Mais de 2.000 quilos de fertilizantes foram apreendidos e, além disso, o Mapa adverte os consumidores para ficarem atentos às compras de produtos irregulares pela internet. Veja!
Uma operação realizada na manhã desta quinta-feira (19) em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, apreendeu produtos químicos que poderiam ser utilizados como fertilizantes e eram vendidos de forma irregular pela internet. A fiscalização foi feita pela Polícia Federal e a apreensão pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A corrida mundial pelos fertilizantes, insumo vital para a segurança alimentar, foi impulsionada pela Guerra na Ucrânia. Os dois envolvidos são grandes produtores e exportadores mundiais destes produtos. Diante disso, e principalmente no Brasil, surgiu uma grande corrida por compra antecipada e o “medo” da falta desde produto no país.
A empresa funcionava nos fundos de uma residência e fracionava diversos tipos de fertilizantes em embalagens menores, o que caracteriza atividade de produção e exige registro obrigatório no Mapa. A substância era ácido bórico, que pode ser utilizada como fertilizante, mas também com finalidades ilícitas.
A estimativa de material apreendido é algo em torno de 2 toneladas de fertilizantes, distribuídas em dezenas de produtos com variadas fórmulas.
De acordo com a equipe de fiscalização de insumos agropecuários do Mapa, os produtos eram comercializados por meio de anúncios na internet e expedidos por transportadoras para vários estados brasileiros. Pelas irregularidades constatadas, a empresa foi autuada e embargada para as atividades de produção e comércio de fertilizantes. Os produtos caracterizados como fertilizantes encontrados no local foram apreendidos como medida cautelar.
A desinterdição da empresa para as atividades citadas e a liberação dos produtos apreendidos estão condicionadas à regularização da empresa perante o ministério. Como as vendas eram feitas em pequenas quantidades, a aplicação era mais direcionada a hortas e jardins.
O Mapa adverte os consumidores para ficarem atentos às compras de produtos irregulares pela internet. Sem o devido registro no ministério, não há como garantir a qualidade e efetividade das substâncias.
Preços cada vez mais altos, aponta CNA
O encarecimento e a ameaça do corte de fornecimento provocaram um forte impacto. É o que explica Marcelo Sambiase, instrutor dos cursos de agricultura orgânica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de São Paulo (SENAR-SP). “O adubo, que custava R$ 1.500,00 a tonelada no início de 2020, ainda antes da pandemia de Covid-19, hoje está custando R$ 6 mil. O grande produtor consegue ainda preços mais em conta porque adquire grandes volumes. Mas o pequeno chega a pagar R$ 7 mil por tonelada porque ele não consegue fazer uma compra antecipada ou em grande volume. Outro problema grave é que quando há a falta de adubo, o agricultor de maior porte já tem um bom volume em estoque, mas o pequeno não tem”, explica. Segundo Sambiase, esse contexto ainda não teve reflexos na queda da produção, mas ele está preocupado com a próxima safra, porque com o custo atual está inviável plantar.
A tendência de alta nos preços já havia provocado uma movimentação dos produtores para o estudo de outras tecnologias já prevendo que essa situação não iria se reverter. Agora essas pesquisas foram aceleradas e passaram a ser implementadas. O instrutor do SENAR-SP avalia que está se formando no Brasil uma força tarefa entre diversos órgãos de pesquisa – Embrapa, universidades e outras instituições públicas e privadas – para se viabilizar alternativas aos fertilizantes. Mas ainda não está claro qual o caminho ideal. “Estamos vivendo um momento de incertezas”, alerta o instrutor.
Um setor que ficou protegido nesse contexto é o de orgânicos, que não depende dos adubos químicos por causa das características inerentes à sua produção. Diferente da agricultura convencional, a orgânica utiliza técnicas naturais de fertilização do solo, sendo possível manter praticamente a mesma produtividade. Muito do conhecimento e dos métodos empregadas nas lavouras orgânicas podem ser aplicados nas convencionais. Porém, isso não acontece a curto prazo. Os adubos químicos, quando diluídos em água, são assimilados quase que instantaneamente nas plantações convencionais. Nas plantações orgânicas são utilizados vegetais que enriquecem a terra com nitrogênio para a fertilização de uma plantação, mas isso leva um período de 90 dias para acontecer, o que requer um planejamento e uma organização antecipada para se obter os resultados.
