A paralisação do fornecimento foi feita porque o setor produtivo cobra reajuste dos atuais R$ 0,82 centavos pagos pelo litro, assim como um diálogo entre a indústria e os fornecedores.
Revoltados com o baixo preço pago pelo leite, pecuaristas do oeste de Mato Grosso paralisaram o fornecimento do produto para pelo menos seis laticínios da região. O setor produtivo cobra um reajuste nos atuais R$ 0,82 centavos pagos pelo litro, assim como um diálogo entre a indústria e o fornecedor.
Um dos pecuaristas que resolveram não entregar mais o leite aos laticínios, Leandro Boselli, afirma que com o valor oferecido pelo litro do leite é um absurdo e vale mais a pena optar por por outras fontes de renda.
“Já que a indústria hoje não está dando valor, está compensando mais tratar os suínos, no qual o quilo está em torno de R$ 10 a R$ 12. Só a porca, já deve me dar por baixo uma duas latas e meia de banha, que valem cada uma R$ 250. Eu não queria fazer isso, queria levar o leite para cidade para doar, mas como moro a 100 quilômetros de lá, não consigo”, diz Boselli.
Produtor de leite há mais de 40 anos, Boselli se diz indignado com o atual cenário da atividade na região, já que os laticínios estão pagando R$ 0,17 centavos a menos que o praticado em outros locais de Mato Grosso. Há 3 anos ele recebia pelo menos 30% a mais pelo litro do que atualmente. Com a rentabilidade comprometida, o pecuarista resolveu diminuir o rebanho e a captação diária, de 550 para 300 litros. Com isso, o pequeno sítio de 43 hectares já acumula um prejuízo de pelo menos R$ 50 mil.
“Enquanto lá no Paraná, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina o litro do leite pago varia entre R$ 1,50 a R$ 1,70, o nosso está em 0,80 centavos. A cadeia vai acabar desse jeito. O pessoal da cidade está pagando muito caro no mercado pelo leite, de R$ 3 a R$ 4,50 por litro, e acham que nós produtores estamos ganhando demais. A gente também não consegue entender”, afirma Boselli.
Outro produtor da região, Gerôncio Antônio, confirma o problema e também está inconformado com o valor que recebeu da indústria pela entrega feita em abril.
- Rei do Leite: Conheça o maior produtor do Brasil
- Leite: Quanto produzir para ter retorno financeiro?
- Vaca Girolando quebra recorde mundial de produção de leite
- Quais são as melhores raças para pecuária leiteira?
- A vaca do futuro virá da genética girolando
- As principais raças de gado leiteiro utilizadas no Brasil
“Com esse preço não temos condições de tocar a propriedade. Esses R$ 0,89 centavos por litro de leite não são suficientes para fechar a conta. Quando fizeram a paralisação por causa do coronavírus, ficaram com medo que a gente iria para e colocaram mais R$ 0,5 centavos em cima desse pagamento. É uma vergonha que os donos de laticínios estão fazendo com nós produtores. Não estamos querendo ficar rico, não, estamos apenas querendo suprir as nossas despesas”, afirma.
A pequena propriedade de cinco hectares é o retrato da aposta na atividade leiteira. Por lá o criador mantém 60 vacas em lactação, um resfriador novo, ordenha própria e muita genética. Os investimentos para tudo isso passaram dos R$ 200 mil nos últimos anos. A expectativa era garantir a renda da família. Mas com essa desvalorização do leite na região, as dívidas acumularam e as dificuldades aumentaram. Para garantir pelo menos o sustento da casa, o pecuarista deve vender vacas para um dos frigorífico da região.
“A gente não consegue cobrir as despesas mais. O nosso produto não tem valor. Há quarenta anos nesta atividade do leite e sempre tentando sobreviver. Não tenho condições de tocar o negócio com esse valor do leite”, afirma
Em forma de protesto contra os preços pagos por seu leite, Gerôncio Antônio soltou as vacas no pasto e decidiu suspender a captação e a entrega para as indústrias da região por tempo indeterminado.
“Não vamos tirar mais leite enquanto as coisas não tomarem um rumo melhor. Peço encarecidamente uma decisão o mais rápido possível, pois já estamos há quarenta anos sofrendo com essa defasagem do leite”, reafirma ele.
Segundo a Associação dos Produtores de Leite do Oeste de Mato Grosso, há muitos outros pecuaristas da região que estão tomando a mesma medida.
“Se continuarmos do jeito que está, nossas propriedades terão muitos prejuízos. Também estou soltando as minhas vacas no pasto. Amanhã já não entrego mais leite para os laticínios. Seja por causa do preço do leite e também por falta de diálogo. Todos os produtores tem que entrar na paralisação em busca de melhora para o nosso leite”, diz o pecuarista Luciano Rodrigues, que também é presidente da Associação.
A estimativa da associação é que no oeste de Mato Grosso existam cerca de 7 mil produtores de leite. Juntos, são responsáveis por uma captação de 800 mil litros por dia.
- Vaca Nelore Carina FIV do Kado bate recorde mundial de valorização
- ‘Boicote ao boicote’: cadeia produtiva de bovinos quer deixar o Carrefour sem carne
- Jonh Deere enfrenta possíveis tarifas com sólida estratégia, diz CEO
- Maior refinaria de açúcar do mundo terá fábrica no Brasil para processar 14 milhões de t/ano
- Pecuarista é condenado a 3 anos de prisão por matar mais de 100 pinguins na Argentina
Já o Sindicato das Indústrias de Laticínios de Mato Grosso (Sindilat-MT) afirma que os preços mais baixos agora são um reflexo da queda nas vendas de lácteos durante a quarentena. Para o presidente da entidade o cenário aos poucos está sendo retomado e reforça a importância da união da cadeia produtiva nesse momento de crise.
“As indústrias, quando o coronavírus chegou, estava com as câmaras frias abarrotadas e não tinha onde mais botar queijo, chegando ao ponto de ter caminhão cheio no pátio, sem ter pra onde mandar. Isso se arrastou até abril, quando as empresas, em pleno início de entre safra, reduziu o preço do leite para tentar sobreviver. Porém, na região oeste, onde os produtores já estavam com desgaste com as indústrias, isso foi a gota d’água. Acredito que vai haver o entendimento entre a indústria e os produtores. Mas é preciso ter bom senso para dialogar e se acertar”, afirma o presidente do Sidlat, Leonir Chaves.
Por Pedro Silvestre, de Vila Bela Da Santíssima Trindade (MT)