Pecuaristas pedem ao Mapa que normatize a toalete na indústria para evitar perdas, que, segundo pesquisa da Universidade Federal do Tocantins, podem chegar a 1@ por animal.
O rendimento de carcaça sempre foi motivo de conflito na cadeia pecuária bovina: produtores reclamam do sistema de pagamento pelo animal abatido, com base no peso pós-toalete (limpeza da carcaça); frigoríficos argumentam que adotam procedimentos criteriosos, que podem ser conferidos in loco pelo produtor. A falta de um padrão nacional, contudo, dificulta a eliminação de arestas.
A questão voltou à pauta do GPB (Grupo Pecuária Brasil), que, ao lado da Universidade Federal do Tocantins (UFT), enviou um parecer técnico ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reivindicando a publicação de uma instrução normativa sobre o tema, definindo claramente o que o frigorífico pode ou não retirar da carcaça.
O tema foi assunto de um artigo e grande discussão, já pautado aqui no Compre Rural, onde abordamos a relação entre o pecuarista e o frigorífico. Afinal de contas, existe sempre aquela história da “diferença de peso no abate”. Pois é, quer saber mais sobre o assunto…veja aqui!
Chegou a hora de ter uma normativa
Os pecuaristas estão cada vez mais unidos, isso é fato! Diante disso, o produtor tem se informada, se especializado e, cada vez mais, cobrado por melhorias na transparência da indústria.
O pedido respaldou-se em um levantamento realizado pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) em pequenos frigoríficos do Estado, nos últimos 10 anos. Além de constatar desuniformidade de métodos de toalete no Brasil, a instituição calculou o que ela extrai da carcaça (apenas em gordura) e o que isso significaria em dinheiro.
“Fizemos cálculos em vários estudos e chegamos a perdas altas, que merecem uma discussão dentro da cadeia e com o Ministério. O produtor tem direito de receber pelo que efetivamente entrega”, diz o pesquisador da UFT, José Neumann Miranda Neiva, que coordenou alguns desses estudos com carcaças e é um dos apoiadores do movimento “Levanta Cabeça”, criado por produtores de Araguaína há um ano. No documento entregue ao Mapa, os produtores pedem (enquanto não se tem regulamentação mais completa) o cumprimento da Instrução Normativa Nº 9, de maio de 2014, que define o que é carcaça bovina, e do decreto Nº 9.013, de março de 2017, que também trata do tema. Na prática, isso significaria remuneração pelo rendimento de carcaça quente integral (RCQI) ou peso pré-toalete, desejo acalentado também pelos produtores uruguaios.
Após muita disputa com a indústria de seu país, eles perderam a batalha, mas conseguiram do governo, em 2016, um “protocolo de dressing máximo” que detalha item por item o que pode (e como) ser retirado da carcaça. No Uruguai, o percentual de dressing, fiscalizado por técnicos do INAC (Instituto Nacional da Carne), varia de 6% a 8%.
Auditores do Mapa já se posicionaram, por meio de ofícios internos, contra excessos na toalete das carcaças no Brasil – retirada de parte da musculatura ventral do pescoço, do obturador interno (aranha) e do reto abdominal (pacu) –, mas os produtores reclamam que falta um posicionamento oficial do órgão de modo a coibir irregularidades.
“Temos leis e portarias que nos resguardam quanto ao que é carcaça bovina. A retirada de certas gorduras e partes de músculos não consta de nenhuma delas, mas isso não é cumprido”, argumenta Oswaldo Furlan, fundador do GPB, grupo que reúne, junto com seus coligados, 14.533 pecuaristas de 17 Estados brasileiros e Distrito Federal.
