O protocolo BRCana reúne práticas e recomendações agrícolas para tornar o canavial mais eficiente tanto financeiramente como ambientalmente.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou o protocolo BRCana, voltado para o plantio de cana-de-açúcar irrigada no Cerrado. A tecnologia é considerada inovadora porque é a primeira do tipo para essa cultura, que tradicionalmente não é irrigada.
O pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e responsável pelo estudo, Vinícius Bufon, explica que o protocolo BRCana reúne práticas e recomendações agrícolas para tornar o canavial mais eficiente tanto financeiramente como ambientalmente. É um verdadeiro passo a passo para o cultivo.
“Todos os parâmetros, estratégias, técnicas é o que a gente chama de protocolo de produção irrigada. Imagine que é um monte de chavinhas que eu regulo e pode ter infinitas combinações desses controles. A diferença do BRCana é que esses controles estão dimensionados, ajustados, aperfeiçoados para entregar a maior eficiência ambiental, agronômica, de uso de água e já olhando o sistema de produção de cana atual, do jeito que ele é, moderno e mecanizado”, completa Bufon ao Agro Estadão.
O quanto, como e quando são as variáveis utilizadas nesse modelo de produção, que “não é só jogar água em cima de um sistema de sequeiro”, afirma o pesquisador. “Se você colocar água, de qualquer jeito, em cima de qualquer cultura, vai ter uma resposta, porque é água. Mas isso não é um sistema irrigado de produção. É uma equalização de todas as variáveis para que você extraia maior valor da tecnologia”.
“O nosso objetivo é deixar claro de que é possível fazer uma produção altamente sustentável e irrigada. O uso da água na produção irrigada não é um detrator de sustentabilidade. Para isso, o alicerce é só utilizar água outorgada. Quando você tem uma outorga, o processo está sendo respeitado.” – Vinícius Bufon, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente
Quais os benefícios do protocolo BRCana?
Mais produtividade é uma das principais vantagens apontadas pelo pesquisador, pois esse sistema irrigado favorece a chamada expansão de produção verticalizada, isto é, na mesma área é possível produzir mais. A longevidade também aumenta. Por ser uma cultura perene, um canavial costuma ser replantado de tempos em tempos, e a nova tecnologia amplia esse tempo de renovação.
“A produtividade da cana nesse sistema otimizado salta 70%. A longevidade do canavial sequeiro, que hoje está entre cinco e seis anos, na cana irrigada vai para dez a 12 anos. E dois ciclos, versus 12 anos de produção irrigada, tem um acréscimo de 70% na produção total se comparada a área de sequeiro”, ressalta Bufon.
Fora esses ganhos, a pesquisa também aponta outros benefícios como:
- redução dos custos com transporte – até então, o processo de aumento de produtividade é feito pela expansão da área plantada. Mas como há um ganho com a produção verticalizada, a produtividade pode aumentar sem aumentar a área de plantio, o que reduz os custos com diesel do caminhão. A pesquisa testou dois cenários com adoção das estratégias em níveis diferentes (veja em como funciona o protocolo BR Cana). No primeiro, 32% da área do canavial foi irrigada e no segundo, 45%. Nos dois casos, a economia com transporte foi expressiva, com redução anual de R$ 12 milhões e de R$ 17 milhões, respectivamente.
- economia ambiental – com menos idas e vindas da usina ao canavial, também reduz a emissão de dióxido de carbono (CO²). Além disso, ocorre o chamado “efeito poupa terra”, que significa usar menos área para produzir uma mesma quantidade de cana. A estimativa é de que essa redução no terreno plantado pode variar entre 12% e 20%, o que reduz a pressão sobre expansão sobre áreas de vegetação nativa.
- redução da suscetibilidade às mudanças climáticas – os principais subprodutos da cana – etanol e açúcar – são commodities importantes, por isso alterações e intempéries climáticas podem fazer com que o preço oscile. Bufon explica que o protocolo pode reduzir esse risco que as lavouras estão sujeitas e, consequentemente, diminuir as oscilações de preços, pois garante mais previsibilidade. Por exemplo, fazendo a irrigação de parte da usina, essa área irrigada pode deixar para ser colhida no meio da safra, que costuma ser o período mais seco. Enquanto isso, o restante da área, que não é irrigada, pode ser colhida nas pontas do período da safra, que costuma ter mais umidade. Isso eleva a produtividade média da usina, que colhe uma cana com mais qualidade e garante mais estabilidade de que terá o produto para moagem.
