Por que agricultores sofrem distúrbios psicológicos

O desaparecimento do respeito pela profissão agrícola e a estigmatização dos agricultores como responsáveis por problemas ambientais contribuem para um ambiente emocionalmente desgastante; confira

A vida agrícola muitas vezes é romantizada como uma existência idílica, marcada por paisagens serenas e uma conexão com a natureza. No entanto, por trás dessa imagem pitoresca, há uma realidade muitas vezes negligenciada: os desafios psicológicos e emocionais enfrentados pelos agricultores. Na Europa, onde a agricultura é uma parte fundamental da identidade cultural e econômica, a pressão sobre os agricultores está atingindo níveis preocupantes.

Jürgen Donhauser, um pastor evangélico na Alemanha, foi confrontado com a dura realidade enfrentada pelos agricultores locais quando assumiu esse papel. Histórias de estresse, incerteza financeira e até mesmo pensamentos suicidas entre os agricultores chocaram Donhauser e o levaram a reconhecer o peso emocional que muitos carregam. O fardo de fechar uma fazenda que passou por gerações é descrito como “brutal” pelo pastor, destacando a magnitude do desafio enfrentado pelos agricultores.

A pressão sobre os agricultores não é exclusiva de uma região específica, mas sim um fenômeno crescente em toda a Europa. Recentemente, protestos de agricultores têm chamado a atenção da mídia, revelando uma crise mais ampla do que é perceptível à primeira vista. Estudos mostram que fatores como políticas climáticas, regulamentações rigorosas, aumento dos custos e queda dos preços dos produtos agrícolas estão contribuindo significativamente para problemas de saúde mental entre os agricultores.

Foto: Divulgação/ Protesto de agricultores em Berlim, na Alemanha

As políticas climáticas, em particular, têm sido um ponto de tensão. Embora seja amplamente reconhecido que a agricultura desempenha um papel significativo nas emissões de gases de efeito estufa, as medidas para reduzir essas emissões muitas vezes colocam os agricultores em situações difíceis. Restrições ao uso de fertilizantes e pesticidas, por exemplo, podem não apenas afetar a produtividade das fazendas, mas também criar desafios logísticos significativos.

Sebastian Luhmer, que administra uma fazenda orgânica na Alemanha, destaca os desafios enfrentados pelos agricultores em meio a essas políticas. Ele ressalta que os agricultores estão entre os mais afetados pelas mudanças climáticas, enfrentando secas e estações imprevisíveis que impactam diretamente suas operações.

Grande pressão e questões ambientais

No entanto, a resposta dos agricultores às pressões enfrentadas nem sempre é reconhecida ou compreendida pela sociedade em geral. Muitos se sentem como “bodes expiatórios“, criticados injustamente por questões como a crise climática. O desaparecimento do respeito pela profissão agrícola e a estigmatização dos agricultores como responsáveis por problemas ambientais contribuem para um ambiente emocionalmente desgastante.

Diante desses desafios, há um movimento crescente em direção à conscientização e apoio aos agricultores. Iniciativas que visam fornecer informações, promover o diálogo e abordar diretamente questões de saúde mental estão ganhando importância. A inclusão de módulos sobre saúde mental nas faculdades de ciências agrícolas é um passo na direção certa, reconhecendo a importância de cuidar do bem-estar dos agricultores.

Foto: Sarah Meyssonnier/Reuters

Franziska Aumer, uma jovem agricultora na Baviera, destaca a necessidade de valorizar e apoiar a profissão agrícola para garantir um futuro sustentável. Apesar dos desafios e das histórias trágicas de colegas que enfrentaram adversidades, Aumer permanece otimista sobre o papel dos agricultores na sociedade e sua capacidade de superar os obstáculos.

A saúde mental dos agricultores na Europa – e em várias outras partes do mundo – é um problema complexo que exige uma abordagem holística. Reconhecer e enfrentar os desafios psicológicos e emocionais enfrentados pelos produtores é essencial para garantir não apenas o bem-estar individual, mas também a sustentabilidade e resiliência do setor agrícola como um todo.

Estudo feito com agricultores brasileiros

Enquanto na Europa os agricultores enfrentam pressões relacionadas a políticas climáticas e econômicas, no Brasil, a realidade não é muito diferente, como revelado por um estudo transversal realizado na Serra Gaúcha.

A análise buscou avaliar as associações entre características do trabalho rural e a ocorrência de Morbidade Psiquiátrica Menor (MPM) – refere-se a uma condição em que os sintomas de transtornos psiquiátricos são presentes, porém menos graves do que aqueles encontrados em transtornos psiquiátricos clinicamente significativos – entre os agricultores. Os resultados revelaram uma prevalência alarmante de MPM, afetando 37,5% dos agricultores estudados. Este número destaca a dimensão dos problemas enfrentados pelos agricultores brasileiros e a urgência de medidas para proteger sua saúde mental.

Entre os principais achados do estudo, destacam-se as associações entre características específicas do trabalho rural e a ocorrência de MPM. Por exemplo, a produção de feijão esteve associada a um aumento do risco da morbidade, enquanto a produção de maçã mostrou uma redução no risco. Além disso, o uso de ferramentas manuais intensivo e jornadas de trabalho aceleradas foram identificados como fatores de risco para transtornos psiquiátricos.

A relação entre intoxicação por defensivos e morbidade psiquiátrica também foi examinada, mostrando uma forte associação entre esses dois fatores. Este achado destaca a necessidade urgente de abordar não apenas os problemas de saúde mental, mas também as questões relacionadas ao uso adequado e seguro dos produtos na agricultura brasileira.

Além dos desafios específicos enfrentados pelos agricultores do Brasil, como a política agrícola e as condições climáticas, há paralelos interessantes com as questões enfrentadas pelos agricultores europeus. Por exemplo, a associação entre níveis mais altos de escolaridade e uma redução no risco de transtornos psiquiátricos é consistente com achados em outras populações, ressaltando a importância da educação como uma estratégia para melhorar a saúde mental dos agricultores.

Tanto na Europa quanto no Brasil, a saúde mental dos agricultores emerge como uma preocupação significativa que requer atenção urgente. As políticas destinadas a apoiar os agricultores devem levar em consideração não apenas os desafios específicos enfrentados por cada região, mas também a necessidade de abordagens holísticas que reconheçam e atendam às complexas interações entre trabalho, ambiente e bem-estar mental. Garantir acesso à educação, tecnologia e apoio social pode ser fundamental para promover o bem-estar dos agricultores e garantir um futuro sustentável para o setor agrícola.

Escrito por Compre Rural.

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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