Quanto maior distância genética, melhor é a qualidade dos cruzamentos

Cientistas confirmaram, em estudo com bovinos e caprinos, que a distância e a variabilidade genética entre raças podem incrementar a produção animal.

Cientistas da Embrapa e do National Center for Genetic Resources Preservation do Agricultural Research Service (ARS), dos Estados Unidos, confirmaram, em estudo com bovinos e caprinos, que a distância e a variabilidade genética entre raças podem incrementar a produção animal. A senha para o sucesso está no aperfeiçoamento dos programas de melhoramento genético. O resultado da pesquisa foi publicado no Journal of animal Science e no livro Curraleiro Pé-Duro – Germoplasma Estratégico do Brasil.

O fenômeno natural da heterose ou vigor híbrido mostrou, de acordo com a pesquisa, que quanto maior é a distância genética entre as raças, melhor é a qualidade dos animais obtidos em cruzamentos. Já os animais com muita proximidade sanguínea têm desempenho inferior em relação ao peso da carcaça, produção de leite, resistência às doenças e às adversidades do meio ambiente.

Foto: Fernando Sinimbu

Entre os bovinos, a pesquisa confirmou que distância e variabilidade genética são maiores entre as raças Curraleiro Pé-Duro e Nelore. O estudo revelou também que o curraleiro pé-duro foi o que ficou mais próximo da raça Caracu, seguido das norte-americanas e das de origem francesa. Três fatores naturais, segundo o pesquisador Geraldo Magela Côrtes Carvalho, da Embrapa Meio-Norte (PI), que representou o Brasil no estudo, atuam para ampliar a variabilidade genética: a mutação, a deriva genética e a migração (Ver infográfico).

Carvalho explica que as mutações, também chamadas de deriva genética, podem ocorrer quando duas populações são separadas por um longo período de tempo e contribuem para a diversidade dentro das raças. De acordo com o especialista, o isolamento de populações é consequência do uso local e do manejo da raça e reduz o tamanho efetivo do rebanho. “O grau de diferenciação entre as raças estudadas revelou baixo fluxo de genes entre as populações brasileiras analisadas, o que indica isolamento reprodutivo, diferente do encontrado nas raças norte-americanas, que apresentaram pouca diferenciação entre os bovinos de corte”, compara.

Ele garante que a distância e a variabilidade genética são fatores determinantes para a boa qualidade de um rebanho. A pesquisa revelou também que a variabilidade é maior entre os indivíduos do que entre as raças. Entre os indivíduos, a variabilidade chega a 75%. Entre as raças, principalmente as norte-americanas para corte, não passa de 25%.

O trabalho, conduzido por dois anos na sede do ARS, em Fort Collins, no  Colorado, usou 19 raças bovinas: quatro brasileiras e 15 norte-americanas. Para chegar a esse resultado, os cientistas fizeram genotipagem em populações distintas de bovinos dos grupamentos nelore, gir (Bos indicus) caracu e curraleiro pé-duro (Bos taurus), todos brasileiros. As raças norte-americanas estudadas são de origem espanhola, francesa, britânica e da remota Ilha Chirikof, no Alasca.

Foi usado um painel de 34 microssatélites recomendado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pela Sociedade Internacional de Genética Animal (Isag). Os pesquisadores Geraldo Magela Côrtes Carvalho, da Embrapa, e o norte-americano Harvey Blackburn, do ARS, trabalharam com nove programas de computador na estatística molecular.

Entre os caprinos, foram estudadas as raças Nambi, Marota, Azul, Anglonubiana e Boer, criadas no Brasil; e as norte-americanas Spanish, Mioton, La Mancha, Angora e também a Boer, que revelaram ampla diversidade genética. As análises mostraram proximidade entre os grupamentos Nambi e Spanish. Os resultados também comprovaram a capacidade de se produzir caprinos em vários ambientes, indicando, segundo o pesquisador da Embrapa, que o conceito de raça para produção de carne caprina não é tão relevante como em outras espécies. Ou seja, todas as raças caprinas localmente adaptadas produzem carne em quantidade e qualidade semelhantes.

Avanço no melhoramento genético

Pesquisas com raças nativas começaram em 1977, no Piauí, em resposta à ameaça de extinção do curraleiro pé-duro devido à introdução dos zebuínos e aos cruzamentos desordenados. Naquele ano, a Embrapa criou o Núcleo de Conservação in situ de Bovinos Curraleiro Pé-Duro no Município de São João do Piauí, a 516 quilômetros a sudeste de Teresina. O núcleo tem hoje cerca de 350 animais.