- redução de custos de produção – aumentando o ciclo de renovação do canavial, esse custo de reforma também diminui. Além disso, foram registradas reduções significativas com insumos como calcário, gesso, fósforo, nitrogênio e potássio. No primeiro cenário testado pela pesquisa, as reduções desses insumos variaram entre 14% e 7%. Já no segundo cenário, a economia foi entre 19% a 10%.
Como funciona o protocolo BRCana?
Bufon conta que o protocolo prevê dois tipos de estratégias para serem aplicadas. Ele ressalta que “uma não anula a outra”, pelo contrário, elas podem se complementar.
Irrigação de salvamento
Essa é uma das estratégias que têm crescido na produção de cana e tem maior potencial de ser incluída no manejo, porque requer um investimento um pouco menor e o método de irrigação tem mais mobilidade. Nessa estratégia, a aspersão é feita por um carretel irrigador, que não fica fixo em um ponto da área. Basta conectá-lo a uma fonte de água próxima.
Essa estratégia recebe o nome de irrigação de salvamento porque é aplicada no momento da brotação ou na rebrotação da cana – soqueiras – para garantir que esse estágio aconteça. Essa é a fase em que a planta tem mais necessidade de água, além de ser o período que ela está mais frágil. Então, se irriga para “salvar” a brotação.
“Com apenas 2% ou 3% de toda a demanda hídrica da cana, uma lâmina de 40 a 60 milímetros de água, você consegue garantir uma brotação ótima. O objetivo não é um aumento de produtividade, mas sim de longevidade, com uma quantidade mínima de água. Porque se ela brota mal, ao invés do canavial durar cinco ou seis anos, ele dura dois ou três”, esclarece o pesquisador
Irrigação deficitária ou irrigação com déficit controlado
Essa é a segunda estratégia prevista no protocolo, em que os métodos de irrigação podem variar: ou com pivô central ou por gotejamento – que é um pouco mais cara, mas gasta em média 8% a menos de água e de energia.
Recebe esse nome porque a quantidade de água aplicada ao longo do ciclo da cana vai diminuindo, ou seja, quanto mais adulta, menos água é aspergida. “Quando a cana está nova, a gente supre um percentual maior porque ela é a etapa mais sensível e precisa de mais água. A medida que ela cresce e fica adulta, eu supro cada vez menos, por isso que é uma irrigação deficitária”, completa Bufon.
Basicamente, de toda a necessidade hídrica da cana durante o seu ciclo, a estratégia prevê ofertar entre 25% e 30% dessa necessidade. Além disso, outros 50% são disponibilizados pela chuva, no caso do plantio no Cerrado. “Os nossos números apontam que não é economicamente, nem agronomicamente e nem ambientalmente viável atender 100% da demanda hídrica da cana”, pontua o pesquisador.
Para quem é o protocolo BRCana?
Apesar de ter sido aplicado na fase de teste em usinas sucroalcooleiras, o pesquisador garante que é possível adaptar o modelo para produtores rurais de cana-de-açúcar. Ele também acrescenta que inclusive não que o protocolo não se limita ao cultivo no Cerrado e pode ser transportado para outros biomas e países.
“Na produção moderna de cana, as premissas básicas de produção não diferem entre grande e pequeno produtor. Por exemplo, o nível máximo em satisfação hídrica que vale a pena financeiramente. Esse número é o mesmo para pequeno ou grande produtor. […] A métrica, o norte, a forma como a gente constrói a tecnologia a gente tenta retirar o viés de escala e a recomendação não está associada a um tamanho ou um tipo de propriedade”, completa Bufon.
Como solicitar o protocolo BRCana?
Os interessados em ter acesso ao protocolo podem ser solicitado pelo e-mail do pesquisador Vinícius Bufon: vinicius.bufon@embrapa.br.
Fonte: Agro Estadão
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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