No caso do leite, tanto na produção primária como na industrialização, fatores peculiares de alta complexidade se somam na ingrata missão.
No meio econômico corporativo, a duvidosa eficácia de orçamentos de médio e longo prazo rendem boas piadas para quem os elabora. Ao fim de cada ano, gestores buscam o máximo de dados disponíveis, aplicam técnicas consagradas na ciência econômica e temperam com seus feelings setoriais, porém quase sempre erram.
Então por que planejar?
Ruim com orçamento, muito pior sem ele.
Mesmo com o histórico de erros impactantes, ao destrinchar indicadores econômicos, pistas valiosas de como proceder se colocam a mesa de forma muito clara. No caso do leite, tanto na produção primária como na industrialização, fatores peculiares de alta complexidade se somam na ingrata missão.
O dólar influencia na soja, milho, adubos, insumos do produtor, insumos da indústria, no leite em pó atingindo a balança comercial, nas embalagens e nas matrizes energéticas (isso pra resumir); o emprego, renda e desempenho macro econômico, impactam no apetite pelo consumo, que também sofre influência de outros fatores mais específicos do setor, como por exemplo: preço de outras proteínas, preços de substitutos, o crescimento orgânico ou pontual de demanda e consumo atípico em determinados momentos;
A oferta é o pilar que mais ajuda a melhorar a assertividade das previsões. Normalmente é o terreno mais sólido para se explorar. É mais previsível e quase sempre é a maior influência nas variações de mercado. Se na história sempre foi difícil prever preços de leite, imagina em um ano pós pandemia. O mundo está passando por um marco histórico que vai ser comparado a eventos como guerras mundiais, grandes crises econômicas e mesmo a pragas do passado. Setores inteiros foram comprometidos e incertezas pairam sobre o planeta.
A produção e comercialização de alimentos foi privilegiada até então por conta do isolamento social e da priorização dos orçamentos domésticos. Não dá para dizer que foi um ano economicamente ruim para quem é produtor de alimentos.
A conjunção composta pela priorização de consumo de alimentos com a renda emergencial, turbinou o consumo de alimentos básicos, provocando uma mudança de patamares históricos de preços. Esse fenômeno foi providencial, uma vez que o custo também mudou de nível. Tanto preços como custos não devem voltar a padrões anteriores, mas devemos ter atenção às instabilidades.
A volatilidade tende a ser mais intensa em mercados que têm elevada mudança nos custos de produção. As negociações se tornam mais difíceis e especulativas. O produtor valoriza mais qualquer ganho pontual de preços, a indústria fica mais conservadora em seus custos e o varejo mantém seus estoques mínimos esperando dar a tacada certa na hora certa. A queda de braços entre os elos se acirra na medida em que o risco econômico dos negócios fica maior.
O ano de 2021 sinaliza fatores macro bem complexos e nebulosos. O consumo de derivados lácteos que teve um bom acréscimo em 2020 tende a ser mais limitado com a redução de renda prevista. Com menos recursos advindos de programas governamentais, mais desempregados e maior inflação no início de 2021, menos capital circulante estará disponível.
A oferta de leite no mercado internacional não deve ser um problema maior do que ocorreu em 2020. Os principais países exportadores devem ter aumento discreto de produção. O dólar tende a se desvalorizar, mas exceto em momentos de pico de preços no mercado interno, não devemos ter eventos de importações em massa maiores que a média normal. A produção interna deve crescer, mas em patamares também mais discretos. Com o preço elevado da carne em 2020, muitos animais com baixa produção próximos a secagem foram abatidos, fator que vai diminuir a reposição de animais em produção em 2021.
A seca na época de plantios no sul também deve continuar impactando a oferta naquela região ao longo de 2021. Em contrapartida, as margens elevadas no segundo semestre impulsionaram a produção de médias e grandes fazendas no sudeste. Os preços de leite vão iniciar 2021 em patamares jamais vistos com custos de grãos se reduzindo gradativamente, ambiente favorável para estímulo ao aumento de produção em regiões com histórico climático recente mais favorável.
Combinando impactos negativos com os positivos na produção, o pilar oferta não deve ser problemático nem por falta, nem por excedente. Estando a oferta normal com uma demanda mais retraída, devemos ter um ano mais difícil que 2020 mas sem tantos sustos. Um preço médio anual estável ou levemente inferior à média de 2020 se desenha como cenário geral mais provável. A boa notícia é que temos um ganho de preços e consumo conquistados a partir do segundo semestre desse ano que não será totalmente perdido.
Um comportamento mais cauteloso e conservador é desejável, uma vez que com preços ainda altos e custos elevados, o risco das atividades também fica maior. Não devemos esperar um ano com pisos e picos de preços tão acentuados como 2020, mas a volatilidade pode ser mais intensa em prazos mais curtos que o normal.
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Pontos de atenção importantes
- As margens das indústrias estão entrando em 2021 muito depreciadas, em algum momento haverá necessidade econômica de ajuste.
- Ocorreu uma mudança no comportamento de compras do varejo e do atacado, tornando as negociações mais duras e transferindo estoques para as indústrias.
- O aumento considerável de produção interna na China, pode tornar a vida de nossos importadores históricos, Argentina e Uruguai, um pouco mais difícil, podendo gerar aumento na oferta de leite importado no Brasil em algum momento.
- Um possível prolongamento da segunda onda de infecções pela Covid-19 com o já previsto atraso nas vacinações pode mudar o cenário no primeiro semestre como vimos no início da pandemia.
Claro que serei alvo de alguma piada direcionada a quem teima em tentar prever alguma coisa no mercado de leite, mas espero ter contribuído para que se criem curvas de previsão de preços e para que ao menos uma direção estratégica se estabeleça.
Fonte: Milk Point