O Banco de Germoplasma Animal da Embrapa, em Brasília, possui 19.642 doses de sêmen de 64 reprodutores de curraleiro pé-duro. Destas, 17.811 doses estão na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e 1.831 doses estão na Embrapa Meio-Norte.

Nos últimos cinco anos, a pesquisa tem evoluído na execução e aperfeiçoamento de programas de melhoramento genético animal. Um exemplo que chegou com força ao agronegócio foi o bovino Tropical, resultado do cruzamento das raças Curraleiro Pé-Duro e Nelore, apresentado ao mercado no início de 2016. O animal é mais precoce que o nelore e vai mais cedo para o abate, com dois anos de idade e 45 quilos de carne a mais que o nelore, em condições de campo nativo do Piauí.

Há quatro anos, estão sendo feitos também no Piauí cruzamentos do curraleiro pé-duro com as raças Angus Vermelho, de origem inglesa, e Senepol, desenvolvidas nos Estados Unidos. Segundo Carvalho, os primeiros exemplares dessas experiências são animais com excelente performance de peso e tamanho. Eles serão apresentados ao mercado ainda em 2017. O trabalho avançou na direção do bovino Tropical e das raças Caracu e Crioula Lageana. Os primeiros cruzamentos começam este ano.

Mais um passo foi dado este ano. Pela primeira vez, dois touros da raça Curraleiro Pé-Duro selecionados pelo Programa de Melhoramento Genético Animal da Embrapa estão produzindo sêmen para comercialização. Os animais são de propriedade do pecuarista familiar Moyséis Vieira, do Município de Grajaú, no Maranhão, parceiro ativo da Embrapa Meio-Norte no Programa de Conservação do Curraleiro Pé-Duro.

Os animais estão na central de coleta de sêmen da multinacional Alta Genetics, no Município de Uberaba, em Minas Gerais. A coleta de sêmen já começou e a comercialização tem início em março próximo, em pelo menos 700 postos de venda espalhados pelo Brasil. O repasse poderá ser feito também nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Holanda, China e nos demais países onde a empresa atua, caso haja demanda.

Os touros são registrados na Associação Brasileira de Criadores de Bovinos Curraleiro Pé-Duro, com sede em Teresina, e certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Mais oito animais dos estados do Piauí, Maranhão e Goiás estão sendo avaliados para participar do programa, segundo o pesquisador Geraldo Magela Côrtes Carvalho.

A ação não para por aí. Após o repasse das doses de sêmen, haverá um monitoramento do destino delas e das progênies (filhos) dos touros. O trabalho será feito em um universo de animais ainda a ser definido. A ação será coordenada pelo pesquisador da Embrapa Meio-Norte.

Com sede na cidade de Calgary, no Canadá, a Alta Genetics é uma gigante na coleta e comercialização de sêmen e está presente em quase cem países. No Brasil, a empresa se estabeleceu primeiramente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1995. No ano seguinte, um projeto de logística levou a empresa a se instalar em Uberaba, município que polariza a pecuária brasileira.

Origem e expansão das raças

O período colonial no Brasil foi o ambiente natural à formação da raça bovina Curraleiro Pé-Duro, a mais antiga do País. Os animais que deram origem a ela chegaram pelas mãos dos portugueses, vindos da Europa. Os primeiros exemplares foram trazidos por fazendeiros da Bahia e Pernambuco. Em seguida, a raça ocupou espaço em fazendas dos estados do Piauí, Maranhão, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Segundo os historiadores, esses animais conseguiram se adaptar bem às condições ambientais adversas do Nordeste. Facilmente, eles suportaram longos períodos de seca,  calor intenso e ataques de parasitas e insetos. Portanto, a adaptação foi rápida, o que consagrou a raça como rústica.

O rebanho de curraleiro pé-duro no Brasil chega a quase cinco mil exemplares espalhados pelos estados do Piauí, Maranhão, Goiás, Ceará, Pará, Tocantins, Paraíba e Distrito Federal. O maior rebanho está concentrado no Piauí, com cerca de 3.500 exemplares, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Bovinos Curraleiro Pé-Duro, em Teresina.

Fonte Embrapa, autor Fernando Sinimbu

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM