Plano Safra: Agro pede R$ 22 bilhões para subsidiar juros

Valor seria aplicado na safra de 2022/2023, mas não tem previsão no Orçamento; entidade que representa o setor já fala em flexibilizar o teto de gastos, diante das restrições da regra que controla o crescimento das despesas do governo.

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que representa os produtores rurais, pedirá ao governo o repasse de R$ 22 bilhões para equalizar as taxas de juros das linhas de financiamento rural no Plano Safra de 2022/2023. A proposta faz parte de um documento que será entregue ao ministro da AgriculturaMarcos Montes, na próxima segunda-feira, 16.

O valor supera a quantia de R$ 13 bilhões anunciada pelo governo para o plano da safra atual, de 2021/22, mas esbarra na falta de recursos no Orçamento. Hoje não há recursos previstos no Orçamento de 2022 para o Plano Safra que entrará em vigor em julho. 

Em entrevista ao Estadão/Broadcast Agro, o diretor-técnico da CNA, Bruno Lucchi, disse que a entidade não sabe de onde poderiam sair os recursos e que cabe ao governo essa definição. Mas, diante das dificuldades de encontrar recursos, a entidade já fala em uma flexibilização do teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas do governo à inflação do ano anterior. 

A elevação do teto de gastos não está formalizada nas propostas da CNA. Mas, segundo  Lucchi, esta é uma possibilidade que poderia ser discutida com a sociedade e o Congresso. Uma das justificativas é o aumento de arrecadação no ano passado e uma possível situação de emergência alimentar no mundo em 2023, acompanhada por uma maior inflação de alimentos galopante.

“Assim como na pandemia de covid-19 houve uma emergência sanitária em que se flexibilizou a regra do teto para aportar recursos à sociedade, na economia, cabe uma discussão sobre fazer a mesma coisa agora com o cenário de incerteza sobre a segurança alimentar. Houve uma arrecadação maior no ano passado que só não pode ser usada em função da lei do teto”, argumenta Lucchi. 

Em 2021, a arrecadação de impostos e contribuições federais somou R$ 1,878 trilhão, o melhor resultado da série histórica, iniciada em 1995, superando o recorde anterior, de 2014, de R$ 1,873 trilhão (dado corrigido pela inflação). O valor representa um crescimento real, já descontada a inflação, de 17% na comparação com R$ 1,479 trilhão de 2020.

Preços de alimentos mais altos

inflação de alimentos está associada a fatores diversos, segundo Lucchi. Um deles foi o aumento dos insumos agrícolas derivado de problemas logísticos e de abastecimento, que levaram à alta dos custos de produção, de mais de 50% para algumas cadeias.

Adversidades climáticas também agravaram a situação do setor. O Rio Grande do Sul viveu seu terceiro ano de La Niña e outros Estados, no Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste, também foram prejudicados por falta ou excesso de chuvas. 

A CNA argumenta que nos dois primeiros meses de 2022, a indústria de seguros pagou R$ 4,5 bilhões em indenizações a produtores rurais, valor próximo dos R$ 5,4 bilhões pagos em todo o ano de 2021.

Além disso, a guerra na Ucrânia fez os preços de fertilizantes dispararem e pode comprometer o fornecimento de alimentos em 2022 e 2023, especialmente na Europa, de itens produzidos pelos dois países.

“Uma política mais assertiva, para conter essa crise no Brasil e para o País ajudar o mundo a amenizar esse impacto, é ter crédito para o produtor investir e produzir mais”, afirma o diretor-técnico da CNA. 

Lucchi defende que na grande maioria dos casos o Brasil exporta excedente de produção e que apenas seis itens têm volume exportado maior que o consumido internamente: celulose, açúcar, café, suco de laranja, soja e algodão.

Retorno

Outro argumento da CNA para defender os R$ 22 bilhões para subvenção às taxas de juros é um estudo com dados sobre os benefícios que o dinheiro poderá trazer no curto prazo, com incrementos para produção, o Produto Interno Bruto (PIB), exportações, empregos e redução dos preços dos alimentos.

“O recurso do Plano Safra é de interesse não só do agronegócio, mas da sociedade brasileira, para garantir a segurança alimentar e continuar gerando ambiente favorável ao crescimento econômico e ao aumento do consumo das famílias”, afirmou.

A entidade busca assegurar taxas de juros abaixo dos dois dígitos e priorizar os programas de investimento ABC (Agricultura de Baixo Carbono), PCA (financiamento de silos e armazéns), Proirriga, Pronamp (foco em médios produtores), Pronaf (voltado à agricultura familiar) e Inovagro. 

A entidade não definiu um valor total ideal para o Plano Safra 2022/23, diferentemente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que solicitou R$ 330 bilhões. “Não estamos falando em volume, mas em taxas de juros, e para isso precisamos ter os recursos para equalização. Com isso vamos fazer contas para ter taxas abaixo de dois dígitos e priorizar estes programas”.

Porcentual maior para a crédito rural

No documento, a CNA também vai propor a elevação dos porcentuais que os bancos obrigatoriamente devem aplicar, de forma direta ou indireta, em crédito rural. Dos depósitos à vista, a entidade propõe elevação dos atuais 25% para 30%; de poupança rural, pede aumento de 59% hoje para 64%; e das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), de 35% atualmente para 50%. O texto, que traz dez pontos prioritários para a CNA, incluirá ainda questões relacionadas a spreads cobrados por instituições financeiras e a regulação prudencial.

Outras propostas incluem ainda o repasse de R$ 2 bilhões para o Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural (PSR), o que também depende de uma mudança no Orçamento, e a regulamentação do Fundo de Catástrofe, estabelecido pela Lei Complementar 137/2010. “É essencial regulamentar esse fundo para em momentos como esse, de três anos seguidos de problemas climáticos fortes no Sul, conseguir ajudar as seguradoras a não quebrarem, por serem um componente importante no jogo”, dz Lucchi.

Algumas empresas do setor de seguros, segundo Lucchi, tiveram grandes prejuízos, especialmente as mais concentradas na região Sul, o que já se reflete em preços de apólices mais altos e redução da cobertura. A ideia é viabilizar o fundo por meio de uma Parceria Público-Privada. “Não diria que estará pronto para o ano que vem, mas vamos começar a formar uma estrutura mínima.”

Mobilização

A um mês e meio do início do Plano Safra 2022/23, entidades representativas do agronegócio, parlamentares e governo devem intensificar a mobilização política para defender os R$ 22 bilhões solicitados pelo setor e definir a fonte do dinheiro. Na próxima semana, segundo Lucchi, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) deverá ter uma reunião para tratar de possibilidades para viabilizar o Plano.

“O Ministério da Agricultura tem feito reuniões periódicas com o Ministério da Economia, só que agora realmente tem que entrar em campo todo o apoio político necessário”, afirmou.

“Queríamos que ficasse evidente que este é um ano totalmente atípico, que há risco muito grande de 2023 ter inflação de alimentos grande em função da pandemia, da guerra, dos vários fatores que se aglomeraram até o momento. Há uma necessidade maior do que nos últimos anos de dar atenção especial ao Plano Safra.”

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