A abordagem do Balanço de Nutrientes é uma das ferramentas que temos para medir o desempenho ambiental das práticas produtivas.
No mundo do Agro, conceitos como Desenvolvimento Sustentável, Sustentabilidade, Serviços Ambientais, Agricultura Regenerativa, Sequestro de Carbono e ASG (Ambiental-Social-Governança), etc., estão, literalmente, na boca do povo.
Se alguém ou alguma empresa fala que pratica estes conceitos e ao mesmo tempo não tem como comprovar a veracidade de suas práticas, na verdade o que está praticando é Greenwashing ou “lavagem verde”, que é quando uma pessoa, empresa, instituição tem um discurso ambiental correto, mas sua prática não condiz com o discurso. Uma “fake news verde”!
Como apresentado no texto anterior, a abordagem do Balanço de Nutrientes é uma das ferramentas que temos para medir o desempenho ambiental das práticas produtivas. Medir o desempenho ambiental da atividade leiteira é fundamental para identificar os pontos de ineficiência e fragilidade e, assim, propor práticas e tecnologias que corrijam estes pontos.
Países tradicionais na produção leiteira há muitos anos já realizam estas medições utilizando a metodologia do Balanço de Nutrientes. De acordo com Dalgaard et al. (2014) países da Europa, América do Norte e Oceania têm enfrentado desafios para reduzir os excedentes de nutrientes e aumentar a eficiência de uso destes nos sistemas leiteiros. Galloway et al (2018) identificaram que o manejo de nutrientes é um aspecto importante na pecuária leiteira, mas não tem sido considerado em muitos países, portanto, a eficiência do uso de nutrientes de muitas fazendas leiteiras é desconhecida.
O Brasil está atrasado em avaliar a eficiência de uso de nutrientes de seus sistemas leiteiros. Devido a isso, ainda não podemos responder perguntas básicas e de importância ambiental e econômica como: qual a eficiência de uso de nutrientes das vacas em lactação, do uso dos resíduos como fertilizante e da propriedade?
Segundo Hollmann et al. (2008) a eficiência do uso do nitrogênio em fazendas leiteiras raramente excede 30%. De Klein et al (2017) observaram que a produção leiteira se intensificou entre 1990 e 2012 e, como consequência, os valores de eficiência do uso de nitrogênio diminuíram de 40–50% para 26–29%. A Tabela 1 apresenta estudos sobre a eficiência de uso de nutrientes por animal e/ou sistema produtivo leiteiro.
Para se ter como referencial, aves de corte, tidas como o animal de produção mais eficiente no uso de nutrientes, a eficiência por animal situa-se entre 25-62% para o nitrogênio e 34-58% para o fósforo.
Ruminantes e seus sistemas de produção são sempre menos eficientes que monogástricos.
Tabela 1. Eficiência de uso de nutrientes na atividade leiteira.
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Os dados da Tabela 1 mostram que a variabilidade dos resultados de eficiência de uso de nitrogênio e fósforo é elevada. Na metodologia de Avaliação de Sustentabilidade dos Sistemas Alimentares e Agrícolas da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO, 2013) se estipula que os balanços de nitrogênio e fósforo não devem desviar mais de 10% de zero para a fazenda receber uma pontuação máxima. Mas a FAO compreende que as margens de erro de 10% ou até mais são a regra quando se trata do balanço de nutrientes de fazendas.
Apesar dos estudos apresentados na Tabela 1 tratarem somente de bovinos de leite e semelhantes sistemas de produção, esta variabilidade é normal de ocorrer, pois a eficiência de uso de nutrientes é influenciada por diversos fatores produtivos e ambientais como:
- Tipo de animal (raça, idade e estágio de lactação);
- Tipo de sistema de produção;
- Dieta (ingestão de matéria seca, qualidade dos alimentos, relação volumoso/concentrado, uso de coprodutos, etc.);
- Condições climáticas da região;
- Tipo de manejo das pastagens;
- “Entradas” e “Saídas” consideradas no cálculo do Balanço de Nutrientes (fertilizantes, aporte atmosférico de nitrogênio, produtos e subprodutos comercializados, etc.);
- Manejo do solo (uso de fertilizantes químicos e orgânicos, práticas conservacionistas, estoque de nutrientes no solo, etc.).
Os estudos em Balanço de Nutrientes também mostram que a escala da fazenda não tem relação direta com a eficiência de uso de nutrientes. Grandes fazendas terão baixa eficiência se não conhecerem e manejarem seus ciclos de nutrientes. O mesmo vale para fazendas de menor escala.
