Com abertura de consulta pública da Anvisa, regulamentação pode entrar em vigor em 2020; pesquisadores afirmam que produção no Brasil geraria maior controle sobre as moléculas utilizadas.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) encaminhou ontem (11/6) uma consulta pública sobre propostas para a regulamentação do cultivo de Cannabis sativa para uso medicinal e de pesquisa no Brasil. As medidas tratam de regras para o plantio por laboratórios farmacêuticos e o registro dos medicamentos produzidos a partir de componentes da planta. Empresas, pesquisadores e representantes da sociedade civil poderão participar da consulta pública, que deve ficar aberta por pelo menos dois meses.
A HempMed Brasil, subsidiária da americana Medical Marijuana, fabricante de remédios à base de Cannabis, é uma das empresas interessadas em participar das discussões. O laboratório abriu um escritório em São Paulo em 2018.
Por enquanto, o espaço serve como um centro de apoio para palestras sobre o tema e para tirar dúvidas dos pacientes, já que a importação dos medicamentos é permitida apenas por pessoas físicas mediante a apresentação de receita médica e um ofício liberado pela Anvisa.
“Caso o cultivo da planta e a fabricação de remédios possa ser feita no Brasil, deverá haver uma redução de custos e expansão dos negócios, o que nos interessa muito”, diz Caroline Heinz, vice-presidente da HempMed Brasil. “Pretendemos participar ativamente das discussões”, afirma.
A HempMed Brasil comercializa óleos, capsulas e extratos da linha Real Scientific Hemp Oil, utilizados no tratamento de epilepsia, dores crônicas, autismo e outras doenças. “Os compostos ativos desse tipo de medicamento não contêm o TSH, substância responsável por provocar efeitos alucinógenos”, explica o pesquisador Francisco Silveira Guimarães, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, que há 30 anos desenvolve estudos científicos com a planta. “De qualquer forma, se a produção dos remédios fosse feita no Brasil teríamos maior controle sobre as moléculas utilizadas”, diz.
Nos Estados Unidos, onde a produção de remédios e outros produtos à base de componentes da Cannabis é permitida em vários Estados, foram cultivados mais de 31 milhões de hectares de maconha para fins industriais no ano passado, movimentado um mercado de US$ 1 bilhão.
A Cannabis vem sendo utilizada para a fabricação de medicamentos para uma série de doenças, entre elas epilepsia, mal de Parkinson e esclerose múltipla. A fibra da planta, bastante resistente, é empregada na produção de tecidos, materiais para a construção civil e móveis.
Agora, um grupo de empresários brasileiros aguarda o parecer final da Anvisa para começar a investir no cultivo e na produção de medicamentos no Brasil. Eles são proprietários do grupo Piahuy, que fabrica, no Uruguai e em Portugal, remédios feitos com princípios ativos do cânhamo, com menos de 0,2% de THC. O uso medicial da maconha é legalizado nesses dois países. “O processo começou a caminhar mais rapidamente no Brasil”, diz Eduardo Sampaio, um dos proprietários da empresa, que planeja investir cerca de US$ 5 milhões em unidades fabris no país.
Áreas propícias
Se o cultivo for legalizado, o empresário pretende comprar a planta de agricultores com autorização para o cultivo. Segundo Sampaio, o Cerrado e a região oeste da Bahia, com tempo ensolarado e a quantidade ideal de chuvas para a Cannabis, seriam áreas propícias para o plantio. No hemisfério sul, a semeadura acontece em setembro e outubro. A colheita em geral acontece ao redor de um ano.
A regulamentação poderia contribuir também com os trabalhos de pesquisa sobre as aplicações medicinais da planta. Hoje, as universidades precisam importar a matéria-prima. “Para os pacientes, que precisam do remédio, é ainda pior, porque os custos finais, com os impostos, são muito altos”, diz Guimarães.
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Hoje, quase 7 mil pacientes estão registados na Anvisa para importar medicamentos à base de componentes da maconha. Em média, o processo de liberação da Anvisa, que precisa autorizar os pedidos, leva de 40 a 50 dias. Apenas no ano passado, 2.371 novos pacientes se cadastraram.
“A pressão das famílias dos doentes têm levado o governo brasileiro a agir, como já aconteceu em países como os Estados Unidos, Canadá, Uruguai, Portugal e vários outros”, afirma Sampaio. A expectativa é que a legislação esteja em vigor no ano que vem. “A regulamentação vai ajudar a criar um novo mercado, o que é importante para a economia, e colaborar para minimizar os problemas de saúde de muita gente”, diz.