Cientistas italianos querem criar um animal semelhante ao Auroque, um boi primitivo que media dois metros de altura, pesava quase uma tonelada e tinha chifres de 1,40 metro de comprimento.
Essa espécie de boi gigante, o Bos primigenius, também conhecido como Uro, surgiu no norte da Índia há dois milhões de anos. Ela foi declarada extinta em 1627, quando a última fêmea morreu nas florestas da Polônia.
Os italianos crêem que, por ser muito resistente a condições adversas como frio, calor e pouca oferta de alimento, o Auroque pode ser muito útil para a humanidade em tempos de aquecimento global.
Para “ressuscitar” o animal, os cientistas do Consórcio para a Experimentação, Divulgação e Aplicação de Biotecnologia Inovadora de Benevento, no Sul da Itália, pretendem cruzar três raças de bois similares ao Auroque até chegar a um exemplar com DNA quase igual ao dele.
A reconstrução de um DNA
As pesquisas com os fósseis do Auroque começaram em 1996. Depois de mapearem seu DNA a partir dos ossos, os cientistas identificaram quais raças atuais de bois mais se assemelham ao ancestral primitivo.
Os resultados dessa análise levaram a pesquisadora holandesa Henri Kerkdijk, do instituto Stichting Taurus, que também participa do projeto, a propor o cruzamento entre três raças: a italiana Maremmano Primitivo, a escocesa Scottish Highland e a espanhola Pajuna.
Os cientistas italianos estão agora contando os dias para o nascimento do primeiro exemplar gerado a partir do cruzamento das três raças. O bezerro deve nascer em fevereiro, na Holanda.
“Vamos reconstituir, passo a passo, a combinação genética do boi primitivo. Esse é um primeiro cruzamento de uma série. Esse animal recém-nascido vai nos dar material para usar em futuros cruzamentos”, explicou à BBC Brasil, Donato Matassino, diretor do Consórcio que encabeça o projeto.
“Vai levar alguns anos para chegar ao animal mais próximo do boi ancestral. (Além dos cruzamentos naturais) Podemos usar também diferentes técnicas, como a inseminação artificial, a produção de embrião in vitro e, eventualmente, a clonagem”, disse Matassino.
Origem
Depois de surgir na Ásia, o Uro começou a migrar para a Europa 320 mil anos atrás, muito antes da migração humana para a região começar. Mas foi somente há 80 mil anos que o Auroque criou raízes no continente, atraído pelo solo coberto por estepes e pradarias.
Há 8 mil anos, o boi primitivo foi domesticado nas margens do mar Cáspio, no Irã. Ele também se desenvolveria 5 mil anos atrás no norte da África, no vale do rio Nilo, pelas mãos dos egípcios.
Fósseis encontrados na Itália, nos sítios arqueológicos de Potenza, Macerata, e Ancona, revelaram a presença do Auroque no continente no período neolítico (entre 7 e 4 mil anos a.C.). Mas esses exemplares já tinham chifres e corpo menores do que o Uro primitivo.
A passagem do animal pela Europa também está registrada em pinturas rupestres. As cavernas de Lascaux na França e de Altamira na Espanha trazem desenhos que revelam as características físicas do Uro. As dimensões e os detalhes do boi primitivo também podem ser observados em objetos de civilizações antigas, como a grega e a etrusca.
Os primeiros testemunhos escritos do boi selvagem são de Plinius e Columella, autores de tratados sobre a vida na idade romana, no primeiro século da era Cristã. Eles faziam referências aos bois como importante força de trabalho local.
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Em sua narração das guerras gálicas, o líder romano Júlio César descreveu o boi primitivo como “um pouco menor do que um elefante, mas de cor, aparência e formato de um touro”. “Sua força e velocidade são extraordinárias”, escreveu.
Animal resistente
Os cientistas italianos resolveram ressuscitar o Auroque devido à sua resistência e a sua capacidade de adaptação. Eles dizem que o boi primitivo pode sobreviver em terrenos com oferta pobre de alimentos.
Sua crença se baseia no fato de que o Uro superou períodos glaciais e percorreu milhares de quilômetros até se estabelecer na Europa.
Hoje, existem raças de gado de criação intensiva que produzem mais leite e carne do que o Auroque. Mas elas exigem pastagens e cuidados muito mais complexos.
Antes dos italianos, os nazistas também tentaram ressuscitar o Auroque. Por causa de sua resistência, eles acreditavam que poderiam utilizá-lo para habitar os territórios conquistados no leste europeu.
Fonte: BBC News