Existem poucos estudos avaliando a eficiência do uso do fósforo em sistemas leiteiros. Estes estudos devem ser intensificados, pois este é um elemento responsável por vários processos danosos ao meio ambiente.
Em resumo, do total que entra pela boca de uma vaca em lactação ou do total de nutrientes utilizados na atividade leiteira, grande parte não se transforma em leite.
Por exemplo, se eu tenho uma eficiência de uso de nitrogênio do animal de 25%, significa que 75% do que ele comeu não foi transformado em leite. Parte disso foi consumido na manutenção do animal, outra parte, em torno de 2%, foi retido na forma de músculos e ossos, o restante é eliminado na forma de resíduos (fezes e urina). Em uma fazenda leiteira retém-se entre 20-30% dos nutrientes consumidos na forma de leite o restante fica retido na carcaça do animal ou é perdido na forma de resíduos (McDonald et al. 2010; Gourley et al. 2012).
Bovinos utilizam de 10% a 30% dos nutrientes da ração, excretando o restante como esterco e urina.
Essa disponibilidade de nutrientes via dejetos pode promover o acúmulo de nutrientes no solo e perdas para o ambiente, causando poluição das águas, do solo e do ar (Koelsch, 2001). A maior parte dos nutrientes consumidos via ração é excretada pelo esterco e urina, entre 60% a 90% dos nutrientes, dependendo da espécie animal, composição da ração, produtividade e manejo) (Suttle, 2010). Normalmente, as entradas de fósforo excedem as saídas do elemento em um sistema leiteiro (Van Keulen et al., 2000).
As duas grandes entradas de nutrientes em um sistema leiteiro se dá pela nutrição, seja a alimentação dos animais, seja a nutrição das plantas (pastagens e lavouras) via fertilizantes químicos e orgânicos. Então, fica claro que se quisermos melhorar a eficiência de uso de nutrientes, devemos começar pela nutrição de plantas e animais.
Estudo feito por Palhares et al. (2020) objetivou avaliar o fluxo de nutrientes em um sistema de produção de leite a pasto e o impacto de uma estratégia de nutricional (taxa ajustável de Proteína Bruta de acordo com a necessidade nutricional das vacas em lactação). A eficiência de uso de nitrogênio para o grupo de animais com proteína ajustada foi 22,7% e para o fósforo 26,5%. Para o grupo de animais com proteína bruta fixa em 20%, estas eficiências foram 21% e 25,3%, respectivamente. A estratégia nutricional reduziu o excedente total de nitrogênio em 7,6% e o de fósforo em 6,3%.
Nas Figuras 1 e 2 apresentam-se as eficiências de uso de nitrogênio e fósforo ao longo da lactação de vacas. A dieta padrão teve seu teor de proteína bruta fixado em 20% por toda lactação. A dieta ajustada teve o teor de proteína variando ao longo da lactação de acordo com a necessidade do animal.
Figura 1. Eficiência de uso de nitrogênio (%) em sistema de pastejo rotacionado e suplementação ao cocho.
As eficiências máximas de nitrogênio foram observadas em Maio, Junho e Outubro, onde não houve adubação das pastagens. Como a eficiência é determinada pela relação das quantidades de saídas e entradas, e no caso do estudo, a única saída foi o leite, quanto maior a produção de leite e menores as entradas (fertilizante e ração), maior a eficiência. Isso foi verificado para o grupo da Dieta Padrão, onde nos dois primeiros meses do período de lactação ocorreram as maiores produções de leite e menores entradas no sistema. No grupo Dieta Ajustada o menor aporte de entradas ocorreu em Outubro.
Figura 2. Eficiência de uso de fósforo (%) em sistema de pastejo rotacionado e suplementação ao cocho.
A matemática parece simples, temos que melhorar a relação das saídas do sistema com as entradas e assim teremos maiores eficiências. Mas estamos lidando com um sistema complexo como é a produção leiteira, que envolve duas atividades, a pecuária e a agricultura.
Por isso, devemos conhecer os fluxos de nutrientes, o que começa com a simples anotação de tudo que entra como insumo e sai como produto. Avaliando a eficiência de uso dos nutrientes, poderemos propor correções no nível estratégico (ex. alterações no sistema e produção) e operacional (ex. alterações na dieta). A partir destas alterações, teremos maiores ganhos ambientais, produtivos e econômicos.
Neste artigo abordei um dos indicadores gerados quando fazemos o Balanço de Nutrientes que é a eficiência de uso dos elementos. No próximo artigo iremos ver outro indicador que está relacionado com o potencial de impacto ambiental e com o uso dos resíduos orgânicos como adubo. Ate lá!