Pesquisa mensura os prejuízos
A Universidade do Tocantins iniciou suas pesquisas com frigoríficos regionais há 10 anos, inicialmente para avaliar o reflexo de dietas bovinas sobre o peso e rendimento das carcaças. Os pesquisadores notaram, contudo, uma grande disparidade entre os resultados obtidos e os projetados, o que acabou levando à análise da toalete. Eles decidiram mensurar a quantidade de gordura extraída durante esse processo de limpeza, antes da pesagem das meias carcaças para pagamento ao produtor, e depois reconstruir o que chamaram de “carcaça integral” (sem toalete).
José Neumann explica que, em algumas plantas, principalmente aquelas habilitadas para exportação, observou- se a retirada de até 15 kg (1@) de gordura durante a toalete antes da pesagem da carcaça. Se a IN 9 fosse seguida, o produtor teria ganhado R$ 150 a mais por boi (valor da @ em maio de 2019).
Nos estudos da UFT, não foram consideradas as gorduras perirrenal e inguinal, cuja exclusão da carcaça é autorizada pela Instrução Normativa Nº 9. Também não foram feitas avaliações de perdas de músculos (parte comestível da carcaça), embora observações indiquem que elas também podem chegar a 1@cab, segundo o professor.
A gordura foi escolhida para a pesquisa porque é separada e destinada à fabricação de biodiesel, processo que facilitou sua pesagem. Segundo Neumann, dados de massas musculares devem ser coletados em uma etapa mais avançada dos trabalhos. “Existe uma dificuldade para coleta desse tipo de informação, porque os frigoríficos restringem a entrada nas plantas a no máximo cinco pessoas. Seriam necessárias pelo menos 10 para avançarmos nisso”, contabiliza.
Os estudos da Universidade Federal do Tocantins foram realizados em quatro frigoríficos regionais: LKJ, Boi Brasil, Masterboi e o abatedouro municipal de Araguaína. Foram considerados os rendimentos da carcaça quente (RCQ) pós-toalete, pelo qual o produtor é pago, e o rendimento da carcaça quente integral (RCQI), antes da toalete de machos inteiros e novilhas. A diferença média entre os dois pesos, em seis estudos, foi de 9,26kg (veja tabela acima). Com a arroba R$ 150, chegasse ao valor médio de R$ 92,60 por animal abatido (R$ 111, no caso dos machos inteiros), que o produtor deixou de ganhar, considerando-se a definição de carcaça da IN 9. Mesmo não contabilizando a retirada somente de gordura, a diferença entre o RCQ e o RCQI foi de 2,19 pontos percentuais.
Se trouxermos para os valores atuais, teremos uma arroba na casa de R$ 220. Sendo assim, o prejuízo para o Macho Inteiro ficaria em R$ 161,34 por animal. Se olharmos para o um pecuarista que abate 6500 animais por ano, ele deixa de ganhar cerca de R$ 1.048.000,00. Ou seja, o prejuízo é gigante!
De acordo com Neumann, os resultados comprovam que a frequente divergência entre os rendimentos de carcaça esperados e os rendimentos obtidos no abate não ocorre ao acaso, nem é fruto do hábito de “ reclamar do pecuarista”. De acordo com o documento entregue ao Mapa, “quando se compara os rendimentos de raças conhecidas mundialmente, como a Angus, os rendimentos obtidos no Brasil estão sempre abaixo dos obtidos em outros países, mesmo em condições semelhantes de manejo e alimentação.”
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Neumann pontua, ainda, que os sistemas de bonificação da indústria são uma espécie de “toma lá dá cá” nada favorável ao produtor. “Muitas vezes, o produtor vende seus animais para determinada indústria que lhe oferece R$ 5 a mais por arroba, mas, dependendo do padrão da toalete, ela recupera a bonificação com certa folga. Animais que dariam 53% de rendimento, dão 52%”.
É um ágio ilusório diz o pesquisador, garantindo que certos frigoríficos menores apoiam a definição de regras mais claras nessa área, pois acreditam que se tornarão mais competitivos frente aos grandes. “Esse pessoal paga menos, mas tem rendimento de carcaça melhor. O produtor precisa estar atento”.
Compre Rural com informações do Portal DBO