos que consomem e qual seu impacto sobre a sua pegada de carbono e hídrica.

O Brasil tornou-se um dos maiores exportadores de carne bovina em um mercado global altamente competitivo. A ascensão do país se deve ao sucesso na adoção de novas tecnologias de nutrição (forrageiras tropicais adaptadas ao ambiente, sal mineral, suplementos ureados e proteicos, silagens, etc.) e reprodução animal (inseminação artificial em tempo fixo, desmama precoce, etc.). Junto a essas tecnologias, a modernização via novas ferramentas de gestão, com foco na redução de custos, na diluição dos riscos e nos ganhos de sustentabilidade tem garantido ao Brasil papel de destaque como um dos principais players na produção de proteína e derivados de bovinos. O emprego da biotecnologia reprodutiva e o uso de reprodutores e matrizes com seleção genética de qualidade também têm sido
responsáveis por saltos de produtividade. Um programa federal de qualidade e de boas práticas visando a sanidade animal tem, também, garantido a certificação internacional do Brasil como livre da febre aftosa.

Nesse contexto, objetivando dar transparência e confiança aos processos produtivos, tornam-se de extrema importância os sistemas de identificação e registro de animais. Estes foram desenvolvidos, principalmente, por associações de raças e criadores para dar suporte aos produtores na gestão de seus rebanhos. A partir da década de 1980, a questão da sustentabilidade dos alimentos vem ganhando importância para o poder público e para os mercados, mas especialmente do ponto de vista dos consumidores.

O cenário que o produtor de carne hoje enfrenta é muito diferente daquele observado no passado. Houve mudanças importantes de estratégia e de protagonismo do consumidor, de tecnologias, de parcerias entre os elos da cadeia produtiva e, principalmente, no comércio internacional atento aos impactos ambientais. A produção de carne bovina está passando de um sistema produtor de commodities para uma situação de produtor de carne certificada, com o objetivo de atingir o maior número possível de consumidores que buscam encontrar produtos alinhados aos seus valores ou crenças.

Os aspectos ou valores culturais da produção animal são chaves no estabelecimento do vínculo entre o consumidor e atributos especiais de um produto oferecido por um ou mais produtores vinculados a um protocolo ou certificação, ligado ou não a um referencial geográfico. Assim, as características, até certo ponto intangíveis, dos alimentos passam a ser definidas como características únicas, sendo crucial para um modelo de negócio voltado ao consumo consciente. Cabe aos mercados a identificação das oportunidades e a superação dos desafios para proporcionar o abastecimento de carne certificada por protocolos de produção animal atestados pelas certificadoras.

Produtos com marcas e selos para todas as escalas de produtores de carne devem ser o diferencial, a exemplo dos protocolos privados do AgriTrace da CNA/Senar. Podem-se destacar pontos específicos dos diferentes protocolos de produção relacionados às características de saúde ambiental, ao sistema orgânico de produção, aos aspectos relacionados à sustentabilidade e ao bem-estar animal, etc. Cada vez mais os consumidores estarão preocupados com aspectos socioambientais, culturais, fair trade e hábitos saudáveis, criando condições favoráveis para a transformação digital com foco na origem do produto, e que este seja rastreado e certificado.

Neste contexto, a rastreabilidade animal se destaca à medida que cresce a demanda do consumidor por
informações da procedência e da qualidade dos alimentos que consomem e qual seu impacto sobre a sua pegada de carbono e hídrica. Portanto, novos mercados de certificação e rastreabilidade vêm surgindo para lidar com a questão da demanda pública e privada por sustentabilidade de produtos agropecuários. A exigência de transparência de ações nas cadeias produtivas é condição necessária para garantir a manutenção da credibilidade por meio do acesso à informação, seja ela de caráter geográfico, ambiental, sanitário, manejo, etc. No caso da rastreabilidade de bovinos de corte, a Embrapa e seus parceiros vêm trabalhando na criação de sistemas digitais confiáveis e verificáveis quanto à identidade e movimentação dos animais.

A rastreabilidade tornou-se reconhecida como uma ferramenta essencial para a segurança alimentar e a
qualidade dos alimentos. Várias organizações mundiais estabeleceram diretrizes internacionais de identificação de gado, sendo elas, a Organização Mundial de Saúde Animal, a Organização Mundial do Comércio, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e o Codex Alimentarius, as quais reconheceram mundialmente um valor significativo no avanço dos sistemas de identificação (ID) e rastreabilidade de bovinos. Os sistemas de rastreabilidade foram desenvolvidos como ferramentas para melhorar a transparência das cadeias de suprimento, garantindo assim a qualidade e segurança dos produtos alimentares, resultando num compartilhamento efetivo de informações entre as empresas da cadeia produtiva de fornecimento de carne bovina.

Atualmente, a rastreabilidade em vigor no país, definida na Lei nº 12.097/2009, baseia-se no cadastro de
propriedades rurais feito pelos próprios produtores nos serviços veterinários estaduais (SVEs); identificação coletiva dos animais (quando é informada a propriedade de procedência dos animais); e expedição da Guia de Trânsito Animal (GTA) pelos SVEs para fins de controle da movimentação do lote de animais entre a propriedade de procedência e o estabelecimento de destino. O sistema de rastreabilidade baseado na identificação animal coletiva não possibilita ao Serviço Veterinário Oficial conhecer as informações pormenorizadas referentes ao histórico de vida de cada animal movimentado entre distintas propriedades rurais situadas no território nacional. Por este motivo, vários países na América do Sul e outras regiões do mundo já adotaram a identificação animal individual como forma de aperfeiçoamento dos seus sistemas de rastreabilidade.

Ao implementar, em 2002, o Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (SISBOV), o Brasil realizou a iniciativa para estabelecer um sistema eficaz de rastreabilidade de bovinos. O programa
utiliza tecnologias de identificação individual e documentação rigorosa para monitorar o histórico de vida dos animais, desde o nascimento até o abate. Cada animal recebe um número de identificação único, permitindo que sua trajetória seja rastreada ao longo de toda a cadeia produtiva. O principal propósito do SISBOV é proporcionar aos consumidores nacionais e internacionais a garantia de que a carne bovina brasileira atende a padrões de qualidade, segurança e origem. Isso é crucial para a manutenção e a expansão dos mercados de exportação de carne, uma vez que muitos países impõem requisitos rígidos em relação à rastreabilidade e à segurança alimentar.

Cabe salientar que o processo que envolve a produção de carne bovina é complexo (pois envolve uma cadeia produtiva multiagentes) e de longa de duração (pois envolve várias etapas de produção). O ciclo completo de produção da cria do bezerro até o seu abate, quando adulto, depende do sistema de manejo adotado e da qualidade genética dos animais, entre outros fatores. As melhores práticas de cria, normalmente associadas a sistemas extensivos, incluem o estabelecimento de estação de monta, controlando o período de nascimento dos bezerros para obtenção de melhores índices zootécnicos, de até um bezerro por matriz a cada ano. Além da eficiência com os cuidados sanitários com todo rebanho de cria, especialmente com os bezerros. Após o nascimento, há um período de 6 a 8 meses para a desmama, porém até o abate dos animais podem se obter animais entre 13 e 15 meses em sistemas intensivos (engorda em confinamento) e, até mais de 30 meses, em sistemas extensivos.

Na fase de cria, o sistema extensivo, tendo como base o uso de pastagens cultivadas ou nativas, constitui o modal de manejo no Brasil, explorando grandes extensões de terras cobertas por forrageiras, aliado à
suplementação alimentar estratégica. As matrizes, no sistema de manejo de pastejo contínuo, permanecem em uma mesma área durante todo seu ciclo de vida. Neste sistema, são definidos importantes índices reprodutivos e zootécnicos como taxas de prenhez, natalidade e desmama e de ganho de peso em diferentes períodos até a desmama, entre outros.

Neste sentido, com intuito de proporcionar transparência de processos em todas as fases de produção
animal, a Embrapa e o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) vêm consolidando um modelo de
transformação digital para os protocolos do Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e
Búfalos (SISBOV) e privados do AgriTrace da CNA/Senar. A API BovTrace na Plataforma AgroAPI tem a
capacidade de padronizar terminologias, tipos e formatos de dados para a criação de uma base única de
dados para o MAPA e CNA/Senar. O modelo conceitual da API BovTrace deriva de experimentações em
campo, da organização do conhecimento sobre protocolos de produção animal e do desenvolvimento de um aplicativo para a comercialização digital de animais. A API BovTrace oferece aos detentores de protocolos privados do AgriTrace a capacidade de compartilhar de forma segura e inviolável dados digitais padronizados da movimentação individual de animais entre estabelecimentos privados associados a um protocolo.

Rastreabilidade Animal em
Sistemas Extensivos de Cria de
Bovinos de Corte
Foto: Divulgação. Brincos (SISBOV codificados) utilizados na identificação dos animais.

Outras informações acessórias armazenadas foram:

a) Cadastro de usuários;
b) Registro de Transações de compra e venda;
c) Registro de lote;
d) Inserção e leitura dos códigos dos animais; e
e) Produtor / Associação.

Dados oficiais padronizados serão inseridos pelo detentor do protocolo na API BovTrace, disponível na
Plataforma AgroAPI. Novas movimentações dos animais também serão registradas na API BovTrace até
que os animais sejam destinados ao abate no frigorífico. Espera-se que, como resultado do presente
modelo de transformação digital, ocorra a ampla adoção dos demais protocolos SISBOV e AgriTrace da
API BovTrace.

Vacas rastreadas com seus bezerros em pastagem nativa
no Pantanal de Aquidauana.
Foto: Roosevelt Silva – Vacas rastreadas com seus bezerros em pastagem nativa no Pantanal de Aquidauana.

Uma vez resolvida a padronização de dados, bem como a garantia de sua inviolabilidade pela API
BovTrace, avanços tecnológicos serão necessários para a identificação animal. Atualmente os brincos
numerados e brincos RFID (Figura 1) resolvem parte do problema. Espera-se, no entanto, que ocorram
avanços tecnológicos significativos, especialmente quando se trata de reconhecimento de animais por
sistemas de visão computacional para a correta identificação de animais da fase de cria à entrada nos
frigoríficos. O favorecimento da imagem da carne bovina brasileira depende das certificações que podem
ser por meio do SISBOV ou de instituições privadas, que têm se dedicado a criar sistemas de certificação
com vantagens financeiras para o produtor.

Fonte: Embrapa – Boletim nº 64 – Análise da equipe de especialistas

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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