Para produtores rurais e exportadores agropecuários, está claro que o setor virou de vez um alvo preferencial da sanha tributária dos Estados.
Diante da crise fiscal que ainda vive o país, vários Estados pretendem taxar tanto a produção quanto as exportações do agronegócio, setor mais dinâmico e o que mais cresce da economia brasileira nos últimos anos.
Os governos estaduais alegam estar em sérias dificuldades ficais, agravadas pela falta de repasses da União como compensação à Lei Kandir, que desde 1996 zerou o ICMS cobrado sobre as exportações de matérias-primas como grãos e minérios.
As exportações do agronegócio somaram US$ 102,1 bilhões nos 12 meses até janeiro de 2019, equivalente a 42,3% de todas as exportações do país. E gerou superávit comercial de US$ 88,1 bilhões no período. Em 2018, o setor também registrou participação de aproximadamente 23% do PIB, segundo estimativas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em outra frente, estudo recente da LCA Consultores em parceria com a CNA mostrou que 16% da carga tributária do país é paga pelo agronegócio.
Para produtores rurais e exportadores agropecuários, está claro que o setor virou de vez um alvo preferencial da sanha tributária dos Estados. Alertam, porém, que os aumentos de impostos podem comprimir suas margens de lucro, comprometer os bons resultados conferidos na balança comercial, quando não pressionar a inflação de alimentos. E já preparam uma grande mobilização nacional, liderada pela própria CNA e Aprosoja Brasil. “Não se pode punir com mais impostos o setor que está trazendo prosperidade para o país”, disse ao Valor a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
O maior exemplo está em Mato Grosso, líder da produção nacional de grãos, como soja — carro-chefe das exportações. No primeiro mês deste ano, ao mesmo tempo em que decretou situação de calamidade financeira do Estado, o novo governador Mauro Mendes sancionou lei que ampliou o escopo de um encargo que já incidia sobre a comercialização dos principais produtos agropecuários do Estado, o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab).
Enquanto soja, algodão, carnes e madeira tiveram aumento das alíquotas, o milho passou a ser incluído na lista dos itens onerados. No caso do algodão, o incremento foi expressivo: de 20,5% para 75% da Unidade de Padrão Fiscal (UPF) por toneladas, sendo que a proposta original do governo era chegar a 200%. A UPF é a base fiscal para incidência do Fethab, que em janeiro estava em R$ 139.
O secretário de Fazenda matogrossense, Rogério Gallo, argumenta que aumentar esse encargo ao agronegócio local não é a solução para todo o problema fiscal do Estado. A estimativa do ganho de arrecadação com o Fethab é de cerca de R$ 400 milhões por ano – o fundo arrecadou R$ 1 bilhão em 2018. Por outro lado, a nova gestão herdou déficit de R$ 2,1 bilhões.
Gallo nega que a nova administração esteja perseguindo o setor e defende que o Estado agregue mais valor à sua produção, com a implantação de agroindústrias que possam gerar riqueza internamente. “Prefiro isentar a exportação do óleo de soja produzido no Estado que a do grão in natura. Temos uma capacidade instalada de esmagamento de soja ociosa, alguma coisa está errada.”
Alexandre Schenkel, presidente da Ampa, entidade que reúne os produtores de algodão de Mato Grosso, diz que a medida do governo estadual “penaliza quem é eficiente” e diz que o aumento do Fethab sobre a fibra produzida no Estado vai abocanhar 20% da rentabilidade dos produtores da cultura. “Muitos produtores podem deixar de plantar na próxima safra.”
Esse caso, porém, não é o único. A partir de 1o de abril começa a vigorar em Santa Catarina um decreto editado ainda pela gestão anterior que passa a aplicar 17% de ICMS sobre dezenas de agrotóxicos – antes esses insumos eram isentos. O Estado espera arrecadar R$ 30 milhões por ano com a cobrança, mas o secretário de Fazenda, Paulo Eli, conta que o déficit é de R$ 2,5 bilhões.
Tocantins, cuja economia depende em grande parte da atividade agropecuária, também baixou portaria estadual em 1o de fevereiro que prevê a cobrança de 12% de ICMS interestadual sobre o frete rodoviário de cargas destinadas à exportação. O serviço era isento.
Outra grande preocupação do setor é o Convênio 100 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que desde 1997 isenta ou reduz ICMS sobre vários agroquímicos e fertilizantes. Por pressão do setor, o benefício sempre foi renovado, mas o temor agora é de que ele deixe de existir uma vez que sete Estados já decretaram calamidade financeira. Se o convênio for derrubado, o impacto estimado é de R$ 20 bilhões sobre o custo de produção, diz Renato Conchon, coordenador do Núcleo de Assuntos Econômicos da CNA.
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“O agronegócio vai se tornar cada vez mais nos próximos anos ainda um alvo da sede arrecadatória do Estado, por uma falsa ideia de que o produtor ganha muito dinheiro. Apesar de o setor movimentar muito, as margens são muito pequenas, e está sujeito a risco alto”, diz o tributarista Eduardo Lourenço, sócio do escritório Maneira Advogados.
Para Rafael Fonteles, presidente do Consefaz, conselho de secretários de Fazenda, “ao mesmo tempo em que o agronegócio pode ser a base da economia de alguns Estados, ele é o setor responsável por boa parte do crescimento do país. Então às vezes, você gera uma tributação e resolve uma situação de curto prazo, mas termina gerando um desincentivo ao setor”.
Fonte: Valor Econômico.