Os pecuaristas americanos gostam de usar a expressão back to basics, que podemos transportar para o nosso cotidiano como o velho ditado “feijão com arroz bem feito”.
O conceito se aplica muito bem no momento que vivemos para os selecionadores de bovinos, especialmente aos dedicados à produção de reprodutores, mas serve igualmente ao pecuarista comercial, que faz cria.
Decidi redigir este artigo como continuação de um texto publicado faz quase um ano, “Produção de genética: menos pirotecnia e mais disciplina”. O artigo e o assunto seguem atuais, pois são questões atemporais. Aos que apreciam a temática, o artigo está na Internet e na edição de Julho/2016 da AG.
Dispomos cada vez mais de novas tecnologias e ferramentas para trabalhar o melhoramento genético (seleção animal) e também para manipularmos a reprodução dos rebanhos. Para identificar os animais de melhor genética, temos os programas de melhoramento genético nos informando as DEPs para várias características (avaliação genética), a Ultrassonografia de Carcaças escrevendo a composição da carcaça dos animais (musculosidade, gordura, marmoreio), a Genômica antecipando a informação do mérito genético dos animais através dos marcadores moleculares (informação pronta através da análise de DNA de uma gota de sangue ou de um chumaço de pelos), a DEP Genômica reunindo as informações da avaliação genética combinadas com as da genômica.
Ainda com uso limitado, mas já disponível, temos também as medições de Eficiência Alimentar através do consumo individual de alimento pelos animais. Na reprodução, partimos da inseminação, passando pela IATF, chegamos ao sêmen sexado, multiplicamos as melhores doadoras através da Transferência de Embriões e Fertilização In Vitro e já andamos discutindo a Programação Fetal. Muitos dos produtores de genética têm um perfil que adota rapidamente as novas tecnologias e vêm inserindo mais e mais informações para uso nas tomadas de decisão de seu rebanho.
Muito bem e muito lindo, não sou contrário ao uso de nada do que está sendo exposto aqui, pois são técnicas modernas que funcionam e ajudam a construir um rebanho melhor. Problemas podem ocorrer (e acontecem na prática) quando o criador se encanta tanto pelos números, gráficos e relatórios e descuida de questões básicas e fundamentais na boa seleção: animais com boa adaptação ao meio (aspecto visual de saúde, pelo fino, boa condição corporal), boas mães (que parem com facilidade e não abandonam o terneiro), vacas com bons úberes (tetos que permitam a fácil mamada e com boa produção de leite), animais dóceis (que não ponham em risco as instalações e pessoas) e com biótipo alinhado com os objetivos de seleção do criador. Para aqueles que manejam seus animais no dia a dia, não estou falando nenhuma novidade. Para aqueles que não estão na linha de frente, é uma boa trocar ideias com o seu capataz ou peão para saber quem é a vaca que se mantém sempre bonita (repetindo cria e com boa condição corporal), a que produz sempre os melhores terneiros, a que não dá leite, a “loca” que não para no potreiro dela e atropela no aperto, etc.
Paralelamente aos tantos controles e informações obtidas com os programas de melhoramento, ainda vale muito o uso de índices internos da fazenda, como o velho e bom Índice 100. Acumular a informação ano a ano dos animais com melhor desempenho para Peso ao Desmame e Peso ao Ano simplesmente ajustados para a idade padrão é um Raio X muito simples de ser lido sobre os melhores acasalamentos e matrizes. Os bons rebanhos que conheço não abandonaram essa prática.
Recentemente, li um texto do Sr. Josahkian (ABCZ) no qual ele discute “Por que o Touro Top 0,1% nem sempre é o melhor” e a minha reflexão é mais um reforço no mesmo sentido. Pelo ofício da minha função (inspetor técnico da Associação Nacional de Criadores – Herd Book Collares) tenho a oportunidade de visitar e conhecer muitos rebanhos dedicados à produção de genética. Fico bastante entusiasmado em ver como muitos rebanhos estão adotando as novas tecnologias disponíveis, investindo recursos, trabalho e tempo para selecionar os melhores animais, mas me preocupa verificar, simultaneamente, que muitos estão descuidando do arroz com feijão. Pensarão e dirão alguns: é meio atrasado e saudosista este Velloso, ocupando nosso tempo com essa zootecnia do passado. Porém, é bom o arroz bem soltinho!
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Abril, 2017)