Adubos orgânicos e organominerais, inoculantes, biofertilizantes e corretivos agrícolas de origem orgânica têm a importação proibida, o que promoveu o desenvolvimento nacional dessas técnicas, sem a dependência de insumos importados. Assim, os preços não são determinados pelo mercado internacional. Os produtos biológicos usados na adubação são promotores de crescimento, microorganismos que se associam a uma planta e potencializam a nutrição do solo. Já existem hoje microorganismos que fazem a solubilização do fósforo diretamente para a planta, reduzindo em até 80% a dependência do adubo solúvel. No caso da soja, existem as micorrizas – fungos que beneficiam o crescimento das plantas por meio da absorção de nutrientes do solo, aumentando também a resistência a doenças –, que chegam a reduzir em até 100% a necessidade de uso do adubo nitrogenado. O trabalho com essas práticas diferentes das lavouras convencionais – adubação verde, produtos biológicos e outras – é um caminho para o agricultor reduzir a dependência dos químicos.
Outro método é a rochagem, que busca recuperar a fertilidade pela utilização de misturas de rochas moídas (pó de rocha). Mas não é qualquer pó de rocha que pode ser usado; é preciso que ele esteja registrado no Ministério da Agricultura e ofereça garantias mínimas quanto à eficiência. A rocha precisa estar numa determinada granulometria, adequada para a fertilização do solo. Esse pode ser um importante caminho para auxiliar na busca por um substituto dos químicos em grande escala, já que toda pedreira tem um pó de rocha com potencial para ser usado em plantações.
Pó de rocha, adubação verde, fertilização biológica: são caminhos para diminuir a dependência do fertilizante químico. Sambiase acredita que esse conjunto de ações pode levar os produtores a reduzir e até libertar o agricultor da necessidade do uso de adubos convencionais. Mas são processos que demoram para ser implementados. “Sabemos como fazer. Mas para todo mundo vai funcionar no mesmo tempo e da mesma maneira? Além disso, não há quantidade suficiente desses novos insumos, de imediato, para suprir toda a demanda, caso fôssemos substituir totalmente os fertilizantes”, esclarece.
Esterco de curral, de galinha, compostagem, vinhaça
Essas são outras possibilidades que vêm sendo implementadas em algumas plantações, mas elas não funcionam para todas as situações. São elementos que enriquecem a atividade biológica com a finalidade de formar os nutrientes para as plantas, mas não são fornecedores diretos desses nutrientes. O esterco possui muito material orgânico, acelera a atividade biológica, mas contém poucos minerais. O nitrogênio que as plantas absorvem vem do ar e não de uma fonte de esterco. Para se obter os mesmos resultados da agricultura convencional, seria necessário usar dez vezes mais quantidade equivalente em esterco. É um processo pouco viável diante da falta de material em quantidade suficiente.
Biomassa
É uma matéria orgânica vegetal que serve como fonte de minerais e nutrientes para fertilização das plantações, incorporando nitrogênio à terra para plantio. Formar biomassa não é um processo rápido e exige espaço no terreno para seu cultivo. Mas com planejamento e um manejo cuidadoso, torna-se uma alternativa viável e eficiente para melhorar as características do solo e a capacidade produtiva. Para que a adubação com biomassa tenha efeito, é necessário um trabalho continuado. O maior exemplo da eficiência desse sistema é o plantio direto – que visa reduzir o revolvimento da terra, apenas o suficiente para incorporação das sementes.
Soluções
Para se alterar a relação do plantio baseado na necessidade de fertilizantes químicos é necessário repensar o modelo de cultivo, mudando as técnicas de cultivo atuais (aração, gradagem etc.) que compactam a terra e exaurem os nutrientes. A dependência vem do empobrecimento causado por essa compactação – aí entram os fertilizantes, que repõem os nutrientes que foram perdidos. Reverter esse cenário de modo que o uso de adubo seja menos necessário leva tempo e necessita de um cuidado minucioso a fim de devolver ao solo a capacidade de absorver nutrientes.
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Mas é possível, pois a tecnologia já existe. “É preciso que o conhecimento sobre as alternativas de fertilização natural chegue ao produtor. Hoje o SENAR-SP atende 123 turmas de estudos a cada ano, com média de 15 a 20 participantes. Nós orientamos já quase 30 mil pessoas, por meio de cursos que ensinam como recuperar o solo, porque ele só se manterá fofo, poroso e estruturado se ele houver atividade biológica. Se não, ele vai se compactar e endurecer, vai perder a capacidade de absorção de água e de nutrientes. E todo o investimento acaba sendo dinheiro jogado fora. Isso vale tanto para o pequeno quanto para o grande”, continua o instrutor.
“Durante essas crises é que surgem coisas novas, tecnologias e soluções diferentes. Tem muita coisa boa por aí. Nós vamos continuar produzindo, mesmo sem adubo químico. Vamos achar soluções diferentes a partir da busca pelo conhecimento”, conclui.