Presuntos crus defumados e não defumados, copas, presuntos cozidos, mortadelas, hambúrgueres e até bacon. Esses são alguns dos produtos feitos a partir de carne ovina − cordeiros, borregos, ovelhas e carneiros − desenvolvidos pela Embrapa Pecuária Sul (RS) no âmbito do projeto Aproveitamento Integral de Carne Ovina (Aprovinos), que avalia alternativas para levar ao mercado novas opções de consumo deste tipo de carne.
De acordo com a coordenadora do projeto, a pesquisadora da Embrapa Élen Nalério, todos esses produtos são feitos com categorias animais com pouco valor comercial hoje, como ovelhas mais velhas e de descarte, porém ainda com bastante qualidade nutricional. A inspiração para o desenvolvimento dos produtos veio de derivados de carne suína, que são muito apreciados pelo consumidor.
Para chegar a esses produtos, foram três anos de pesquisas em áreas como processo de salga e de cura. De acordo com Élen, como são inéditos no mercado, foi preciso partir de produtos similares de outros animais para chegar a processos que garantissem a qualidade, sabor e segurança para o consumidor. “No caso do presunto cru, por exemplo, que é uma peça única e com osso, são levadas em consideração as diversas reações bioquímicas que ocorrem durante a conversão da carne em presunto para encontrar as condições de umidade e de calor, além da salga, para chegarmos ao produto final com a qualidade que queríamos e sem riscos de consumo”, ressalta. Foi necessário também identificar as cepas de fungos, que dão o sabor e aroma aos embutidos, de forma a certificar que estes não apresentam caráter toxigênico para o consumo.
Os presuntos crus, oveicon premium (bacon ovino tipo extra), linguiça light e as copas são alguns dos produtos que compõem a Linha Premium, formada por produtos de alto valor agregado, uma das três linhas concebidas durante o projeto voltadas a diferentes públicos e regiões do País. Já a linha chamada de Low Cost foi pensada para atender uma faixa mais ampla da população, e por isso possui menor custo de produção e de comercialização. Ela é composta por mortadela, patê de fígado, apresuntado, hambúrguer e bacon ovino (oveicon), também tem como objetivo aproveitar nos frigoríficos partes de carnes de pouco valor comercial e também animais de descarte. Por fim, uma terceira linha de produtos, denominada Regional, destina-se a atender mercados específicos do País com produtos como sarapatel, buchada e pertences de feijoada.
No desenvolvimento dos produtos, o projeto contou com a parceria de diferentes instituições. No caso do patê, os estudos foram realizados pelo Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul). Os hambúrgueres tiveram desenvolvimento no Instituto Federal de Farroupilha, enquanto que os produtos da linha regional ficaram a cargo da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).
Além do desenvolvimento de derivados, o projeto trabalhou também com cortes diferenciados de carne para apresentação e comercialização. Hoje a maior parte da carne ovina é vendida em peças grandes, como o pernil e a paleta, o que torna mais difícil o manuseio e o preparo. “Há algum tempo que a tendência do mercado é oferecer maior praticidade nos produtos alimentares, com porções mais fracionadas que podem ser utilizadas em uma refeição de uma família pequena”, aponta Élen. Por esse motivo, a pesquisa procurou desenvolver cortes menores e que permitem maior facilidade de preparo. Da mesma forma, foram buscadas tecnologias que aumentam o tempo de permanência dessas carnes nas prateleiras dos supermercados.
Bom potencial nacional
O consumo de carne ovina ainda é baixo no País, principalmente se compararmos com outras proteínas animais. Segundo a Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), o consumo per capita atualmente é de cerca de 400 gramas anuais, enquanto que o brasileiro come em média cerca de 47 quilos de carne de frango por ano, 35 quilos de carne bovina e 15 quilos de suínos. Essa realidade mostra um potencial enorme para o aumento da produção e da comercialização, com a possibilidade de chegar a públicos que hoje não têm hábito de consumir este tipo de carne. Percebe-se, por outro lado, um aumento na demanda por carne ovina, especialmente de cordeiro, entre consumidores urbanos e em cardápios de restaurantes mais refinados.
A pesquisadora Élen Nalério lembra que o projeto nasceu com a constatação de que praticamente só existia mercado para a carne de cordeiro, que é o animal jovem, com menos de um ano de idade. “Outras categorias animais têm pouco apelo comercial e mesmo o cordeiro, geralmente, é vendido em peças grandes e congeladas, de difícil manuseio para o dia a dia”, conta.
Avaliação dos consumidores
Durante o projeto foram realizadas pesquisas com consumidores de diferentes regiões do País para avaliar a percepção em relação à carne ovina. Nesses trabalhos ficou claro que o consumo ainda é restrito a regiões que têm a tradição da criação de ovelha, como o Rio Grande do Sul, e a nichos de mercado. Boa parte do público médio não tem a cultura de consumir esse tipo de carne, seja por desconhecimento ou mesmo por não encontrá-la nos pontos de venda. “Muitas vezes não existe oferta do produto nos supermercados e quando há são peças grandes e congeladas, o que não é atrativo para consumidores de grandes centros urbanos”, ressalta Élen Nalério. As pesquisas de percepção dos consumidores foram realizadas em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Da mesma forma foram realizadas pesquisas com grupos focais, como empresários do ramo de frigoríficos, produtores rurais, varejistas e chefes de cozinha. Com esses públicos especializados, foram apresentados os produtos cárneos desenvolvidos pelo Aprovinos, com o objetivo de avaliar a recepção desses agentes da cadeia produtiva. “Como são produtos que ainda não estão no mercado, a intenção era verificar a percepção de públicos-alvo tanto em relação à apresentação dos produtos quanto na degustação”. De acordo com Élen, o retorno foi bastante positivo, principalmente por representantes de frigoríficos, que mostraram interesse em utilizar comercialmente as tecnologias desenvolvidas. A Embrapa está avaliando os melhores modelos de negócios para a transferência da tecnologia e como efetivamente colocar novos produtos no mercado, o que deve acontecer ainda em 2016.
Reestruturação da cadeia produtiva
Paralelamente ao projeto Aprovinos, a Embrapa Pecuária Sul, em conjunto com a Associação Brasileira dos Produtores de Ovinos (Arco), vem desenvolvendo ações visando a uma maior organização da cadeia produtiva da ovinocultura. Nesse sentido, em 2015 foram realizadas reuniões de trabalho envolvendo diferentes instituições, identificando os gargalos e as oportunidades para a ovinocultura. “Especificamente no Rio Grande do Sul, a matriz produtiva da ovinocultura passou da produção de lã para a de carne nas últimas décadas. Essa mudança exige uma nova percepção seja em relação à produção, ao processamento e à comercialização dos produtos ovinos”, ressalta o pesquisador Marcos Borba.
De acordo com Borba, o objetivo desse trabalho é reunir instituições públicas e privadas visando obter maior eficácia na cadeia produtiva da ovinocultura. No final de 2015, foi aprovado o projeto Apoio ao Desenvolvimento da Ovinocultura no Rio Grande do Sul, que vai contribuir com este trabalho de reorganização da cadeia produtiva. Entre as ações previstas estão promover um maior entrosamento entre os componentes da cadeia, ampliar a organização dos produtores, combater a informalidade do abate e aumentar a assistência técnica aos criadores. “O objetivo é fortalecer todos os elos da cadeia produtiva e com isso propiciar ganhos para todos, sejam produtores rurais, empresários do setor de transformação e também do varejo. E, no final, o consumidor poderá dispor de produtos de qualidade”, assegura Borba.
Fonte Embrapa