Segundo a ONG Repórter Brasil, registro particionado de propriedades permitiria vender animais criados em fazendas com áreas embargadas.
Apesar do controle cada vez maior implantado por frigoríficos e grandes redes de varejo para eliminar o desmatamento da cadeia de produção da carne bovina, pecuaristas com áreas embargadas, em conflito ou até mesmo com histórico de trabalho análogo à escravidão têm encontrado maneiras para driblar as regras de compliance dessas empresas. É o que aponta desenvolvido pela ONG Repórter Brasil com base nos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de cinco fazendas do Mato Grosso que estariam adotando a prática.
A partir do registro particionado propriedades contínuas, esses produtores têm conseguido vender animais criados em áreas recém-desmatadas e sem conformidade com as políticas de compra adotadas pelos principais frigoríficos do país, segundo o levantamento.
São feitos vários cadastros de uma propriedade mesma, dividida em várias matrículas. Com isso, seria possível realizar vendas legais mesmo quando obtida nas áreas onde constam irregularidades ambientais e trabalhistas.
“Ao incidir de uma única fazenda, a terra é convertida – ao menos no papel – em diversas fazendas menores, que fazem fronteira entre si. Caso exista um embargo ou um registro de desmatamento ilegal em alguma delas, basta usar uma área vizinha para fazer a negociação do gado com os frigoríficos ”, explica a publicação.
O relatório da Repórter Brasil afirma ainda que essa prática contraria a própria religião do Cadastro Ambiental Rural, segundo a qual é preciso declarar como áreas limítrofes de um mesmo proprietário em apenas um cadastro. A Instrução Normativa nº 2, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente em 2014 estabelecendo os procedimentos gerais do CAR afirma que a definição de imóvel rural adotada pelo cadastro é a mesma do Estatuto da Terra (Lei nº 8.629 / 1993), que considera a propriedade uma área contínua.
“O conjunto de propriedades ou posses, em área contínua, pertencentes às mesmas pessoas, físicas ou jurídicas, será considerado como um único imóvel rural devendo ser feito uma única inscrição declarando como informações contidas nos respectivos documentos comprobatórios”, explica a sessão de perguntas e respostas do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
Segundo o Ministério da Agricultura (Mapa), o sistema possui um mecanismo que identifica automaticamente o cadastro enviado está com mais de 40% de sobreposição com outro associado ao mesmo proprietário e bloqueia a inscrição. Nos casos demais, a identificação é feita no momento de validação do CAR, quando verifica -se se os cadastros declarados pelos imóveis vizinhos são da mesma pessoa.
O procedimento, contudo, é parte do Sicar, gerido pelo governo federal. No caso de Mato Grosso, onde foram apontadas como irregularidades, o Estado possui sistema próprio de cadastramento e análise e não partilha da mesma interpretação, adotando a lei de registros públicos nesses casos.
Com base nessa regra, é possível fazer cadastros diferentes para propriedades que sejam vizinhas entre si, mesmo que como diferentes matrículas pertençam ao proprietário mesmo. “Essa foi uma interpretação muito extensa que a procuradoria do Mato Grosso fez, inclusive porque a lei federal traz em diversos dispositivos o vínculo a matrícula do imóvel”, explica a secretária de Meio Ambiente do Estado, Mauren Lazzaretti.
Segundo ela, a estratégia do governo mato-grossense tem sido focar na regularização dos imóveis rural a fim de legalizar a produção das áreas que estão atualmente com pendências fundiárias ou ambientais. “Não é obrigando o produtor a juntar como matrículas num único imóvel rural que eu resolveria o problema porque é muito simples eu modificar o titular do imóvel – e aí essa regra deixaria de existir”, argumenta Mauren.
A coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do Instituto Centro de Vida, Ana Paula Gouveia Valdiones, avalia que o ideal seria a Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso para bloquear esses registros, tal como ocorre com o Sicar. Segundo ela, a possibilidade de particionamento do CAR de propriedades com matrículas diferentes, mas em nome de uma mesma pessoa, prejudica o combate ao desmatamento e a regularização fundiária.
“Quando uma pessoa fraciona o seu imóvel rural em mais de um CAR ele também pode atender de forma diferente a legislação porque a agricultura familiar responde de um jeito no Código Florestal e imóveis maiores já habilitados de outro”, observa Valdiones.
Procurada, uma Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) não se pronunciou sobre o assunto. O Globo Rural entrou em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas a instituição não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Outros estados
No demais Estados, por outro lado, a falta de validação do CAR é o principal entrave para combater essas irregularidades, segundo a observação do diretor executivo da Amigos da Terra, Mauro Armelin. “Chegou num ponto que não dá mais pra postergar a validação do CAR porque a inação do governo pode estar causando prejuízo para as empresas e para as indústrias”, afirma o ambientalista ao lembrar da pressão internacional sobre o setor.
“A indústria vai continuar sendo pressionada e vai continuar fazendo a parte dela, mas se o governo não fará a parte dele, elas vão ser prejudicadas por essa inação”, pondera Armelin. Segundo ele, sem a atuação do Estado, os mecanismos de controle desenvolvido pela iniciativa privada tendem a se tornar “mais caro, mais difícil e menos preciso”.
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Segundo o Ministério da Agricultura, dos 21 Estados que utilizam o sistema federal, somente técnicos do Paraná e do Amapá foram capacitados para realizar a validação dos dados do CAR cadastrados no Sicar. A expectativa do governo é de que até o final de 2022 todas as unidades federativas tenham pessoal habilitado para realizar esse trabalho.
“No fundo, isso mostra que a gente precisa dar um passo além. Não podemos ficar parados nessa situação porque senão vai ser possível fazer um relatório dessa semana e todo esforço que foi feito até aqui vai ser perdido, porque as pessoas vão acabar olhando pra isso e vão achar que não é sério ”, completa Armelin.
Fonte: Globo Rural