Conheça a validade do uso de Índices de Seleção ou o uso direto das DEPs nos programas de melhoramento genético de bovinos do Brasil
Fernando Furtado Velloso – Os programas de melhoramento genético são geradores de dados que ultrapassam a seleção de bovinos nas fazendas, pois impactam a comercialização dos animais e credenciam reprodutores a serem ou não doadores nas centrais de inseminação. Touros sem DEPs estão praticamente fora do mercado de inseminação no Brasil. Esse foi um dos temas dos debates realizados no evento on line “Road in Farm”, promovido pela Central Leilões, no início de março deste ano. Entre os painéis em que se discutiram muito os programas de melhoramento, estiveram o conduzido por Ricardo Abreu (PMGZ/ABCZ), da área de zebuínos, e o sobre cruzamentos, conduzido por mim.
A importância, a validade, a efetividade e a necessidade do uso dos dados dos programas de melhoramento para identificar os melhores animais geneticamente já é discussão superada, pois os selecionadores e pecuaristas concordam que é necessário medir (coletar dados de campo), realizar os ajustes necessários e processar a informação em alguma base de dados, ou seja, em algum programa de melhoramento. Já está bem avançado o entendimento que esta é a melhor forma de identificar os animais com melhor desempenho e, posteriormente, com melhores progênies. As divergências ou discussões surgem na questão da melhor forma do uso das informações geradas, no número de características medidas (e DEPS geradas) e na forma de ranqueamento dos animais. Ou seja, como o programa A ou B determina quais são os melhores para diferentes características, mas especialmente como são formados os índices de cada programa.
Uma discussão sempre presente neste tipo de encontro, e que se repetiu no Road in Farm, é a validade do uso de Índices de Seleção (Ex: Índice Final, IQG, iABCZ, etc) ou o uso direto das DEPs (DEP Desmame, DEP Desmame Sobreano, etc). Já nesse item nota-se que ocorrem divergências conceituais, de opiniões, preferências entre os selecionadores (participantes dos programas) e dos usuários (compradores dos touros ou sêmen).
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Os programas de melhoramento são reflexo ou consequência da forma com que nos organizamos e nos agrupamos enquanto selecionadores. Alguns aderem ao programa “oficial” da sua raça (sem muita contestação), outros criadores associam-se com outros rebanhos e formam os seus próprios programas (privados), pois têm maior afinidade conceitual e técnica com o trabalho desses criadores ou fazendas ou porque acreditam mais na força da marca A do que na fraqueza da marca B, sempre me referindo aos programas de melhoramento. Guardadas as proporções, é quase como acreditar, mais ou menos, na estrutura pública ou privada em nossa sociedade.
União dos Programas de Melhoramento e Sumários: menos simples do que parece
“Mas Velloso, então porque não reúnem todos os programas da mesma raça em um só?”
“Vamos unificar toda essa informação e dar mais vulto e poder a informação gerada!”
A pergunta e a consideração não são novas. De tempo em tempo, esta questão é levantada, seja entre criadores de zebuínos, de Angus, e Brangus etc. As pessoas que participam desses fóruns, muitas vezes, se repetem. Alguns já levantam a sobrancelha ou mexem a cabeça como quem sinaliza: “essa ideia eu já vi, e logo me lembro do por que não avançou”.
Os pontos positivos seriam vários e plenamente justificáveis: teríamos mais rebanhos e animais num programa só. A base de dados seria maior (em estatística, o “N” sempre é importante), não teríamos mais reprodutores Deca 1 num programa e Deca 8 em outros. Os padrões de coleta de dados, os ajustes e as consistências seriam únicos, a informação sendo de uma fonte só seria mais bem compreendida e adotada pelo usuário da genética. Enfim, seria uma maravilha.
Mas não haveriam pontos contras?
No entusiasmo destas discussões unificadoras, os pontos negativos parecem inexistentes ou desconsideráveis, mas me permito discordar um pouco. Alguns programas de melhoramento são formados em função da afinidade conceitual dos rebanhos participantes e da similaridade dos sistemas de produção e objetivos de seleção. O ambiente também é mais parecido em alguns programas do que em outros e, quando unimos tudo, perdemos essa informação. Até o rigor ou as exigências na coleta de dados varia de programa em programa e do grau de sistematização no envio dos dados.
Alguns programas realizam coleta de dados e avaliações de campo somente via técnico credenciado (de fora da fazenda), e outros permitem que o próprio criador ou algum técnico da fazenda colete as informações. Não é uma questão de certo ou errado, mas são visões distintas sobre como deve ser obtida a informação (de forma terceirizada ou não). Em alguns programas, são aceitos animais não registrados e, em outros, somente animais com registro genealógico. Difícil haver consenso neste ponto para os defensores destas diferentes visões.
A publicação de Sumários Consolidados seria uma alternativa defendida por alguns. Já que não conseguimos unir os programas em um só, vamos, então, publicar os resultados em um sumário único (consolidado) para que as características principais sejam publicadas com a soma dos dados de todos os sumários. Esta ideia já foi realizada algumas poucas vezes em diferentes raças, mas parece que não teve a força e continuidade esperadas.
Pessoalmente não acredito muito no método, pois a tendência será que o programa mais numeroso “domine” os dados. Sendo a interação genótipo ambiente uma verdade, perderemos a informação de que genética desempenhou melhor em ambiente parecido ao meu quando reúno os dados com informações vindas de regiões distintas do Brasil ou até mesmo de outros países. Na raça Angus, foram feitas publicações desta forma entre os países da América do Sul, mas os dados da Argentina sempre foram muito mais numerosos em comparação com os demais países. Sempre ficava a impressão de que eu estava relendo o sumário argentino. A busca dos brasileiros por genética com maior tolerância ao calor, resistência ao carrapato, pelo fino, etc, ficou diluída nos dados majoritários do sistema de produção dos argentinos. Essa é a minha visão como consumidor dos programas de melhoramento.
Nesta empreitada unificadora e do “juntos somos mais fortes” chega o momento em que se percebe o seguinte sentimento ou proposta: não seria bom trabalharmos em um programa unificado? O “meu” poderia receber os seus dados, pois é o oficial, é o mais antigo, é o mais numeroso, etc. Ou seja, em algumas vezes, existe a mescla da busca por melhorias com a busca por coordenação ou domínio desta atividade.
A pecuária e o mercado são dinâmicos. Num passado recente, o crescimento dos reprodutores CEIP, fez com que as associações de raça dessem mais atenção aos seus programas de melhoramento. Houve uma resposta com maior valorização e investimento nos programas oficiais. O “problema” gerou algo muito bom.
Então, Velloso, não acreditas na unificação dos programas?
R: Tenho dificuldade em acreditar. É quase como querer unir em um partido político pessoas e linhas de pensamento muito diferentes. Em algum momento, o conflito surgirá e novos partidos nascerão novamente.
Acredito, sim, no acesso livre e facilitado às informações dos programas de melhoramento. Se queremos maior adesão e compreensão dos pecuaristas sobre a “seleção objetiva”, devemos dar transparência e facilidade de consulta aos dados dos animais. A informação transforma, mas pastas em arquivos com chaves tem pouco potencial transformador.
Por Fernando Furtado Velloso da Assessoria Agropecuária FFVelloso & Dimas Rocha – Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Abril, 2021)